30 setembro 2007

A bola é redonda, tudo pode acontecer

Sábado à tarde, chuva incessante, dia de derby nacional, bilhetes para a catedral para toda a família benfiquista. Toda? Bem, quase toda. Existe uma criança que resiste ainda e sempre à febre genética pelos encarnados, e num acesso de personalidade consegue enervar toda a gente insistindo em ser sportinguista. Decidimos mesmo assim levá-lo connosco ao futebol.

Todos exibimos os nossos cachecóis com águias, o pequeno infante leva um leão na sua. Não há de ser nada. Chegamos aos lugares marcados, que isto de ir ao estádio já não é o que era, os lugares são reservados e nos inúmeros bares à escolha lá dentro até há sandes de queijo da serra ou de paio de porco preto, os couratos já devem ter dado a alma ao criador, sentamo-nos mesmo em frente à bandeirola de canto. Que emoção, com sorte vemos o golo da vitória em primeiro plano, ao vivo e a cores.

Um rapaz aproxima-nos para nos dar um conselho: é melhor que o miúdo esconda o cachecol verde, vá-se lá saber porquê sentaram-nos ao lado (mas mesmo ao lado, quase ao colo) dos Diabos Vermelhos, que ainda na semana passada ameaçaram de pancada uma mulher que era da equipe contrária e que teve o azar de se sentar perto deles. Um dos stewards vem-nos dizer a mesma coisa. Eu, que já não ia muito feliz para um sítio com milhares de pessoas potencialmente agressivas, começo a hiperventilar. Como se não bastasse, a Juve Leo está posicionada no outro canto da mesma baliza, a acicatar as almas que foram chegando para ocupar o sítio da claque. Aquela gente nem está interessada no jogo, vêem já ébrios destilar o seu fel do dia a dia para um alvo de cor diferente. As massas acéfalas assustam-me de morte.

Ajudadas pela chuva que nos encharca, tentamos procurar um sítio mais tranquilo para ver o jogo com a criança. No meio disto, tentamos explicar a uma inocente criatura de 7 anos que há gente que nos pode fazer mal apenas porque ele gosta da equipe contrária. A natureza humana é tramada.

Depois de muitas voltas e indecisões, descobrimos finalmente um sítio onde parecemos a salvo. Por incrível que pareça, o oásis estava entre as duas claques, que se coibiram de nos brindar com granadas de ataque e defesa por cima das nossas cabeças.

Duas filas atrás de nós estavam 3 mulheres sentadas, vestidas de encarnado dos pés à cabeça. Gritavam e berravam os maiores impropérios aos jogadores do sporting. O miúdo, espantadíssimo, olhava para elas que lhe iam repetiam "oh amor tu não oiças isto", "oh amor, isto não é para repetires", enquanto para baixo atiravam "oh palhaço, a multiópticas já dá desconto igual ao da idade" "Cabrão, cona da mãe, a tua avó nunca devia ter nascido!" "Liedson, devias era partir uma perna, paneleiro de merda", pontuado com "ai se a minha mãezinha me ouvisse". O estímulo aos jogadores preferidos também era bom de ouvir "Luisão, seu cabeçudo, a tua cabeça vale ouro" "ah grande Quim, anda cá que eu já te conto". Enquanto isso, Di Maria insistia em não acertar.

No final de contas, a batatada maior a que assistimos foi em campo, mesmo à nossa frente que tivemos a sorte de ver que a bola bateu no ombro do Katsouranis e toda a gente pedia penalti sem se perceber porquê. Até o santo do Rui (por esse gritava eu) se meteu ao bedelho.

Pouco depois houve finalmente um lance que ia dando golo ao Sporting. O miúdo já pensando que não sofreria sevícias, não se controlou e gritou "GOLO!". Viraram-se centenas de cabeças para ver quem era o anormal. A nossa sorte foi ter sido apenas falso alarme.

Viemos embora, incólumes mas pouco satisfeitos com o resultado. No carro ouvimos os comentários na TSF. Veio-me à memória uma tirada de um vizinho de cativo de há uns anos atrás, que no final de um jogo exclamou, batendo com as mãos na barriga, "aaah, agora vou para casa, comer que nem um porco e ver os resumos todos". Burp.

6 comentários:

perante o riso geral disse...

Do lado onde estava (no extremo oposto), esse lance também me pareceu golo. E de facto lembro-me de ter ouvido uma voz esganiçada de criança a gritar "golo". E acho que ainda lhe atirei um "cala-te". Naaa... um beijinho. Atirei-lhe foi um beijinho.

dizia ela baixinho disse...

grande relato, múltipla! escreves melhor q a redacção inteira de 'a bola'. espero q algum jornalista do 'record' tenha passado por aqui, de certeza q te vão contratar.

ah, grande miúdo! a mim tb me tentaram endrominar com o so-called glorioso quando tinha a sua idade, mas nasci de alma sportinguista, nada a fazer!

ViVÓ SPORTING!!!

8 e coisa 9 e tal disse...

no extremo oposto? então estavas ao pé dos no name boys, tiveram de os pôr longe dos diabos para não se pegarem entre eles - como se não bastassem as claques dos adversários. As criaturas nem vêm o jogo, levam o tempo todo a emborcar jolas e a gritar para os adversários, aquilo é patológico. O que mais me fez espécie é que nem claque chegam a ser, a massa anónima dava mais entusiasmo aos rapazes que eles, que inventam uns cânticos incompreensíveis.

Mandaste beijinhos à criança? ó môri, não leias isto.

osga/lagarta, tu andas sempre pelos répteis. só para chatear, claro. Acho que os leitores da bola ou do record estão mais interessados naquilo que se passa entre as quatro linhas do que na moldura humana que compõe o estádio. E que no tal lance polémico, que o João Moutinho atirava ao segundo poste quando a bola foi interceptada pelo ombro do avançado grego, desviando o esférico da trajectória rumo à cabeça de Liedson. But who gives a fuck?

sete e pico disse...

É linda a descrição da ida ao estádio. Desconhecia os perigos que uma criança de sete anos poderia trazer ao mundo.. para a próxima arranjem um cachecol de dupla face, vermelha por um lado, verde por outro.

APT disse...

eu bem disse que o ccb tinha um programa do caraças...

d. inês sequiosa disse...

cachecol de dupla face? Ná. Temos é de descobrir uma maneira de o converter à luz.