Há muito que F. não
trabalha, desde que no seu corpo começaram a crescer “coisas más”; assim lhe
chamam as pessoas, com medo de pronunciar o vocábulo maldito. Cancro. Não um,
mas dois.
F., inicial do seu
nome, de franzina, que consigo rimava, mas também de força, aquela com que deu
luta à doença durante os últimos anos. Não somos propriamente amigas, mas
liga-nos uma vida de trabalho e de algumas conversas simpáticas que tivemos,
sobre filhos, sobre a vida, sobre a necessidade de largar vícios e até sobre a
doença que a minava aos poucos. E impossível não sentir carinho por ela. Doce,
frágil, de sorriso tímido e maroto e corpo saltitante.
Hoje ganhei coragem,
a que me tem faltado e que encontra sempre muitos argumentos, e fui vê-la. Que
estava bonita e lhe ficava bem a maquilhagem, assegurei. Falámos uma vez mais
dos filhos, dos dela, dos meus, dos dos outros. Do trabalho, da vida e da
solidão com que ela se tem desenhado. E lá estava o seu sorriso. Tímido e
maroto. O corpo já não saltitante, mas desse, nem uma palavra, nem do que
continha lá dentro. Bebemos chá e fez-me prometer que agora sim, iria largar o
vício do tabaco, tantas vezes tema das nossas conversas. Despedimo-nos com um
abraço longo.
Assim quero eu
escrever a história.
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