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18 julho 2008

Hoje



Hoje, 18 de Julho, às 10.30 da manha, hora colombiana, no auditório Virginia Gutierrez, haverá a cerimónia de Graduaçao de todos os estudantes de licenciatura, mestrados e doutoramentos da Universidad nacional da Colômbia. Até hoje sempre fugi de todas as cerimónias académicas, recepçao dos alunos, queima-das fitas, festas de fim de curso, entrega de diplomas, aulas de inauguraçao. Talvez por preconceito, por achar piroso, ou por resistência aos rituais colectivos que formalizam determinadas situaçoes, ou porque a escola e o estudar sempre foi uma coisa tao naturalizada que nunca lhe dei a suficiente importancia, sem que isso quisesse dizer que nao gostasse de estudar, ao contrario sempre gostei muito de estudar , mas de ir às aulas só gostei mesmo na universidade. Mas pelos muitos obstáculos que teve esta minha defesa de tese de mestrado, hoje sinto-me contente pois os meus amigos vao-me representar e vou receber o diploma do mestrado. Hoje vamo-nos todos graduar, eles, que viveram intensamente este meu proceso de estudo, vocês que acompanharam e apoiaram o MC-L7C e eu, que estudei, fiz a tese e a defendi. Por isso, tchim tchim, à nossa saúde!

18 junho 2008

Adenda Relambório de contas

deus é grande, deus é pai e mãe e chegou por fim o documento que faltava para poder terminar a prestação de contas ao estimável público contribuinte:





Deixaremos a informação sobre o MC-L7C mais uma semaninha e depois passará a estar disponível no arquivo do blog. Alguma coisinha, já sabem, a caixa de comentários está à vossa disposição.

PS: Haja alguma alma caridosa que me faça o favor de pôr os tils.

17 junho 2008

mais um passo

foto daqui

Esta tarde recebi esta mensagem pelo chat do skype:

“Mi siete, te cuento que Óscar está en la Universidad Nacional mientras hay una protesta con piedras, bombas molotov y ejército, hasta un carro han atravesado en la entrada de la 26... ya te contaremos como van las cosas, por ahora salgo a hacer algunas diligencias”.

O meu amigo Óscar hoje andou para trás e para a frente na Universidade Nacional da Colômbia, que é um espaço gigantesco, para poder entregar todos os documentos necessários para a graduação do meu mestrado (a saga continua!). Agora à noite, conversámos pelo skype e contou-me que quando estava a sair do Edifício de Post-Grados apanhou a manifestação dos estudantes que continuam a protestar contra a reforma estudantil. Eu tive sorte, pois no dia em que ia defender a minha tese houve uma ameaça de que iam fechar a universidade, coisa que já aconteceu sucessivas vezes ao longo deste ano (e nos anos anteriores também, diga-se em abono da verdade, mudam os temas mantém-se os protestos), mas depois tudo voltou à normalidade e não houve batatas bombas a celebrar a minha defesa. Mas hoje, último dia para entregar os documentos, houve de tudo, e o estóico Óscar, que é um amigo para as curvas, teve de andar a fugir da polícia, dos estudantes ensandecidos que mandavam petardos, cocktails molotov, batatas bombas e tudo o que aparecesse à mão de semear ou de explodir, apanhou com o gás lacrimogéneo que a policia usa para dispersar manifestações, e que é horrível, fica-se a chorar durante meia hora com os olhos a arderem como se tivessem fogo. Isto para além da pressão psicológica (para ser eufemista) dos batalhões da polícia que aparecem vestidos de robocop e que à minima coisa desatam a dar cacetada (continuando a ser eufemistica) a toda a gente que lhes atravesse à frente. Digo-vos de experiência própria que não é nada agradável participar em manifestações em Bogotá e menos ainda ser apanhada de surpresa no meio de uma. E isto que em Bogotá ainda se podem, mal ou bem, fazer manifestações, nas outras cidades do país é muito mais difícil pois o medo é demasiado grande.
Mas petardo aqui, bomba acoli, o Óscar conseguiu entregar os mil e 500 documentos necessários para mais este trâmite burocrático! “Vamo-nos graduar”, disse-me ele feliz, pois vai ser ele quem vai assistir à cerimónia de graduação do mestrado em meu nome, “vai ser a primeira vez que me vou graduar e ainda para mais do mestrado que eu também vou fazer um dia”.

O optimismo em meio da adversidade é uma coisa linda, digam lá que não...

Mais informações e videos sobre a manifestação de hoje na UN Aqui

06 junho 2008

Relambório de contas

Superadas, por fim, as dificuldades técnicas e temporais, aqui vai o então prometido e devido relambório de contas para o gentil público contribuinte do MCL7C.

Entradas: 1.925 €.

As contribuições, desde os 5€ aos 400€, começaram no dia 24 de Abril e terminaram no dia 21 de Maio.

Saídas: 1925 €

Apresentam-se os seguintes comprovativos:

1- Matrícula – Custou 2.930.833 pesos colombianos, aproximadamente 1.100€.

a) Recibo da matrícula:



b) Documento do giro que um amigo fez directamente do Canadá para outro amigo em Colômbia para que este pudesse pagar dentro do prazo. Dívida saldada.




2) Bilhete de avião – Custou 717.69 €.




(aguardamos a qualquer momento que seja feito o upload a segunda parte do comprovativo do bilhete de avião onde indica o preço do bilhete. foi hoje o dia, aí vai ele:)


3- Outros gastos - Sobraram, então, 107.31 euros que, quando os troquei no dia 13 de Maio a uma taxa de câmbio de 2350 pesos, deram a linda quantia de 252,178 pesos e, destes, 127,350 foram para a bendita cédula de estrangeria. Disto não tenho recibo, pois tive que entregá-lo para os trâmites da cédula. O resto do dinheiro foi para contribuir para o mercado em casa dos meus amigos, transporte e cigarros e claro, ainda tive que pedir dinheiro emprestado pois tudo está caríssimo por lá.
Alguma dúvida, questão, comentário ou sugestão, já sabem, a caixa de comentários está sempre à disposição.

E nós também.

23 maio 2008

Contradições e (in)coerências

Fui finalmente tratar da malfadada cédula para poder terminar a matricula que tinha ficado suspensa até à apresentação deste documento. Aproveitei para recordar que aqui, em cada sitio onde se trata de algum papel há sempre toda uma infra-estrutura de apoio que rapidamente se monta através da capacidade de rebusque e improvisação das pessoas, externas e privadas, o que faz com que os serviços públicos funcionem razoavelmente bem. Por exemplo, na ciclovia que já tinha falado outro dia, há toda uma série de homens e mulheres que vendem os serviços mais variados e úteis para as pessoas que desfrutam a ciclovia. O sitio onde se tira a cédula de estrangeria fica ao pé de um dos sitios onde os colombianos tiram o seu passaporte, e encontrei todo este suporte humano que facilita o acto de ir tirar um passaporte ou uma cédula: encontram-se imenso sítios ou barraquinhas improvisadas para tirar fotografias, fotocópias, duplicados de tudo, traduções oficiais prontas em menos de 15 minutos, e venda de fruta, amendoins, café e telefonemas para telefone fixo ou móvel por 200 pesos o minuto, enquanto se espera que o número do mostrador coincida com o do papel que temos na nossa mão. É estranho, pois ao mesmo tempo que defendo as ASAES, e o controlo e regulação dos negócios e das condições laborais, e que reconheço a sua importância, também fico contente por encontrar sítios no nosso planeta onde ainda se permita a improvisação no espaço público, sem tanto controlo, sem tantas burocracias intermédias, apoiando a iniciativa das pessoas e dando mais vida à cidade. Tenho opiniões desencontradas, uma ambivalência entre o considerar que as coisas numa cidade devem ser organizadas, regulamentadas e o sentir simpatia e admiração pelas iniciativas improvisadas, desreguladas mas com uma estranha autoorganização que funciona e é eficaz dentro dessas lógicas. Ainda bem que eu não sou presidenta da Câmara desta cidade, assim posso ter contradições sem ter que pensar em como ser coerente.

22 maio 2008

Missão cumprida

Finalmente cheguei depois de horas e horas num banco apertado de avião com um tipo ao lado que cheirava a cholé. Depois de duas semanas sem tempo nem condições para o email, pois a casa dos meus amigos só tinha uma conexão por telefone que caía cada 30 segundos, aproveito agora a chegada para contar que já sou mestra em Mulher, Género e Desenvolvimento e que a minha tese teve a nota de 4.5 (numa escala de 1 a 5)!
Venho feliz, muito feliz pela tese e pela alegria do reencontro com os amigos e amigas, com Bogotá. Foram 15 dias com muitas conversas e muitas gargalhadas entre amigos, até venho mais magra dos abdominais que fiz de tanto rir.

Nos próximos dias, nos intervalos do novo trabalho, irei postando algumas das notas que fui escrevendo e será também apresentada a indispensável prestação de contas às pessoas contribuintes que fizeram possível esta viagem. Mais uma vez, muitissimo obrigada!

15 maio 2008

Sons de um dia em Bogotá

Acordei antes das sete da manhã, arrumei a cozinha da casa dos meus amigos onde estou hospedada, fiz sumo de maracujá com a fruta que tínhamos comprado em abundância no mercado 7 de Agosto e que congelámos para fazer sumos fresquinhos (os meus amigos dizem a toda a gente que devem ser os únicos em Bogotá a ter uma escrava europeia) e pus-me a trabalhar na defesa da tese. Ouvi as pessoas nas casas vizinhas a fazerem a sua vida, a falarem umas com as outras, a ouvirem a rádio com as noticias, debates e opiniões do dia.
Pelas onze subimos a montanha em direcção ao Bairro El Paraiso, um bairro modesto mas com umas vistas lindas para a cidade, onde vive um nosso amigo pintor, Jenero Kintana. Pelo rádio do táxi ouvimos as noticias do dia, ditas por um senhor com uma voz muito formal e enrrrolaDA que informava, em tom pausado mas dramático, das mortes de uma mulher devido aos ciúmes do marido, de um acidente de viação escabroso e outras mortes passionais e não políticas. Vimos as pinturas e esculturas fantásticas que ele anda a preparar para uma exposição que vai ter em França em Setembro (aproveitaremos para levá-lo a Portugal e a Barcelona, se os deuses e as deusas quiserem) almoçámos, conversamos da vida do país e de Apartadó, onde o actual presidente da câmara, abalançado desequilibradamente para o lado dos paramilitares, teve de reconstruir e re inaugurar uma ponte muito importante para a região que ele próprio tinha ajudado a destruir no tempo em que foi guerrilheiro, conversamos sobre os filhos, actualizamo-nos, rimos e saímos todos felizes pelo encontro. Durante todo o tempo que estivemos na casa de Jenaro, esteve ligada a rádio Universidad Nacional 98.5, com música clássica, jazz e música contemporânea.
A rádio aqui é uma presença constante na vida quotidiana, e isso se reflecte em Barcelona, onde o número de rádios latinas aumentou muitíssimo devido as emigrantes latinos, pois é um dos serviços que consomem e que produzem. Em Bogotá há rádios que são excelentes companhias, especialmente para quem trabalha em casa, para estudar, escrever, pintar. Passam música do mundo inteiro, jazz, música clássica, salsa, vallenatos, de tudo.
À tarde voltei à preparação da defesa da tese, agora com a rádio javeriana stereo 91.9 , e ouvi com um estranho prazer maria bethania, marisa monte, arnaldo antunes (toda a gente tem que não ter cabimento para crescer) cantarem nas ondas deste lado do atlântico. Às 6 da tarde em ponto interromperam a programação para passar o hino nacional e estava a dar Winton Marsalis quando chegou o meu amigo Leonardo para irmos visitar uns amigos que recentemente começaram a ser pai e mãe de uma nova habitante deste planeta, Guadalupe. Na conversa com os amigos voltámos à discussão sobre o estado do país, sobre o estado de desespero em que se vive, o autoritarismo do presidente, o número de mortes de sindicalistas a aumentarem depois da marcha do 6 de março (considerada pelo governo como antinacional), o desejo de sair da Colômbia e ter uma vida mais tranquila e mais possível, e ao mesmo tempo o sentir a herança psicológica de país a que se pertence, o peso na consciência de se sentir a abandonar um país que precisa de todos os seus habitantes para sair da situação terrível em que se encontra. Surge muitas vezes a pergunta, estarei a ser egoísta, pouco comprometido com Colômbia se quero ser feliz fora daqui? Contámo-nos da vida, de bogotá, de barcelona, dos filhos e dos pais, debatemos as fraldas de pano e a poluição terrível que causam as outras, mas o práticas que são, discutimos cocós e como limpá-los da melhor maneira. Também aí, a rádio teve ligada todo o tempo, primeiro com salsa e depois com chill out.
No regresso a casa, ouvimos Cassia Heller, unplugged mtv, no leitor do carro do Leo enquanto nos actualizávamos dos amigos e amigas comuns. Já em casa, pus o Busy Man do Carlinhos Brown com a Marisa Monte 10 vezes seguidas e ouvi e ajudei o Luis Carlos a pensar em voz alta sobre o que ele queria fazer agora que regressou de Toronto, e que está a recomeçar a sua vida nesta cidade.

13 maio 2008

Regresso ao lado de cá

Finalmente cheguei, horas e horas passadas à ponta de filmes pois não tinha ponta de sono, apesar de não ter dormido. Encontro de novo o aeroporto, o controlo de malas ao qual sempre me escapei, graças a uma sorte que me acompanhava no momento de passar as malas carregadas de bacalhau, paios, chouriços, queijos e ovos moles. Depois dos abraços dos amigos, o táxi e o seu controlo para evitar sequestros aos recém chegados, o trânsito intenso, caótico, a poluição que entra asperamente nas fossas nasais, os milhares de autocarros que cruzam ágeis e descontroladamente as ruas da cidade e as montanhas, as belas montanhas que sempre se deixam ver quando nos movemos pela cidade. No norte da cidade as montanhas são pouco povoadas e muito verdes, pujantes, viçosas. No sul, a parte pobre da cidade (até aqui se reproduzem as desigualdades norte-sul), concentram-se os bairros que recebem os milhares e milhares de pessoas que escapam à guerra que assola o campo e as cidades mais pequenas, na sua grande maioria deslocados internos.
Nesses bairros do sul, as montanhas são desertos povoados de imensas construções precárias, feitas com desperdícios, muitas sem água potável nem luz, e com muito, muito mesmo, controlo dos grupos ilegais urbanos, em geral, paramilitares. Nesses bairros, as raparigas são levadas pela noite para se prostituirem e os rapazes são recrutados para vender droga. Contraditoriamente, estes grupos matam quem for apanhado a consumir droga, isso é para o norte da cidade , o sul não, no sul só se vende. Nesses bairros os grupos ensinam os jovens, em particular os rapazes, para aprenderem a mexer em armas, a matar, a desvalorizar continuamente a vida humana e para sentir o sabor do dinheiro fácil e de uma masculinidade construida através da violência. Nestes bairros é perigoso para uma mulher viver sozinha, pois muito mais facilmente podem entrar os senhores dos paramilitares a violarem-na ou a recrutá-la para prostituição sem direito a negação ou a objecção de consciência, e a violência sobre as mulheres continua a ser assumida como um direito dos varões. Nestes bairros, as crianças andam com as chaves de casa penduradas ao peito pois os pais, mães, tios, tias, qualquer que já tenha um mínimo de força vão trabalhar de manhã à noite para sustentar o centro ou norte da cidade, e as crianças acostumam-se a ficar sozinhas e cuidarem-se entre si. São tremendamente áridas estas montanhas de Ciudad Bolivar e Altos de Cazucá, mas é nessa aridez que muitas organizações sociais vão abrindo caminho através dos seus projectos sociais que pretendem apoiar as pessoas que aí vivem para que tenham outros modelos de convivência e de vida cidadã. Montam projectos culturais, projectos productivos com homens e mulheres, apoiam as crianças através da ocupação dos tempos livres e de apoio escolar, do desenvolvimento de espaços lúdicos e criativos, de teatro, de outras formas de viver a vida de uma forma diferente da violência, do maltratato do desrespeito pela vida e pela pessoa. Coloream com este trabalho duro as montanhas do sul.
Estou de novo em Bogotá com todas as minhas ambivalências alborotadas pelos contrastes deste país. Já cheguei mas ainda não aterrizei em mim.

06 maio 2008

Barcelona-Bogotá-Barcelona

Amanhã parto e regresso ao mesmo tempo, depois de 3 anos de ausência e de uma saída decidida em menos de um mês, devido à doença da minha mãe. De novo, ando em dias agitados, de repente um tiro no escuro, que é devolvido em vários e amorosos ricochetes que se transformaram no MC-L7C, ou seja na possibilidade de poder partir e defender a minha tese de mestrado, e de devolver o trabalho que fiz às ONGs que estudei, pois acredito que os trabalhos académicos de investigação têm de ter um sentido prático e aplicável à vida, não podem ficar no abstraccionismo teórico nem ser produzido por académicos para serem lidos só por outros académicos. Mas além da defesa da tese, esta é também a possibilidade de rever, abraçar e conversar com os vários amigos e amigas que estão em Bogotá e isso é enorme presente do universo. Amigos com quem fiz muitas coisas nos quase 4 anos que vivi em Bogotá, com quem sonhei acordada sobre o mundo, os humanos, a nossa vida, a situação política e social da Colômbia. Amigos com quem nos metemos na aventura de alugar um edifício inteiro só para nós, uma coisa que sempre tinha sonhado e nunca tinha conseguido concretizar em Portugal. Amigos que acompanharam o meu casamento e o ajudaram a construir, pois foi todo um ritual colectivo. Amigos que acompanharam a minha gravidez e o nascimento e crescimento da minha filha. Amigos, simplesmente amigos e amigas, a minha maior riqueza nesta vida.

E como tudo parece que se dá ao mesmo tempo na minha vida, quando regresse deixarei de estar desempregada, pois também Barcelona me abriu os seus braços a dois dias da minha partida. É um sinal para que possa ir e saber que também já aqui encontrei um lugar. Atravessarei o oceano com os braços e o coração abertos e assim os manterei para quando cruze de novo o Atlântico e aterre no Mediterrâneo.
Tudo isto é possível graças ao MC-L7C. Um enorme obrigada às minhas múltiplas e a todas as pessoas que fizeram possível este pequeno grande movimento da vida quotidiana.

janeiro 2002 (parte 2)

Estes dias têm sido de fecho de ciclo, de despedidas de todas as pessoas que me marcaram a alma e a vida, de lágrimas e abraços pela separação que deixa tristeza por todas as alegrias e os bons momentos partilhados. Deixei, ou melhor trago comigo, muitos afectos de Urabá, muitas histórias e o mais importante, amigos e amigas. E como em todas as despedidas há sempre entrega de heranças ou recuerdos, fiz uma festa e distribui uma parte das minhas coisas pelos amigos. Ao Adolfo, o meu amigo motorista, ofereci o meu rádio gravador para que ele ouça música, que tanto gosta. Adolfo sempre vem a cantar vallenatos e canta tão bem, é uma alegria ouvi-lo e às vezes cantamos os dois.
(...)
Estes são dias muitos agitados, ando com uma adrenalina estranha, misturada com cansaço. Numa semana desmontámos a casa, fomos numa missão às comunidades de paz, por causa da morte de dois lideres muito importantes, um homem e uma mulher, chegámos, num recorde de 6 horas pusemos tudo num camião de bananas, ou não me fosse eu de Urabá, terra do monocultivo da banana e de Apartadó, que na língua indígena significa rio de plátano, empacamos as nossas malas e rumo a Bogotá, onde há que tratar do visto para o R. ir conhecer Portugal, e de todas as formalidades de terminar o emprego, de ficar emigrante em Colômbia, de estar no desemprego. Ontem fomos jantar e comemorar o nosso desemprego, para ambos o segundo. Hoje, 5 de janeiro, dia em que formalmente termino o meu contrato como voluntária do acnur, fomos ver, apaixonámo-nos e alugámos uma casa pequenina mas muito simpática, que fica em frente a um parque com árvores muito bonitas, perto da oficina do acnur em Bogotá, isso já não quer dizer nada mas é uma referência simbólica no meio de tanta incerteza. Amanhã vamos fazer a mudança de tudo o que trouxemos de Apartadó e depois outra vez fazer as malas e cruzar de avião o oceano, rumo a Portugal, depois de todas as vezes que já o cruzamos nas palavras e nas conversas. E sabemos que quando voltarmos vamos começar a cruzada de procurar emprego, e agora quero trabalhar no outro lado, já conheço as Nações Unidas, e gostei muito desta experiência, mas agora quero trabalhar no lado das ONGs, quero conhecer os vários lados de um mesmo trabalho. A vida não pára e eu sim quero parar agora, necessito descansar, é muito ritmo, passemos antes aos blues e ao new age.

E como o caminho se faz caminhando, uma redundância muito bem apanhada para nos lembrar que cada dia é um dia por si mesmo, agora o coração já está em Portugal, contente por poder rever e conhecer de novo todos os afectos que estão em Portugal, a família, os amigos, as ruas, as conversas, tudo o que estava quando estive e o que agora já não conheço e que perdi por não estar aí, é sempre inevitável a sensação de perda na vida de quem parte.
Por aqui me fico, que a ribeira vai cheia e o barco parado e eu quero ir já para esse lado.
Até muito breve o abraço.

1 de Janeiro de 2002 (parte 1)

Hoje fui com meu amor a Necocli tomar o primeiro banho do ano. Tomámos dois longos banhos no mar, é a sensação mais deliciosa da vida, tomar banhos de mar e ainda para mais em praias bonitas. Esta praia tem palmeiras ao largo de toda a praia que é uma extensão muito comprida de areia mas que tem apenas 40 metros de largura. Ao longo da praia há algumas casas não muitas juntas, apenas o suficiente para haver privacidade para cada uma, a maioria são sítios onde servem bebidas e comidas, caseiros, ou seja gente que faz a sua vida normal em casa mas que tem um frigorifico grande para poder vender bebidas. Um das casas é do Mandibuleiros del sol, un casal de hippies, com dois filhos pequenos, um deles chama-se Urabá del sol (lindo nome!). É um casal de argentinos artesãos, que vieram viver para aqui porque trabalham com cabaças de abóbora e ouviram falar de Urabá, que na língua nativa indígena significa terra da calabaza (abóbora). E por aqui ficaram, vendem o seu artesanato e tentam conseguir financiamento e executar projectos de educação ambiental, ou de promoção de convivência pacifica e redes de paz nas escolas de Necocli, que é uma das bases dos paramilitares em Urabá, pelo menos é o que toda a gente comenta e tem como certo, vivido e comprovado. Mesmo à saída encontra-se a supermegahiper herdade de um narcotraficante, Pablo Ochoa, que foi extraditado para os EUA, mas que deixou a quinta com alguns administradores e com a família que lhe vão orientando o negocio; são terras a perder de vista, com muito gado e com uma casa construída em madeira e completamente circular, exuberante, no meio de uma colina alta, com vista panorâmica. Necocli não pode crescer mais porque está limitada por essa quinta por um lado e pelo mar por outro.

No primeiro dia do ano toda a gente sai a passear aqui. Como as famílias são grandes, mete-se toda a gente num camiãozito ou camiãozote quando são os passeios de bairro, e o rádio alto a tocar vallenatos. É impressionante ver tanta gente junta, aqui existe um espirito comunitário na forma de viver , apesar de todo o individualismo utilizado como sobrevivência à causa da guerra interna. Muitas vezes encontramos familias onde há um pelo menos um irmão que na guerrilha, outro que é paramilitar e outro está no exército. E a mãe faz comida para os três, mas sempre a dizer que é melhor que se afastem porque é um perigo para todos. E é verdade, quantos mortos já contados porque diz que disse que andou metido com esses senhores. Aqui a gente comum diz muitas vezes os senhores da guerrilha ou os senhores dos paramilitares quando se referem aos grupos armados. Ao principio isto pareceu-me estranho porque o termo senhores, ao mesmo tempo que é distante, é também uma forma de respeito. Já quando se ouve os senhores do exército nas suas declarações aos jornalistas, vê-se que preferem diferenciar as coisas, o seu a seu dono. Para a guerrilha escolhem termos como bandidos, bandoleiros, e desde o 11 de setembro, passaram a chamá-los terroristas, e para os paramilitares simplesmente Autodefensas Unidas de Colômbia.

É impressionante como aqui toda a a gente conhece pessoas de um lado e do outro da guerra, ou dos mil e um lados que tem esta guerra, e não há praticamente nenhuma pessoa que não tenha na sua história de vida um episódio como vítima da violência, directamente ou/e através de um familiar. Até a mim me vai chegando a violência e todas as suas marcas, os medos, a tristeza que não encontra palavras para a morte de uma pessoa admirada ou próxima, um porque se enforcou, outro por que foi morto pela guerrilha, outro porque teve simplesmente que desaparecer.

04 maio 2008

Conferência de Imprensa - MC-L7C

É a abrir a caixa de comentários abaixo.

primeiro balanço

O Oito e Coisa faz hoje um primeiro balanço do MC-L7C. A meta monetária ainda não foi totalmente alcançada mas outras metas mais fortes se levantaram, gerou-se solidariedade entre os blogs, a quem deixamos um grande abraço, entre as múltiplas e entre alguns desconhecidos e desconhecidas que se juntaram, e deu-se a conhecer um pouco mais desse fascinante país que é a Colômbia e do qual só nos chegam noticias curtas e bombásticas.

Nos próximos dias sairá um post com a prestação de contas devidamente elaborada, e serão apresentados os respectivos comprovantes tal como foi o nosso compromisso, mas adiantamos já algumas coisas:

- Houve até ao momento, várias contribuições, desde os 5 aos 400 euros. Até ao momento foram recolhidos 1672.69 €. Agradecemos imensamente a todas as pessoas que participaram!

- O bilhete de avião Barcelona-Colômbia-Barcelona, com partida a dia 7 e regresso a dia 21 de Maio, custou 717.69 €. Aqui há que agradecer aos pais da múltipla que fizeram um esforço e pagaram o bilhete com o acordo de que a múltipla lhes dará metade quando estabilize a sua situação económica actual, pois deus é grande, deus é pai e mãe e a esperança é a última a morrer, valha-nos isso!

- A matrícula da Sete e Picos na Escola de Estudos de Género da Universidade Nacional da Colômbia custou cerca de 1100 €, o que inclui o preço da matricula e os gastos de envio de dinheiro pela Wester Union desde o Canadá, onde estava um amigo da nossa múltipla que lhe fez o favor de adiantar o dinheiro e o enviou para a Colômbia, onde outro amigo recebeu esse dinheiro e saiu a correr para pagar a matricula no último dia do prazo estabelecido. Tudo isto pois os bancos são lentos e não realizaram a tempo a transferencia que uma amiga da sete lhe tinha feito em Lisboa para que ela pudesse enviar o dinheiro ao amigo da Colômbia.

Dentro de breves momentos vai começar a conferência de imprensa, e, apesar das caixas de comentários estarem sempre abertas para que coloquem qualquer observação, pergunta, piadola, comentário, análise ou desvario que quiserem, sempre com respeito e boa onda é claro, aproveitem para fazerem as perguntas que quiserem sobre o MC-L7C.

02 maio 2008

novembro 2000 (parte 2)

Mas enfim, mudemos de assunto. Passemos a tomada de decisões neste país de realismo mágico. O ACNUR e uma ONG que trabalha connosco, OL, tem um convénio com a Registradoria Nacional para registrarem e documentarem as pessoas desplazadas. Aqui a falta de documentos de identificação, o nosso bilhete de identidade, é um dos principais problemas entre os desplazados, pois pelo isolamento geográfico dos sítios onde vivem não têm a cultura do papel que lhes diz que pertencem a um Estado que não existe, ou porque durante o desplazamento ninguém se lembra de levar a identificação pessoal. Bem, o que é certo, é que não ter papéis equivale a ser guerrilheiro e, consequentemente, a ser suspeito, além de impedir o acesso a bens e serviços do Estado. Continuando, estava marcada para esta semana uma campanha de documentação e registro por toda a zona do rio Atrato e das Comunidades de Paz. O que é certo é que eu ontem resolvi ir com o Adolfo, o meu motorista e amigo, a uma “bruxa” daqui que lê o café. E sem que eu lhe dissesse nada, a senhora pergunta-me se não trabalha comigo uma mulher assim e assim que tem uma viagem marcada para breve. Digo-lhe que sim e ela pede-me para lhe dizer que adie a viagem porque vê demasiados perigos no caminho (o demasiado quer dizer mais do que aquilo que já é normal). Claro que saí dali e fui logo a correr contar à minha amiga que ia viajar. Ela fala com o chefe dela e este, depois de pensar um pouco, pede-lhe o nome completo e a data de nascimento. E depois de consultada uma outra assesora, esta com experiência em búzios, confirmou-se tudo, a viagem está demasiado perigosa, é melhor adiar. E sem pensar duas vezes, depois de tantas evidências científicas, claro está que resolvemos adiar a campanha de documentação e registro. É certo que a situação por aqui anda mais tensa e que havia sempre coisas que iam adiando a viagem, ora eram os formatos de registro que não chegavam, ou os rolos de fotografia que vinham trocados, mas a gota de água foi mesmo os relatórios das nossas consultoras espíritas. Mesmo com todas as gargalhadas que já demos à conta das consultoras, ninguém tem dúvidas. É melhor não arriscar... E de facto, a senhora Beatriz do tinto (que é como aqui chamam ao café) disse-me coisas que eu fiquei de boca aberta. E para que eu não pensasse que ela estava a mentir, fazia-me olhar pela lupa para as borras do café. “Tá ver, ali está o homem de mal génio que apareceu no seu caminho, tá a vê-lo?” E disse-me que tinha muy buena suerte, e que não me ia acontecer nada. Enfim, cenas malucas mas que não são para desconsiderar.
E assim se vai levando o dia a dia em que sempre vão acontecendo coisas para dar colorido à vida. Ainda outro dia caiu uma árvore em cima do nosso carro. O pobre Adolfo, que nessa semana já tinha avariado a fotocopiadora por a ter ligado a uma corrente de 220V em vez de 110, ia a passar na estrada quando lhe cai uma árvore enorme em cima do carro, que pôs o tecto completamente em U. Ainda bem que não lhe passou nada, mas suspeito que foi a partir daí que ele ficou a conhecer a senhora Beatriz do tinto, que agora já tem pelo menos mais 5 clientes assíduas.
E termino como o presidente Andrés Pastrana no final das suas declarações ao país:
Que dios vos bendiga y que dios me bendiga!

Aviso Conferência de imprensa MC-L7C

As múltiplas do OitoeCoisa, em especial a Sete e Picos que queremos levar à Colômbia, estarão em modo Conferência de Imprensa este domingo, dia 4, a partir das 21h30.

Abriremos um post e estaremos todas online e ligadas ao blog para responder a questões na caixa de comentários do respectivo. Se ninguém quiser esclarecimentos, diremos uns disparates umas às outras, coisa a que estamos habituadas mas normalmente ao vivo.

Se quiserem ler algumas das peripécias da nossa sete que levaram à feitura da tese que agora queremos ver defendida é ler isto, isto, isto, isto, isto, isto, isto, isto, isto, isto e isto.

O movimento cívico- levem a sete à colômbia começou com um tiro no escuro. Provamos que o escuro não tem de ser vazio.

novembro 2000 (parte 1)

Enilda é uma amiga minha de Apartadó, tem apenas 21 anos mas tem uma capacidade discursiva de quem já passou há muito dos trinta. O pai de Enilda era dono de uma série de bananeiras e sempre viveu em Apartadó. Como todos os donos de quintas bananeiras na zona, foi várias vezes ameaçado pelas guerrilhas, teve de pagar as célebres vacinas, foi raptado e por fim foi morto. Enilda conta-me que uma vez, entrou um homem em casa dela, conhecido da família, pôs uma arma em cima da mesa, um maço avultado de notas, e disse: Dom Pedro, entregaram-me isto para que o matasse. E vim dizer-lhe que eu não consigo, mas que a sua vida corre perigo. Se não for eu, vai ser outro, por isso vá-se daqui e não volte. E o pai de Enilda respondeu: Eu daqui não saio. Que me matem.
Enilda conta tudo isto com a calma de quem lembra coisas que pertencem apenas ao passado. Uma vez, já depois de o seu pai ter sido morto, estava ela a trabalhar num projecto de assistência alimentaria a guerrilheiros que foram reinsertados na vida civil, homens e mulheres em muito más condições físicas, quando viu que um dos homens a quem estava ela a distribuir alimentos era, nada mais nada menos, que um dos raptores do seu pai. Chegou a casa aflita e revoltada, contou o caso à mãe que simplesmente lhe disse: O passado já passou, filha minha, esse homem agora necessita da tua ajuda. Não guardes rancores e faz o teu trabalho o melhor que possas.
A mim impressionou-me as voltas que a vida obriga a dar, a confrontar com os fantasmas do passado e a aprender a deixá-los onde eles pertencem. E também a alegria que tem Enilda pela vida e pelo seu trabalho com vítimas de uma violência que ela também sofreu, e como se sente comprometida com o seu país, com a herança de país que lhe tocou, mas que ela não rejeita, aceita simplesmente. E contou-me tudo isto e mais ainda, com a calma e a certeza de que o passado se deve guardar em sitio visível para não ser esquecido.
Aqui a memória é muito importante na vida das pessoas que de repente perderam tudo à luz da violência que faz parte da vida do país. Quase todos os grupos de desplazados de Urabá, pedem ao governo e às ONGs que lhes financiem monumentos para a sua memória histórica, para lembrar os que não podem ser esquecidos, os mortos que cada comunidade pôs durante o seu processo de vida e de paz.
Mas cada pessoa tem a sua própria história para contar. Todas as pessoas que trabalham connosco directamente, deixaram mortos no caminho. Marley, a secretária, é órfã da violência. O seu pai foi morto por um dos grupos armados e recentemente, outro tio também foi morto sem se saber porquê. Ubaldina, a senhora que nos limpa a casa, é uma viuva da violência. Nos anos negros de Urabá, em 93 e 94, os habitantes de um bairro não podiam cruzar para outro sem terem um licença especial dos grupos armados desse bairro e nunca depois das 6 da tarde. O seu marido era vendedor e no dia em que cruzou a fronteira proibida, deixou esta vida e deixou-a com dois filhos, um dos quais ainda por nascer. Adolfo, o motorista, sofreu a morte de 3 dos seus irmãos, um dos quais sindicalista, também pelos grupos armados.
Agora os anos negros passaram a cinzento claro e o medo continua e as mortes também, mas toda a gente diz que estamos em paz, ou melhor, numa calma tensa. Aqui vivemos rodeados de armas por todos os lados. Legais e ilegais. Ainda outro dia, quando ia de carro para Turbo, vi um paramilitar em plena estrada, sentado com a tranquilidade de quem sabe que controla um determinado território impunemente. Qualquer evento que se faça na cidade, político ou cultural, tem de ter escolta da policia e do exército. Antes de sair para qualquer lado é sempre preciso avisar a policia e o exército e averiguar se se pode ir ou não. Eu da minha parte, já sei o manual de segurança das Nações Unidas todo de cor e salteado. O medo e a prevenção já fazem parte do quotidiano, tanto que já nem dou por eles. Mas o grande medo, dos nacionais e dos internacionais, continua a ser o sequestro.
E a propósito só para concluir a história da última circular, em relação aos deputados sequestrados. Íamos na parte em que os paramilitares tinham sequestrado a 6 deputados para pressionar o governo a não negociar a troca de guerrilheiros por soldados. Agora, a guerrilha congela o processo de paz e acusa os 6 deputados de se autosequestrarem para chamarem as atenções e boicotarem o processo de paz. Na altura em que estiveram a ler isto já vão estar novamente desactualizados, pois aqui todos os dias há novos acontecimentos. Mas neste momento, todos os grupos se prepararam para continuarem a mostrar que são os mais fortes militarmente, para então sim, poderem negociar. É caso para perguntar: Defina negociar...

01 maio 2008

março 2001 (parte 3)

O Estado foi durante muitos anos um dos principais autores de atentados aos direitos humanos. Outro dia perguntava ao meu motorista, Adolfo, numa das muitas longas viagens que fazemos só os dois e onde vou eu a conduzir e ele ao meu lado a conversar, se notava mudanças positivas na Colômbia nos últimos anos. Ele respondeu que sim, sem dúvida, antes o exército era tão ou mais bárbaro que a guerrilha ou os paramilitares, matava, torturava, fazia desaparecer pessoas. Agora, desde que se começou a internacionalizar o conflito na Colômbia, que veio a ONU e outras organizações como a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch, o governo de Colômbia começou a ter interesse na ajuda exterior, tanto europeia como dos Estados Unidos. O exército começou a receber formação em direitos humanos, a ter que responder a acusações, a ver pessoal seu ser demitido e, como parte de um governo democrático que quer ser credível para a comunidade internacional, foi obrigado a mudar a sua imagem institucional. Por isso deixa o trabalho sujo para os paramilitares. De todos modos, segundo Adolfo, o chamado povo ou população civil, conforme os contextos, continua a não confiar no Exército mas sempre é menos um a quem ter medo.

Também é verdade que o exército está a fazer um esforço grande para mudar a má imagem que tinha. Fazem campanhas de convivência com a população. Em Barrancabermeja, contam várias mulheres desplazadas que aí vivem, organizaram um circo em que todos os domingos convidam a pequenada a ir vê-los a fazer de palhaços, malabaristas, actores de variedades, cantores de vallenatos e de rancheras. E por detrás do chapitô, vão conversando amigavelmente com as crianças, mostrando as suas armas, perguntando se as conhecem, se já viram alguma parecida a algum familiar, e discretamente “onde fica mesmo a casa do teu tio?”. Na linguagem militar o nome técnico é “estratégias de aproximação aos cidadãos”.

Mas no meio de tudo, há momentos de alívio e de alegria. Foram libertados cerca de 300 soldados e policias, que estavam há mais de três anos sequestrados pela guerrilha em troca de guerrilheiros em condições graves de saúde. Como podem imaginar foram momentos de pura felicidade para as famílias e para toda a gente. Também 3 das 7 pessoas vítimas de um sequestro colectivo, modalidade bastante apreciada pelos grupos ilegais, conseguiram escapar porque o carro dos seus raptores se avariou e estes resolveram deixá-los seguir, para não correram o risco de ser descobertos.

E por aqui me fico, que isto anda como as cerejas, uma leva à outra. Pelo menos já quebrei o silêncio dos últimos meses em que a falta de tempo e o excesso de amor, que nunca é demais, não me permitiram ir anotando estes petits faits divers da vida em Colômbia. Eu sempre digo em todas as cartas que a Colômbia tem muito mais que violência e corrupção, é um país absolutamente fascinante de se conhecer e de ir conhecendo, com gente muito interessante e comprometida socialmente, mas sempre me saem mais as aberrações que as coisas positivas. Deve ser por andar muy humana.
Um abraço

30 abril 2008

março 2001 (parte 2)

Estar na ribalta da vida pública não é fácil, os pobres políticos sofrem níveis de stress bastante elevados. Por exemplo, o Alcalde de Apartadó, o nosso presidente da câmara (ou melhor, da junta de freguesia), tem toda uma parafernália de segurança que deixa o silvester stalone a roer as unhas de inveja e outro dia pude assistir a tudo com este dois (ou três) que a terra há-de comer. Quando o senhor sai de casa já tem o carro blindado à porta, com dois homens lá dentro, outros dois a guardar a rua, outro atento à porta do carro, que só abre no segundo exacto em que ele está prestes a entrar, e outro ainda sempre a acompanhá-lo. Em menos de um ai, entra o alcalde e arranca o carro numa velocidade muito superior à permitida pelas leis do país e da cidade que governam.
Outra coisa também curiosa, nos seus discursos à população, sempre diz: a minha cidade, o meu centro desportivo, o meu povo, etc. Um eleitor menos atento ou consciente da realidade até poderia pensar que ele está nesse posto por ordem do divino, que por sinal, tem um conjunto de fãs bastante numeroso, pois igrejas pentacostais, evangélicas, quadrangulares, triangulares, adventistas e de tantas outras formas e feitios, são às resmas, há entre uma e três por cada rua.

março 2001 (parte 1)

O Ministro da Defesa colombiano, perante o pedido da população de Barrancabermeja para que o Governo exerça o seu dever de protecção aos cidadãos e ajude a cidade a combater o paramilitarismo, reagiu prontamente e com zelo, mandando entregar 200 caixões à cidade para ajudar os mais pobres. Certamente inspirou-se no slogan de uma funerária de Apartadó, que tinha escrito em letras garrafais num cartaz “Funerária San Nicolas Trabalhamos com amor”. De facto, o amor é um requisito imprescindível para o bom desempenho de uma funerária por estas bandas, quanto mais não seja o amor a um negócio rentável em que a matéria prima abunda. Mas também a capacidade de discrição é um requisito fundamental, para além de ser útil à sobrevivência...
Um amigo meu daqui conta que o funeral mais triste a que assistiu, foi o de um homem que tinha sido morto já se sabe por quem, e em que apenas ia a viuva, ele e psicólogo da fundação compartir, que é uma ong que apoia as viuvas e órfãos vítimas da violência; 3 gatos pingados acompanhando um caixão pois ninguém mais se atrevia a pôr o pé fora da porta.
Em Apartadó todos os dias há imensas mortes silenciosas e rapidamente abafadas nos bairros mais pobres da cidade. Apenas se ouvem os tiros durante a noite pois as lágrimas das pessoas são rapidamente secas pelas ameaças dos assassinos, (organizados legalmente numa empresa de segurança chamada Convivir e formada pelo que é hoje presidente da Colômbia, Álvaro Uribe).
As Convivir actuam dentro dos bairros mantendo a lei (que tipo de lei é outra questão) e amoral, perdão, a moral. Alguns exemplos, o filho do nosso motorista teve de fazer um retiro forçado para Medellin, pois estava ao lado de um amigo quando o mataram por ter utilizado linguagem imprópria (asneiras) e porque viu as caras que todos viram e conhecem. Por isso, é recomendável umas vacaciones até que a coisa acalme. Este é um outro tipo de desplazamento, são quase invisíveis pois as pessoas não se registram como desplazados por medo a represálias Técnicamente chama-se gota a gota e são as mulheres viuvas quem tem a fatia maior da torta deste tipo de desplazamentos.
As Convivir também fazem reuniões com a população nos bairros pobres. Contam a senhora que nos limpa a casa, Ubaldina, uma viuva vítima da violência, e as nossas secretárias, Marley e Dennis, orfãs da violência, que eles fazem a lista dos comportamentos aconselháveis para o bem da ordem pública. Alguns exemplos: as mulheres não podem andar com roupas demasiado decotadas, têm de cuidar bem dos seus filhos, a infidelidade não é bem vista, assim como o uso de palavras grosseiras. Os roubos também não são permitidos e aqui aplica-se a técnica árabe do cortar a mão ao ladrão, e em casos mais graves corta-se a vida. Também os indigentes e os meninos e meninas de rua são um problema social e estes senhores consideram que o mal deve ser eliminado pela raiz, por isso é frequente aparecerem meninos de rua mortos debaixo da ponte de Apartadó.
A tudo isto, as Convivir dão-lhe o nome técnico de limpeza social.

29 abril 2008

E mais um, e mais outro e ainda outro. E outro ainda (actualizado)

Mais quatro blogs juntaram-se ao MC-L7C.

Aquele abraço à Sem-se-ver e à Cocó na fralda. E ainda à Miss-detective. E agora também à A Pipoca mais doce. Saravah!

Até o contador já se mexeu hoje!