13 dezembro 2015

benção

O clitoris, o único orgão que existe com a função de dar prazer, exclusivo de quem tem XX no totobola da genética. Nuns sítios lutam para dar a conhecê-lo, noutros para que não o mutilem, noutro conhecem-no e têm-no seguro mas ainda pouco o apreciam e desfrutam.

Abençoadx seja quem o conhece e o respeita e quem experimenta e desvenda os seus mistérios. 

Améééénnnn n een enn

25 novembro 2015

Olive

Às vezes há milagres assim. Liga-se a televisão e numa série a vida toda lá dentro.






Olive Kitteridge é uma mini-série HBO e é um milagre em todos os pormenores. As histórias de pessoas como nós, que se cruzam numa pequena cidade do Maine. Tal como acontece na vida, as pessoas aqui são muitas coisas ao mesmo tempo. O amor está sempre lá, não o amor romântico e feliz, mas o amor em gestos inesperados, na pequena dor mansa que trazem pela mão, nas imensas contradições de que somos feitos.

23 novembro 2015

aqui podia morar gente

Esta ainda é a minha casa. Está abandonada, esqueci-me dela durante muito tempo, mas ainda é a minha casa. Aqui está uma parte da minha vida, quase dez anos. Tanta coisa aconteceu desde aquela noite em que decidimos ser oito e coisa nove e tal. Houve casamentos, separações, nascimentos, mortes, desgostos, paixões, a vida e quem vai lá dentro fomos nós aqui a escrever umas para as outras e para quem nos lesse, a vida e quem vai lá dentro ficou aqui escrita na parede. É a isso que regresso de vez em quando. Agora é um desses de vez em quando. E desta vez a vontade de ser a okupa que não quer deixar morrer a casa abandonada. Só não sei se consigo ser aquela que em tempos aqui escreveu.


24 maio 2015

descoincidências


A minha vida sexual mental é riquíssima. A real nem por isso.

12 maio 2015

o relógio


Lembrava-se de ver aquele relógio na palma da mão grande e amável do avô. Era um relógio de bolso, com uma correia não muito grossa prateada. O avô levava muitas vezes a mão ao bolso para saber as horas e todos os dias lhe dava corda. Os ponteiros marcavam o tempo com precisão, as horas eram importantes, a pontualidade das coisas diárias que lhes marcavam a existência era respeitada, o hoje era igual a ontem e seria igual à amanhã. Quando as avós eram vivas e quando eram muitas pessoas em casa, parecia que tudo se organizava melhor, talvez por serem muitas pessoas o trabalho do dia a dia era melhor distribuído. Às avós competia a comida e a ritualização dos dias e horas certos para cada coisa. Tinham a vida ligada aos tachos, ao alimento do corpo, às tradições do espirito enquanto os homens se consumiam na engrenagem fora da casa.
Lembrava-se também de ver esse relógio, anos mais tarde, nas mãos suaves da mãe. Nessa altura, os dias já não eram uns iguais a outros, as avós já não estavam ou já não podiam cozinhar, a mãe e o pai trabalhavam e ela e os irmãos participavam pouco da dinâmica necessária para fazer que a casa funcione. A mãe azedava em cada comida que fazia, em cada máquina de roupa que punha, estendia, dobrava e guardava. O cansaço da mãe era constante e apesar de lá fora ser uma reconhecida profissional, cá dentro as ideias filosóficas e políticas sobre o mundo eram mais deixada para quem tinha mais tempo para elas, os homens.
O relógio depois passou a estar pendurado na parede da sala de jantar por uma fita de veludo azul, e na mesa onde se reuniam xs amigxs do pai e da mãe, guarda a memória dos homens em alegres discussões, ensaiando as suas capacidades retóricas e opinativas, discutindo os destinos do país e do mundo, enquanto as mulheres, licenciadas e profissionais como eles, acabavam os preparativos para o almoço, e depois recolhiam, limpavam e organizavam tudo. Na cozinha, nessa solidariedade ou destino implícito que se tece entre mulheres, contavam-se da sua vida, dxs filhxs e amigxs comuns e discorriam sobre as ligações sociais e emocionais da vida quotidiana. Lembrava-se de estar entre a mesa da sala de jantar e a mesa da cozinha, entre os homens e as mulheres, e de gostar de estar numa e noutra. Talvez sentisse uma maior inclinação para ficar mais tempo na mesa dos homens e divertir-se com o seu humor bonacheirão e inteligente, sentia-se, sem se aperceber disso, com mais prestigio quando estava entre o discurso racional e cientifico e não entre os tachos e as conversas da vida. Mas ao mesmo tempo não percebia porque não se juntavam os dois universos, porque é que aquelas mulheres que falavam tanto entre elas não eram capaz de falar da mesma maneira quando estava toda a gente junta na mesa da sala de jantar. Imaginava muitas vezes como seria ser homem e às vezes sentia-se desconfortável por gostar de ser mulher, por sentir prazer quando se ocupava com as tarefas da casa e com as emoções da vida.
Não sabia porque se tinha lembrado de tudo isto. Talvez porque encontrou a caixa bordeaux e irrefletidamente abriu-a e encontrou aquele relógio, já sem o vidro, a fita de veludo azul gasta e esgarçada, sem ponteiros, há muito tempo sem estar nas mãos de ninguém. A ausência do seu tic tac indicava que a cada segundo o passado é um lugar habitado, sem fronteiras definidas com o presente nem com o futuro. Fechou a caixa, pôs o casaco e foi-se embora. Deixou o relógio perder-se no tempo. Tic.