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15 setembro 2014

Cântico negro 4.5

Sem ironias nem cansaços nos olhos lassos, o cleverbot é um robot que fala connosco.
Acreditem ou não: fui falar com ele e nesse momento éramos 79 mil pessoas a falar com uma inacreditável inteligência artificial.
o cleverbot é tão inteligente que até conhece o 8 e coisa:


User: Do you know 8 e coisa?

CleverbotYes.

User: How do you like it?

Cleverbot: I like it just fine. Are you an Atheist?

User: Are you?

CleverbotA little bit!
User: How does it feel being a little bit atheist?
Cleverbot: Like I don't exist.


Onde já vão os mircs, facebooks e chats desta vida.
O cleverbot é que é. A sua glória é essa: criar desumanidades, não acompanhar ninguém.

Cântico negro 2.0

"Prove que não é um robot", dizem-me alguns com olhos doces.
Estendendo-me a imagem, e seguros
De que seria bom que eu visse o raio das letras desfocadas que me mostram
Quando me dizem "prove que não é um robot!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há nos olhos meus ironias e cansaços)
E cruzo os dedos
E nunca acerto nos números

25 novembro 2009

É pro menino e prá menina

A segunda vida é um sítio estranho. Bonecas e bonecos passeiam-se por sítios incríveis ou comuns  - praias, réplicas de bocados do mundo, planetas distantes e tudo o mais que se queira imaginar. Bonecas e bonecos conversam, interagem, tornam-se amigos, viajam juntos, riem-se, zangam-se, fazem sexo, apaixonam-se, casam-se, têm filhos. No meio disto tudo está o sexo, não aquele que se faz mas o que temos entre as pernas e nos torna homens ou mulheres do outro lado do ecrã. Nem sempre o sexo que temos sentados ao computador é igual ao que o nosso avatar tem na segunda vida. Com o tempo, aprendi que esse sexo importa pouco, muito menos do que poderia imaginar. Na segunda vida, não há rótulos que sirvam quando tudo pode ser mentira e verdade ao mesmo tempo. Ali, homens e mulheres são apenas desenhos que se cruzam comigo, desenhos com pessoas dentro agarradas à liberdade de ali serem o que lhes der na gana.

17 novembro 2009

Confissão

Mais de um ano passou desde que aterrei na segunda vida. Houve alturas em que me aborreci e desapareci do mapa durante semanas e semanas, houve momentos em que lá vivi horas de seguida. Fui quase sempre uma sem-abrigo, deixava a minha boneca a dormir não importava onde. Fui quase sempre uma pelintra, a viver de tudo o que era grátis. Mas houve uma altura em que isso mudou. Por muito incompreensível que seja  para quem se fica pela primeira vida - e foi incompreensível para mim durante muito tempo - um dia comprei lindens, o dinheiro desta outra vida. E, pela primeira vez, pude fazer todas as extravagâncias que antes apenas podia imaginar. Por oito euros, a minha boneca ficou rica e o inventário dela agigantou-se. Roupas, sapatos, peles, olhos, pestanas, magníficas e supérfluas inutilidades que me levaram a brincar outra vez às barbies. E atrás dessa enorme mudança (como fui capaz de pôr oito dólares num mundo que só existe a brincar?) vieram outras pequenas mudanças. Por muito que quisesse fazer do meu avatar uma pessoa inventada, descobri que ele voltava uma e outra vez a mim. Aquela boneca não é afinal uma boneca. É um desenho animado de mim, num jogo que não é um jogo, mas sim uma sala de espelhos onde nada se esconde e tudo se reflecte.

07 novembro 2009

Crónicas do mundo virtual





(todos os nomes foram alterados para preservar a identidade dos avatares, menos o meu que me atiro assim para a frente, sem pejo nem pudor, à leoa)

E o meu nome é Zepp Writer. Decidi que, durante uns tempos vou ser uma private investigator à paisana, com o único objectivo de vos trazer pequenas mas sempre belas crónicas passadas neste mundo, aqui no Second Life, onde se joga um jogo que é tudo menos um jogo.

E hoje, não menos que um directo da região de Lisboa Portugal, praça do comércio, onde acontece esta festa maravilhosa, neste momento exacto, ao som do Creep dos Radiohead. E agora, vocês podiam pensar, ena! Os gajos fazem festas e tudo ali. Pois é, aqui em Lisboa há sempre festa todos os dias, na falta de brainstormings que produzam ideias melhores.

Para vocês saberem, aqui no sl existe um chat público escrito, um chat privado, para quem assim deseje e precise, também escrito, e ainda a possibilidade de falar no voice chat, com microfone, publicamente para todos ouvirem.

Neste momento, alguém grita no chat público: "Apaguem o fogo do chapéu da Zepp!"
"Grande som!", grita outro, que adora Radiohead, nem sei bem porquê, que a mim, para além do Creep, me dão sempre vontade de querer atirar um boião de gasolina para cima e acender um fósforo.

As pessoas cumprimentam-se entusiasticamente umas às outras, excepto o Gamba Aleatória que todos sabem, nunca fala com ninguém nem abre a boca a não ser para falar em privado, onde exige sempre comprovativo de género ao avatar do interlocutor, através de foto ou câmara, com medo de estar a falar com um avatar masculino mascarado de fêmea, o que a bem dizer, por aqui há muito, verdade seja dita, e vice-versa também, claro. Mas o Gamba Aleatória, que é muito homem, não vai cá nessas brincadeiras e põe-se sempre a pau.

Mas os meus olhos fogem na direcção dum avatar magnífico ali ao canto a falar com a ruivaça. É uma pena que aqui, nesta região, na generalidade das vezes, os avatares magníficos não possam abrir a boca sem sair asneira.

No outro dia, apanhei um, também magnífico, e curto diálogo entre dois avatares. Ele, mostrava-se fascinado com a avatar feminina que o olhava dengosamente, a piscar uns belos olhos azuis neon. Falavam no voice, em vez de escreverem o que é sempre mais divertido porque se tem acesso á entoação.
E dizia ele: Mas tu és uma gata! Eu adoro gatos!
E remata ela, prontamente: Miaaauuu....

Apanho assim de raspão, outra conversa no chat público. "Não posso divorciar-me logo!" diz o Pepperoni Fantastic. "Tem de ser com calma"

E pronto, meus amigos e amigas (agora ficava aqui bem a voz do Júlio Isidro), foi a crónica possível aqui neste mundo longínquo, onde a festa ainda tá para durar, neste momento com "The power of love" do Hewie Louie and the news, mas por mim, estou farta desta festa.

Sigo agora para um bar numa região americana, chamado Toby's juke joint blues club, onde a música é do melhor para quem gosta do género como eu. Está cheio de gente a dançar, alguns sentados no bar. Está a passar Muddy Waters neste momento. Acabei de passar uma cópia do meu chapéu ao Georgie Gabardini que meteu logo conversa comigo, encantado: " hi - nice fire - any chance i can get a copy of the script?"
(Decidi que aqui, nesta região,não vou alterar os nomes aos avatares. Se me sai algum que saiba ler português e adore o oito, estou tramada, mas esta é a vida dum private investigator à paisana, sempre no risco!)

Aqui me fico, por hoje, que isto já vai longo. Mais crónicas se seguirão nos próximos dias. Fiquem bem.

12 junho 2009

Este mundo são dois

Sala de live sex e de orgias no submundo. Muitas pessoas à vista. Uma dezena delas em frente a um palco onde desfila gente colorida e exuberante que dança na fila de postes de strip, observa em silêncio, manda piropos menos elegantes, oferece gorgetas à/ao bailarino favorito. A sala é enorme e azul, no chão, no tecto, nas paredes e além do palco grande tem outros mais pequenos e circulares espalhados por ali, onde pessoas que não sejam funcionárias da casa podem também tentar a sua sorte a dançar. Para além desses, existem também duas ou três pequenas arenas, rodeadas de almofadões. No meio delas, pessoas nuas também dançam para um ou outro assistente e numa delas, duas pessoas fazem sexo ao vivo para quem quiser ver. Observo uma sala contígua cuja entrada é tapada por cortinados vermelhos grossos e entro. A sala é também enorme e, desta vez, a cor predominante é o preto. Aqui há muita gente nua em actividade sexual a solo ou em grupo e algumas manifestações de bdsm, com pessoas enjauladas e uso de chicote e correntes. Volto à sala principal, onde uma grande maioria deambula a tentar a sua sorte no engate para uma one night stand. Respondo um não imediato às propostas mais directas e depois entretenho-me a falar com um tipo novato que quase dá a volta ao mundo linguístico para acabar a perguntar o mesmo que os outros tinham feito em dois segundos. Volto a dizer que não, não deixando de apreciar o esforço e de repente o meu olhar é desviado para um dos pequenos palcos circulares ao fundo da sala onde um homem está a dançar. Nas colunas está a passar Prince, que por si só chama ao erotismo, mas este homem move-se bem. Veste umas calças de ganga e uma t-shirt simples, cinzenta. O cabelo negro toca-lhe os ombros. Tem os braços levantados e as duas mãos atrás da nuca. As ancas mexem levemente, ondulantes e, de cada vez, a t-shirt sobe e deixa-me ver o umbigo e aquele ponto da barriga que toca o cinto das calças. E assim, de repente, da forma mais estranha possível, o mundo virtual parece desaparecer e eu vejo-me a querer, a desejar, a sentir o corpo a pedir, a deixar a minha boneca aproximar-se de forma perigosa, de forma inegável, aterrorizada por ele ter uma voz por trás do boneco, não querendo de todo conhecer outro corpo que esteja por trás daquele boneco, o que eu desejo é aquela forma virtual, desejo aquele homem virtual, aquele boneco, avatar, eu boneca, avatar, eu em frente do computador, eu, a minha boneca que não sou eu sendo eu, dentro da minha realidade inviolável, cedo às tentações da sensualidade mais improvável de todas. E fujo dali assustada com esta evidência, ao fim de dois anos de permanência em jogo sem nunca me ter sentido invadida desta forma. Fujo dali para repensar a imensidão da fragilidade humana.

26 maio 2009

Migalhinhas

É impressionante o quanto as pessoas auto-devassam a sua vida privada no ciber-espaço. Usando apenas o facebook, o linkedin, o blogger e o tweeter fiquei a descobrir:
1. Que o João (nome fictício), divorciado, que mantém há quase dois anos uma relação estável com uma mulher mais velha, continua a enganá-la com uma outra com metade da idade, sem que nenhuma saiba da outra;
2. Que a Maria (nome fictício), casada, conheceu, nas nano-férias que tirou com as amigas a aproveitar o 1º de Maio, um novo amor, que tem um cão - um labrador dourado chamado Spock- e uma família linda com dois rapazes e uma recém nascida, iguais a ele;
3. Que a Ana (nome fictício) que trabalha no gabinete ao lado do meu anda à procura de um novo emprego porque, aparentemente, se envolveu com o colega Jaime (nome fictício) e foi trocada por outra - que comenta afectuosamente todos os posts que o Jaime debita;
4. Que a Cristina (nome fictício), quarentona, não conseguiu esquecer o Manuel (nome fictício) e que lhe manda, todas as semanas, 'hugs', 'cuddles', 'hearts' e e-postais, desconhecendo que a mulher dele os consegue ler;
5. Que o Zé (nome fictício) é guitarrista numa banda de covers e costuma actuar num certo bar, todas as quintas, e que não deve trabalhar às sextas, pelo volume de mensagens, posts, updates e comentários que 'uploada' durante esse dia;
6. Que o Jorge (nome fictício) almoça das 13.00 as 15.00 e que deve ter sido deixado pela mulher, pois passou a aceder aos sites de interacção social a partir das 11.30 da noite e a fazer parte de uma série de grupos para solteiros, singles, divorciados, 'procuradores de companhia' e afins.
7. Que a Patrícia (nome fictício) teve mais um bébé lindo, que o marido não gostou nem queria.

Tudo isto e muito mais. Para todos verem.

25 maio 2009

Nem tudo o que parece é

Uma noite qualquer na segunda vida. A minha boneca está num clube a dançar uma dança acrobática que me mataria em dez minutos. Só mesmo ali posso fazer uma mistura de ginástica rítmica e de um musical da broadway. Ao meu lado, uma amiga alemã explica-me as incríveis possibilidades do hipnotismo virtual. Uns minutos depois, junta-se a nós uma outra amiga, minha companheira de gargalhadas e aventuras e disparates. No meio da conversa, dou por mim a sorrir da estranheza da situação. Somos três acrobatas dançarinas na segunda vida. Na primeira, as minhas amigas são homens. Bem vindos a mais um dia no segundo mundo, onde quase nada do que parece é.

04 maio 2009

Sou uma ovelha

e fui atrás do rebanho.
Facebook era a paragem. Um perfil aqui, uma fotografia ali, a excitação de descobrir pessoas conhecidas. A rede compõe-se. Atrás do manel vem o francisco, uma pessoa distante que vi três ou quatro vezes, uma noite na calçada da bica, um encontro fortuito não sei onde. O francisco é meu amigo, diz o facebook e eu quase acredito. Vou pondo fotografias de pessoas próximas que também estão lá, os meus amigos podem ver isso e tudo o que me dê na gana plantar ali. Há quem ponha videos, há quem diga que está a coçar a barriga e a olhar para a parede, há quem preencha quizzes para saber que personagem de livro é, que música ou animal seria, que personagem de série lhe caberia na pele, há quem troque mensagens intelectuais e quem troque piropos, há convites para exposições festas e concertos, há quem seja amigo de escritores que coitados nunca entraram no facebook e nem sabem o que por lá se passa, há quem reencontre amigos de infância e antigos amores, há quem photoshope fotografias em que aparece melhorado e suspire por uma versão real que apague as imperfeições que carregamos.
Decidi sair do facebook no dia em que percebi que tinha 40 amigos. Quarenta? Eu que me dou sempre aos suspeitos do costume, eu que não tenho paciência nem talento para fazer conversa, eu que tenho um limiar muito baixo de resistência ao aborrecimento. Eu com quarenta amigos que podiam ver o que eu ali plantasse, que podiam ver os nomes de quem estava na minha lista, que podiam espreitar as fotografias que ali pendurei? Decidi sair do facebook no dia em que uma pessoa que eu nunca vi mais gorda na vida me mandou um convite (a mariazinha quer ser sua amiga), a mariazinha que eu não conheço de lado nenhum e que tem 900 (novecentos!) amigos na sua lista.
Sou uma ovelha tresmalhada e sem amigos. Sobreviverei a tanta solidão?

19 março 2009

Outras viagens - SL - 02.57h

Second Life. Sim da Praça de Lisboa. Estava um avatar a ameaçar toda a gente com uma metralhadora. É ilegal o porte de armas no sim de Lisboa. Recomendei-lhe uma vacina contra a raiva e prozac. O gajo deu-me um tiro. Se aquilo não fosse o mundo virtual, agora não podia estar aqui a escrever no mundo real. A bem dizer, se aquilo não fosse o mundo virtual, eu tinha ficado era calada.

24 julho 2008

Da beleza e outros demónios

O Cesariny dizia que afinal o que importa não é ser novo e galante, ele há tanta maneira de compor uma estante. Na segunda vida isto não verdade. Em quatro meses neste mundo pixelado só encontrei um avatar velho e dois ou três gordos. Todos os outros são lindos, novos e esculturais. Os avatares passeiam-se em roupas curtas, justas e brilhantes, a avataras equilibram-se em cima de saltos que parecem precipícios, os avataros mostram corpos musculados que só muitas horas de ginásio e algum doping poderiam criar. As pequenas imperfeições são inexistentes: ninguém tem rugas, manchas na pele, borbulhas, caras cansadas, ou rabos grandes. Durante as horas passadas na segunda vida, quase podemos acreditar na perfeição do nosso outro corpo. O difícil depois é desligarmo-nos da invasão de beleza pixelada e reencontrarmo-nos com a colecção de minúsculas imperfeições que carregamos connosco nesta vida.

11 junho 2008

Segunda Vida - A saga continua

O meu avatar, a Zepp Writer entra no grande salão de dança do Frank's Place e observa a quantidade abismal de avatares que dançam aos pares, outros também parados, que observam pacientemente, pela sala ou no bar.
A Zepp é finalmente interpelada para dançar mas inesperadamente, é uma avatar feminina que a convida.
A Cart pergunta se não aceito a dança e eu informo-a de que ela é uma mulher, só por descargo de consciência, não vá ela não ter reparado.
Ela diz que não. Que é um homem que está por trás daquele avatar.
Eu rio-me, desconfiada mas aceito a dança querendo descobrir mais pormenores.
Ela diz que criou o avatar feminino para ver como era ser assediada por homens dentro do SL e pergunta-me como é que sabe que eu sou uma rapariga por trás do meu avatar. Touché.
Eu digo-lhe que talvez eu seja um homem e ela de facto, seja uma rapariga. Champs Elisées.
(Esta foi só para rimar com o Touché).
Dançamos durante bastante tempo e conversamos no chat público, outros avatares comentam e mandam algumas bocas de incentivo.
Reparo que recebo uma mensagem privada de um dos avatares masculinos presentes na sala. O Nigel diz que quando eu me fartar de dançar com ela que está ao pé do bar e disponível para dançar.
Estou por isso em multi tasking. a falar com a/o avatar feminino com quem danço e com o Nigel em privado ao mesmo tempo. Descubro que são os dois americanos, a Cart de São Francisco e o Nigel de Boston. O Nigel garante-me que a Cart é uma mulher mas eu nunca chego a descobrir com toda a certeza, se quem está por trás da Cart é um homem ou uma mulher, no entanto, no final da noite, venho-me embora do SL com a sensação de ser uma mulher. A base da minha suspeita?
A meio da valsa ela pergunta-me se gosto da saia dela. E eu respondo-lhe de forma sincera, "Bem, tás com o rabo todo à mostra". (Algumas roupas freebies, mal concebidas trazem estes contratempos)
É neste momento que a Cart desaparece dali e me deixa a dançar sozinha. Volta mais tarde e diz que "crashou" sem querer mas a verdade é que já vem com um vestido diferente. A saia, pelo menos.
Observo que a Cart, ali no meio daquele salão de dança enorme, formal, com dress code exigido, com os avatares todos de olhos postos nela, se entretém a experimentar tops possíveis para condizerem com a nova saia e por isso está tranquilamente de mamas à mostra e não se coíbe de me mandar um beijo através da sala.
Despeço-me finalmente de todos e volto para a minha vida real.
Tempos estranhos estes. Divertidos, contudo.

07 junho 2008

Imitação da vida

Aterro no mundo pixelado e pedem-me a minha ajuda numa tradução. Uma amiga brasileira quer comprar uma gravidez e vou com ela a uma loja onde vendem vários pacotes: ataxa-se o feto ao avatar, escolhe-se o sexo e o número de bebés e um belo dia entra-se em trabalho de parto virtual. Daí para a clínica está-se ao pulo de um teletransporte. Vários lindens depois, tem-se um bebé ao colo.

Um amigo conta-me que casou. Conheço-o desde que cheguei ao second life e sempre me pareceu que andava à procura do que acabou por encontrar. Com exclamações de felicidade explica-me que conheceu uma rapariga há duas semanas e decidiram casar na segunda vida. Espreito o perfil dele e descubro que está diferente: amo-te laura, cada dia te amo mais, é tão bom sentir o teu amor meu anjo. Na vida real, continua solteiro.

Uma rapariga brasileira decide revelar-me, dez minutos depois de me ter conhecido, a incrível e triste história da sua segunda vida. Ganhou muito dinheiro como stripper, os homens gostavam muito do seu corpo. Um dia conheceu um turco e apaixonou-se. Deixou o trabalho e passou a usar abaya. Estavam noivos. Até ao dia em que ele rompeu o noivado. Chorou tanto que teve de dizer em casa que tinha morrido uma colega do trabalho. Recompõe-se do desgosto conversando com outro avatar, com quem garante ter vivido ‘momentos mágicos’. Quando ele entra o meu mundo deixa de existir, existo só para ele.

Se esta é uma outra vida, porque razão algumas pessoas a querem tornar igual à primeira?

05 junho 2008

Uma vida só é pouco

Uma vida só não chega, o tempo é pequeno para tudo o que somos e tudo o que queremos fazer. Ao fim de uns tempos a ouvir histórias contadas por uma múltipla, decidi-me a arriscar perder uns minutos desta vida terrena que tenho e entrar no second life.
Criei um avatar, uma boneca prefabricada, e aterrei numa ilha para iniciados. Tudo era um mistério. Mas lentamente descobri como pôr a boneca a andar, a tocar em objectos, a voar. À minha (dela?) volta, dezenas de avatares tão perdidos quanto eu deslocavam-se mecanicamente e aprendiam uns com os outros os primeiros passos deste admirável mundo novo. Soube mais tarde que tudo poderia ser mudado: a aparência da boneca, o cabelo, os olhos, a pele, a forma do corpo, a roupa, os movimentos e as poses. De ridículos bonecos mecânicos a maravilhosas quase cópias de pessoas, é esse o caminho de todos os avatares nesta segunda vida.
Ao fim de quase 3 meses desta nova vida, passei várias horas a voar, a teletransportar-me, a andar de cavalo helicóptero balão mota carro nave espacial, morri mais de mil vezes e fui salva pela impossibilidade da morte no second life, dancei, conheci pessoas interessantes que nunca conheceria na primeira vida, frequentei aulas de construção, aprendi o meu equilíbrio entre a personagem e a pessoa sou para além dela, desci até aos esgotos e fui atacada por zombies, vi uma exposição do júlio pomar e sentei-me em cima de um triceratops, ganhei dinheiro como tradutora, percebi que a segunda vida permite compreeender melhor a maneira como vivo a primeira, bisbilhotei centenas de perfis dos avatares à minha volta, conversei e desconversei, brinquei às barbies, ri até me doer a barriga.
Primeiro estranha-se, depois entranha-se.

08 junho 2007

Second life, realidade ou ficção?

Quem ainda não conhece o Second Life como utilizador, provavelmente já viu a reportagem na televisão ou no Youtube ou já ouviu falar por alguém. Um universo totalmente virtual onde o mundo real é reproduzido na íntegra.
Tudo começa como em qualquer outro software em que é necessário um registo para abertura de conta. À escolha, existem três tipos de contas, uma gratuita e outras duas que implicam um pagamento mensal que dá acesso a uma série de regalias dentro do Second Life. Depois deste processo estar concluído é só fazer o download do programa e começar a jogar. A jogar? Não, porque rapidamente percebemos que aquilo não é de facto um jogo. A brincar? Bem, também não. Facilmente percemos também que aquilo de brincadeira não tem nada, é até sério demais. O que começamos mesmo a fazer é a criar um segundo eu e uma segunda vida que, em determinadas circunstâncias pode mesmo vir a competir com a vida real e quem sabe até, pô-la em causa. Todos os utilizadores do Second Life começam por ter de escolher um avatar que os represente logo após o download (o mesmo pode ser depois modificado à posteriori), e são lançados então para uma ilha de aprendizagem onde devem permanecer o tempo necessário para aprenderem as diversas funcionalidades do programa e os vários modos de interacção possíveis do seu novo eu. Estando este processo concluído, o usuário decide quando quer sair da ilha e ser lançado para a mainland onde começa então a verdadeira aventura. À disposição tem um mapa, um motor interno de busca, um canal de chat aberto, um inventário onde vai acomulando e organizando os seus bens, sejam eles de que espécie for e mais uma quantidade de funcionalidades. A reter: A moeda corrente ali no Second Life é o Linden, sendo que o nosso avatar entra no mundo com zero Lindens. Tudo ali dentro está à venda e foi criado por outros usuários. O dinheiro ganha-se trabalhando mas depressa se chega à conclusão que deste modo se permanece sem capacidade de compra e é neste momento que a porca torce o rabo. O Second Life não sobrevive apenas do dinheiro corrente mas de dinheiro real, dólares que os usuários na sua casa real trocam por Lindens para poderem fazer face ao mercado virtual que já lá detém a representação das maiores empresas mundiais, das maiores agências noticiosas, etc. É um mundo a desbravar infinitamente. Cada avatar com que nos cruzamos representa uma pessoa real com quem podemos interagir de todas as formas possíveis, falar, ter uma amizade, conviver, visitar a sua casa, ter relações íntimas, casar e inclusive ter filhos e netos. Já existem casos de pessoas casadas na vida real e casadas com outra pessoa neste mundo virtual. À disposição de todos e de quem tem Lindens para gastar existe de tudo, centros comerciais onde podemos vestir o nosso boneco de todas as maneiras (onde também já encontramos as marcas de alta costura representadas como a gucci, por exemplo), onde podemos comprar a forma para o nosso corpo, a cor do nosso corpo, todo o tipo de cabelos, penteados, etc, tatuagens, piercings e todo o tipo de acessórios possíveis. Podemos ser mais gordas, mais magras, ter mais mamas, menos mamas, mais rabo, menos rabo e podemos inclusive, comprar mamilos e vaginas (sim, leram bem). Podemos comprar "movimentos" para o nosso boneco usar em situações em que queremos dançar, "movimentos" de posições de sexo e o que mais puderem imaginar. Existem casas de prostituição onde se paga caro para ter sexo com outro avatar, existem casas de venda de armas, existem concertos ao vivo, onde realmente estamos a assistir em directo a avatares a tocarem e que representam esta ou aquela banda e até já lá estão editoras de música representadas para gerir os seus negocios dentro deste mundo virtual.
Este texto não acabaria mais....ver para crer e analisar a perigosidade ou não que este universo implica ou pode implicar. Perfeito para qualquer área das ciências sociais e impressionante para qualquer curioso no geral. Aqui vos deixo o link.