Ás vezes, caminhar no meu bairro, onde nasci, cresci e
onde revivo agora, é como caminhar em linhas cruzadas de tempo, onde o passado
se espelha no presente como sacudidelas à memória e à consciência entorpecidas.
Estou na paragem de autocarro, de novo em dia de greve de metro, e vejo-as
atravessar a estrada a caminho da Igreja.
Passam de braço dado, cada uma apoiando na outra as dores
das muitas idades dos seus corpos, as duas vestidas de negro carregado e
púdico, escondido. Parecem iguais às viúvas do meu bairro de há 30 e muitos
anos atrás, quando eu era uma miuda e quase todas as mulheres avós eram viúvas,
a dona antónia do sr brás cuja cara juro que vi no céu em forma de nuvem no dia
em que morreu, a augusta do nogueira que morreu levado pelo cancro, a dona
firmina, a dona brilhante e tantas outras. Passam, antes como agora, com aquele
ar de que lhes pesa a vida, a existência,
circunscrevendo-se num mundo de hábitos enraizados e repetidos no dia a
dia de dar continuidade a um morto e suportar o peso de um corpo. Se hoje são
octogenárias, quando eu era criança. deveriam andar nos 50. Ou seja, poderiam
ser quase da minha geração actual, podiam ser eu, qualquer uma de nós hoje.
Dentro de uns anos também vamos ser as velhas, as senhoras maiores do futuro,
vamos ser amanhã uma parte do que somos hoje. É um bilhete faz favor, que me
esqueci outra vez de carregar o cartão. Eu só desejo que ainda que nos possa
pesar o corpo, não nos pese a existência.
2 comentários:
Amen.
Pela 1.ª vez, tenho medo de vir a ser velha.
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