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15 agosto 2011

e amiga

Soneto do amigo, Vinicius de Moraes, saravah!

Enfim, depois de tanto erro passado 
Tantas retaliações, tanto perigo 
Eis que ressurge noutro o velho amigo 
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado 
Com olhos que contêm o olhar antigo 
Sempre comigo um pouco atribulado 
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano 
Sabendo se mover e comover 
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...

09 março 2011

Cântico negro

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!

José Régio

14 abril 2010

caminho

Passarinho inho iando ia yo. 
Passarinhando inho iando por aqui. 
Passarinhando inho iando por ali, 
descansa e solta lágrimas por acoli, 
explode e lágrimas desborda por acolá. 
Passarinho inho iando é como eu iando.

26 fevereiro 2010

Os pobrezinhos

Os Pobrezinhos
Tão engraçados
Pedem esmolinha
Com mil cuidados

Todos sujinhos
                                               E tão magrinhos
A linda graça
Dos pobrezinhos

De porta em porta
Sempre rotinhos
                                               Tão delicados
Os pobrezinhos

Não façam mal
Aos pobrezinhos
Dêem-lhes pão
E tostõezinhos                 
    
Os pobrezinhos
tão engraçados
pedem esmolinha
com mil cuidados.

Armindo Mendes de Carvalho

21 fevereiro 2010

Pasatiempo

Cuando éramos niños
los viejos tenían como treinta
un charco era un océano
la muerte lisa y llana
no existía

luego cuando muchachos
los viejos eran gente de cuarenta
un estanque era océano
la muerte solamente
una palabra

ya cuando nos casamos
los ancianos estaban en cincuenta
un lago era un océano
la muerte era la muerte
de los otros

ahora veteranos
ya le dimos alcance a la verdad
el océano es por fin el océano
pero la muerte empieza a ser
la nuestra.

Mario Benedetti

13 fevereiro 2010

Eu Não Sei Que Faz o Sol

Eu não sei que faz o sol
que não dá na minha rua
hei-de me vestir de branco
que de branco anda a lua

Não vi ribeira sem água
nem praça sem pelourinho
nem donzelas sem amores
nem padres sem beber vinho

Lindos olhos de pau preto
nariz de pena aparada
dentes de letra miúda
boca de carta cerrada

Lindos olhos tem a cobra
quando olha de repente
mais vale um bom desengano
que andar enganado sempre

José Afonso

06 fevereiro 2010

lembrei-me disto

No man is an island entire of itself; every man
is a piece of the continent, a part of the main;
if a clod be washed away by the sea, Europe
is the less, as well as if a promontory were, as
well as any manner of thy friends or of thine
own were; any man's death diminishes me,
because I am involved in mankind.
And therefore never send to know for whom
the bell tolls; it tolls for thee.

John Donne 
MEDITATION XVII, Devotions upon Emergent Occasions

22 dezembro 2009

A chegada oficial

O Inverno

Velho, velho, velho
Chegou o Inverno.
Vem de sobretudo,
Vem de cachecol,
O chão onde passa
parece um lençol.
Esqueceu as luvas
perto do fogão,
quando as procurou
roubara-as um cão.
Com medo do frio
encosta-se a nós
Dai-lhe café quente
Senão perde a voz.
Velho, velho, velho
Chegou o Inverno.

Eugénio de Andrade

22 novembro 2009

O que me vale

O que me vale aos fins de semana
é o teu amor provinciano e bom
para ele compro bonbons
para ele compro bananas
para o teu amor teu amon
tu tankamon meu amor
para o teu amor tu te flamas
tu te frutti tu te inflamas
oh o teu amor nao tem com
plicaçoes viva aragon
morram as repartiçoes

Manuel António Pina

08 agosto 2009

(imagem da minha autoria)



Quem me diz que o rochedo bruto e quedo
Não é o verdadeiro consciente —
O êxtase perene de uma mente
Que deixa o corpo hirto ser rochedo?
Só a morte o diz — mas quem me diz que o diz?
(in, "Ser consciente é talvez um esquecimento" Fernando Pessoa)

10 junho 2009

Ser Pessoa

"Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive."

Ricardo Reis

14 maio 2009

Os ais



por Mário Viegas, esse grande senhor do teatro que tão bem diz poesia.

25 abril 2009

Hoje, do céu, cairam cravos

Com fúria e raiva

Com fúria e raiva acuso o demagogo
E o seu capitalismo das palavras

Pois é preciso saber que a palavra é sagrada
Que de longe muito longe um povo a trouxe
E nela pôs a sua alma confiada

De longe muito longe desde o início
O homem soube de si pela palavra
E nomeou a pedra a flor a água
E tudo emergiu porque ele disse

Com fúria e raiva acuso o demagogo
Que se promove à sombra da palavra
E da palavra faz poder e jogo
E transforma as palavras em moeda
Como se fez com o trigo e com a terra.

Sophia de Mello Breyner (junho de 1974)

21 março 2009

Poesia que nunca saberei escrever

Sobre o Poema

Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
— a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.
— Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
— E o poema faz-se contra o tempo e a carne.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *
Herberto Helder

03 março 2009

Amor como em Casa

Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no amor como em casa.


Manuel António Pina, in "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde"

09 fevereiro 2009

palavras sábias

do Chico Buarque, para ajudar a ir levando a vida.



Mesmo com toda a fama, com toda a brahma
Com toda a cama, com toda a lama
A gente vai levando, a gente vai levando, a gente vai levando
A gente vai levando essa chama
Mesmo com todo o emblema, todo o problema
Todo o sistema, todo Ipanema
A gente vai levando, a gente vai levando, a gente vai levando
A gente vai levando essa gema
Mesmo com o nada feito, com a sala escura
Com um nó no peito, com a cara dura
Não tem mais jeito, a gente não tem cura
Mesmo com o todavia, com todo dia
Com todo ia, todo não ia
A gente vai levando, a gente vai levando, a gente vai levando
A gente vai levando essa guia
Mesmo com todo rock, com todo pop
Com todo estoque, com todo Ibope
A gente vai levando, a gente vai levando, a gente vai levando
A gente vai levando esse toque
Mesmo com toda sanha, toda façanha
Toda picanha, toda campanha
A gente vai levando, a gente vai levando, a gente vai levando
A gente vai levando essa manha
Mesmo com toda estima, com toda esgrima
Com todo clima, com tudo em cima
A gente vai levando, a gente vai levando, a gente vai levando
A gente vai levando essa rima
Mesmo com toda cédula, com toda célula
Com toda súmula, com toda sílaba
A gente vai levando, a gente vai tocando, a gente vai tomando, a gente vai dourando essa pílula !

03 fevereiro 2009

Já o tempo se habitua

Já o tempo se habitua
A estar alerta
Não há luz Que não resista
À noite cega
Já a rosa Perde o cheiro
E a cor vermelha
Cai a flor Da laranjeira
À cova incerta

Água mole Água bendita
Fresca serra
Lava a língua Lava a lama
Lava a guerra
Já o tempo Se acostuma
À cova funda
Já tem cama E sepultura
Toda a terra

Nem o voo Do milhano
Ao vento leste
Nem a rota Da gaivota
Ao vento norte
Nem toda A força do pano
Todo o ano
Quebra a proa Do mais forte
Nem a morte

Já o mundo Se não lembra
De cantigas
Tanta areia Suja tanta
Erva daninha
A nenhuma Porta aberta
Chega a lua
Cai a flor Da laranjeira
À cova incerta

Nem o voo Do milhano ...

Entre as vilas E as muralhas
Da moirama
Sobre a espiga E sobre a palha
Que derrama
Sobre as ondas Sobre a praia
Já o tempo
Perde a fala E perde o riso
Perde o amor


O José Afonso, para além de ser um dos melhores compositores portugueses, era um letrista como há poucos.

17 janeiro 2009

Poema

para um sábado de manhã


"Contaram-me que em Nova Iorque,
na esquina da rua vinte e seis com a Broadway,
nos meses de Inverno,
há um homem todas as noites
que, suplicando aos transeuntes,
procura um refúgio para os desamparados que ali se reúnem.
Não é assim que se muda o mundo,
as relações entre os seres humanos não se tornam melhores.
Não é este o modo de encurtar a era da exploração.
No entanto, alguns seres humanos têm cama por uma noite.
Durante toda uma noite estão resguardados do vento
e a neve que lhes estava destinada cai na rua.
Não abandones o livro que to diz, Homem.
Alguns seres humanos têm cama por uma noite,
durante toda uma noite estão resguardados do vento
e a neve que lhes estava destinada cai na rua.
Mas não é assim que se muda o mundo,
as relações entre os seres humanos não se tornam melhores.
Não é este o modo de encurtar a era da exploração."



de Bertolt Brecht, marxista e leitor da Biblia, lido aqui num interessante artigo "a maior riqueza:semelhantes", de Anselmo Borges, Padre e professor de Filosofia.

02 dezembro 2008

Bruta flor

Já cá esteve postado há uns tempos, mas é sempre um prazer ouvir e ver Caetano e Chico cantando esta forma estranha que temos de querer e de estar nas relações amorosas.




O Quereres
Caetano Veloso
Composição: Caetano Veloso

Onde queres revólver, sou coqueiro
E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alto, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão

Onde queres família, sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde o queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres cowboy, eu sou chinês

Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor

Onde queres o ato, eu sou o espírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói

Eu queria querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és

Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor

Onde queres comício, flipper-vídeo
E onde queres romance, rock'n roll
Onde queres a lua, eu sou o sol
E onde a pura natura, o inseticídio
Onde queres mistério, eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro, eu sou obus

O quereres e o estares sempre a fim
Do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há e do que não há em mi

11 outubro 2008

Hoje encontrei-o nestas palavras

If you can keep your head when all about you
Are losing theirs and blaming it on you,
If you can trust yourself when all men doubt you
But make allowance for their doubting too,
If you can wait and not be tired by waiting,
Or being lied about, don't deal in lies,
Or being hated, don't give way to hating,
And yet don't look too good, nor talk too wise:

If you can dream--and not make dreams your master,
If you can think--and not make thoughts your aim;
If you can meet with Triumph and Disaster
And treat those two impostors just the same;
If you can bear to hear the truth you've spoken
Twisted by knaves to make a trap for fools,
Or watch the things you gave your life to, broken,
And stoop and build 'em up with worn-out tools:

If you can make one heap of all your winnings
And risk it all on one turn of pitch-and-toss,
And lose, and start again at your beginnings
And never breath a word about your loss;
If you can force your heart and nerve and sinew
To serve your turn long after they are gone,
And so hold on when there is nothing in you
Except the Will which says to them: "Hold on!"

If you can talk with crowds and keep your virtue,
Or walk with kings--nor lose the common touch,
If neither foes nor loving friends can hurt you;
If all men count with you, but none too much,
If you can fill the unforgiving minute
With sixty seconds' worth of distance run,
Yours is the Earth and everything that's in it,
And--which is more--you'll be a Man, my son.

If, Rudyard Kipling.

(ouvir aqui)