10 janeiro 2010

PáTúnelGeiserTerra

Era uma vez uma pá, feita de metal e madeira, que passava os dias a cavar a terra. Na sua vida de pá já tinha conhecido solos argilosos, já tinha suportado terra cheia de pedras e arestas, já tinha carregado terra barrenta que se colava ao seu corpo. Entre o metal e a madeira, a pá guardava restos das terras que tinha escavado, marcas minúsculas que se tornaram a sua segunda pele e que não a deixavam esquecer tudo o que tinha ficado atrás de si.
Com tanta terra conhecida, tanta pedra revolvida, a pá julgava estar preparada para tudo. Mas as pás também se enganam.
Um dia, quiseram usá-la para fazer um túnel. Não era um túnel comum, daqueles que começam num ponto, atravessam por baixo dos nossos pés e reaparecerem num ponto mais distante. A pá espreitou os planos e descobriu que o túnel iria directo ao centro da terra, um sítio habitado por um mar de chamas líquidas, geisers e lava, e por monstros de um só olho e pernas para o ar que povoavam os mapas antigos do mundo desconhecido. Pela primeira vez na sua vida de pá, teve medo do que aí viria. Susteve a  respiração e mergulhou num lago de água a ferver. Lembrou-se do poeta  e fechou os olhos em frente ao precipício: uma pá não chora nem tem medo. Uma pá escava. Sempre.

8 comentários:

Leo Mandoki, Jr. disse...

é a primeira vez que vejo uma pá com consciência!! gostei! tbm gostei da última parte: uma pá escava..sempre..

8 e coisa 9 e tal disse...

ich bin ein pá.
se calhar somos todos, leo.

sete e pico disse...

ich bin nicht eine pá querida oito, bonita posta.

sete e pico disse...

li agora esta posta em voz alta ao senhor que partilha a casa e a vida comigo, depois de elogiar repetidas vezes pediu-me para te dizer que está potente. e eu digo e assino por baixo

8 e coisa 9 e tal disse...

um abraço a esse senhor que partilha a vida e a casa contigo. Por essa não esperava, querido perito em balística.

não resistiu ao wiski disse...

Uma pá chora, chora muito.
Uma pá tem medo às vezes ao ponto de ficar pequenina pequenina.
Uma pá sente-se sozinha, com despeito, com tristeza mas também sente amor e amizade e alegria.
Uma pá é pá porque saber rir, porque sabe chorar, porque sabe sentir e porque sabe coisas que muitas vezes mais ninguém sabe.
E uma pá escava, escava sempre sempre sempre sempre sempre sempre sempre.


Linda posta querida oito.
Obrigada!

Anónimo disse...

bom dia, pequena pá, e obrigado por estas palavras tão aconchegantes nesta manhã fria.

uma pá é também, às vezes, instrumento de libertação, de si e de outrem.

[ajudar a] cavar fundo é, sempre, uma missão para ser acarinhada.

(es)cava sempre, pá, (es)cava fundo.

foi dançar a bossa nova disse...

Muito bonita essa pá!