A espanhola da tasca onde compro cigarros e que tem cara de bruxa má num dia de folga, o barbeiro bêbedo que a mulher pôs fora de casa e agora vive na barbearia com a montra partida, a jovem cineasta que largou as artes e abriu um café modernaço cheio de móveis reciclados e cartazes de cinema, o bigode do senhor da mercearia que sorri sempre que passo, o segurança do prédio recuperado que guarda o castelo fantasma que nunca mais é habitado, os homens do talho que conversam na rua enquanto fumam cigarros intermináveis, o farmacêutico musicólogo que aproveitou a boleia do negócio familiar para se salvar de uma vida de criatividade e penúria e agora avia receitas a assobiar.
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03 abril 2013
19 dezembro 2011
Outra caderneta de outro novo bairro
A dona Rosa dos jornais e o senhor António das frutas que parecem esperar a minha saída apressada pela manhã para me darem os bons dias, a rapariga de olhos gigantes que à porta da garrafeira me detém para uma gargalhada partilhada entre dois dedos de conversa em que maldiz o género masculino, o senhor da bilha de gás que em nada se assemelha à rapariga da Galp e que vive rodeado de gatos, os empregados com ar gasto e pouco brioso do restaurante da frente, o senhor Victor do talho que corta carne com a delicadeza e a distinção de quem faz arte, a família de brasileiros que no andar de baixo recebe gente dia sim dia não e que me custa perceber se confraternizam ou se se matam. A "menina" Estrela que mora no andar de cima, que leva para mais de duas décadas de avanço em relação a mim e que me confidencia que o segredo da sua jovialidade é nunca ter casado nem ter tido filhos. As ex putas, os ex toxicodependentes e outros párias, todos alcoólicos, todos sem dentes, que vegetam no take away da frente e que controlam a rua. O rapaz imigrante que na sua loja de conveniência vê televisão no ecrã micro enquanto aguarda a entrada de um cliente menos desconfiado a quem confidencia vender muito mais barato que o "chino" da rua. Outra dona Rosa que aproveita cruzar-se comigo para falar das articulações e da puta da idade, que traz sapiência mas não saúde.
Como é boa a vida num bairro em que as pessoas se olham nos olhos!
Como é boa a vida num bairro em que as pessoas se olham nos olhos!
15 dezembro 2011
caderneta do novo bairro
A mulher zangada que grita com toda a família e de quem só conheço a voz. A velhota meia surda do andar de cima que ouve a eucaristia dominical todas as semanas. O velhíssimo cão que desce as escadas do terceiro andar ao colo do dono. A angolana enorme que vende comida para fora e me trata por querida enquanto enche uma embalagem com moamba. A tia desempoeirada do restaurante marroquino que distribui sorrisos de madeixas loiras. A chinesa da loja que nos segue à distância entre taparueres e lâmpadas para ter a certeza que ninguém a rouba. O homem das obras do prédio do lado que canta queen e antónio variações. O dono da mercearia que pendura na parede os desenhos do neto. O bêbedo desdentado que quer ser amigo da angolana mas que ela enxota com um olhar sério. Os homens da funerária que parecem mais mortos do que os clientes que enterram. As festas dos brasileiros aos domingos à tarde que inundam o bairro de samba e gargalhadas.
14 março 2011
cromos
"Sócrates, beija-me. Estou farto de que só me fodas" ou "sorria, está a ser roubado", foram alguns. Alguém tem para a troca?
01 março 2010
Gavetas
O homem que dá a volta ao bilhar grande para explicar uma coisa simples, o dia estava claro e havia sol no céu, ainda não eram duas da tarde e passou por mim uma mota azul e foi aí que percebi que tinha que falar contigo porque (to be continued em modo soporífero)
O homem que fala com ela como se fosse o seu melhor amigo, o que achas que deva fazer, deixo a minha namorada e fico contigo?
O homem que não precisa de falar porque está sempre tudo bem, estás a inventar problemas
O homem que usa as palavras dela como se fosse o seu próprio discurso, Ele: Lembras-te do que te falei há dias blabla?, Ela: Mas isso fui eu que disse (to be continued em modo esta-nunca-me-tinha-acontecido)
O homem que fala por metáforas, o escaravelho do Japão e a folha a cair (to be continued em modo críptico-poético)
O homem que fala de forma super higiénica, portanto quer dizer p-a-u-s-a-d-a-m-e-n-t-e (to be continued em modo plácido-enervante)
O homem que acredita em coincidências, já reparaste que a inicial do teu segundo nome é igual à do meu primeiro apelido e isso quer dizer que (to be continued em modo místico-extático)
31 maio 2009
Caderneta do 8 e coisa
A fotogénica fotógrafa que parte guitarras em cima do palco. A miúda tranquila dos olhos bonitos. A perita em etiqueta do humor corrosivo. A optimista das muitas causas e dos coentros sempre à mão. A conservadora que atura um bando de perigosas esquerdalhas. A irónica provocadora das frases curtas. A mãe de família que é contra o casamento. A susceptível da cultura enciclopédica. A executiva que atravessa o mundo e fala japonês. A desenhadora que tem um sopro no coração. A impaciente que fotografa as restantes.
(obrigada, dorean, pela sugestão)
21 maio 2009
Caderneta de curso
A marrona que queria ser um génio. O rapaz alto e com cara de mau. A colega que percebia os textos incompreensíveis do professor delirante. A aspirante a artista que usava cinto de ligas e desenhava nas aulas. O engatatão que levou à cama uma colega virgem enquanto faziam um trabalho de grupo. O desvairado de bigode farfalhudo e sandália de cabedal. A rapariga de olhar triste por quem todos suspiravam. A boazona bombástica que ria alto. A rapariga atinada que casou com um homem rico. A colega-sempre-simpática-e-bastante-chata. O intelectual que nem os professores percebiam. O sarcástico que atacava toda a gente. O graxista que perseguia professores.
16 março 2009
Caderneta do bairro
A senhora loura gorda e muito pintada que almoça sozinha. O gigante que colecciona imperiais e garante que por cima dele só os aviões. A cabeleireira deprimida que chora entre brushes e tintas no salão. O desgosto de amor do dono do café e os planos infalíveis para recuperar a mulher perdida. O marido da cozinheira que colecciona selos e compra moedas antigas. A corista que envelheceu mas se lembra ainda das noites no parque mayer. O alcoólico a quem mataram o gato e que deixou de beber para não esquecer a ofensa. O casal que se separou e pôs a casa à venda. O ladrão que pintou o tecto da mercearia e afinal até é bom rapaz. A senhora do quiosque que sabe de cor os casamentos e divórcios das revistas. O cão que ladra todo o dia na varanda. O florista que toca numa banda de trash metal.
30 novembro 2006
Caderneta de cromos

O taxista pedrado que quase dormia ao volante e me obrigou a encurtar a viagem, o taxista evangelizador que ouvia cassetes de cultos da igreja universal de deus, o taxista que organizava festas trance, o taxista-sósia-do-alberto-joão-jardim que garantia que a Madeira não precisava do continente para nada, o taxista que tinha sido bombeiro mas não era estúpido e fugiu dessa perigosa profissão depois de ter levado com uma trave na cabeça que o deixou vinte dias no hospital, o taxista que percebia de bruxedos e desfiava receitas infalíveis (menina, duas gotinhas de sangue da menstruação na bebida de um homem e ele fica louco), o taxista que garantia estar a ser envenenado pela mulher e me fez cheirar a garrafa de água do luso com cheiro a amoníaco.
Alguém tem cromos para a troca?
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