30 junho 2006

Espera

O carro preto passou finalmente. Era o sinal que estava combinado. Agora tinha de pôr o cabelo loiro e entrar. Quando chegasse ao balcão usaria o sorriso e pediria o dinheiro. Só o homem da caixa veria a pistola no decote.

29 junho 2006

O banco da reflexão

Há uma múltipla que se senta, algures, ali.
Reflectir é preciso.

28 junho 2006

Portugal profundo

Foto de Said, o que caminha sobre o deserto
Estes devem ter sido os únicos understands que comi...

Apelo às mentes brilhantes

Frase ouvida ontem no British Bar:
"Isso é o particularismo! O abstraccionismo como sinal de informalismo!"
Perceberam? Eu não.

Anões e arremessos

Desde ontem que não consigo tirar o “arremesso do anão” da cabeça. Contaram-me que na Austrália há um desporto que tem este nome e que consiste em atirar um anão tão longe quanto possível. Fiquei absolutamente chocada com saber de um desporto que utiliza uma pessoa, com riscos para a sua saúde, e reproduzindo o imaginário de que estas pessoas de baixa estatura são objectos de divertimento e gáudio das outras que se vêm como as normais. E não faltará quem ache que os anões até devem gostar... Uma barbárie destas primeiro não deveria ser chamada desporto e segundo atenta contra a dignidade dos seres humanos, tanto os de baixa estatura como os de média ou grande estatura, pois quando um ser humano é humilhado todos o somos.

Como não conheço nenhuma pessoa com baixa estatura, comecei a fazer memória daquilo que tenho ouvido sobre elas. Lembrei-me que desde a idade média e até há bem pouco tempo, os anões eram elementos sempre presentes no elencos dos circos, personagens ridicularizadas como burlescas pela sua aparência física, independentemente do que sentissem como pessoas.

Resolvi ir ao Google, essa fonte sempre fértil para as respostas às mais variadas perguntas. Resultados: Branca de Neve e os Sete Anões, os anões do tolkien, anões de jardim, etc, etc. Parece que os anões são seres imaginários, com poderes mágicos e com uma sabedoria muito própria.

Resolvi abrir mais umas páginas para ver se encontrava algum anão da vida real e depois de muito clickar lá apareceram alguns sites sobre associações de pessoas pequenas ou com enanismo, que se juntaram para se apoiar e combater a discriminação de que são alvo na nossa sociedade. Fiquei então a saber que uma em cada 25000 pessoas pode ser de baixa estatura derivado ou a causas genéticas ou a problemas hormonais, que não se aplica o ditado filho de peixe sabe nadar pois pais de estatura normal podem ter um filho/a com enanismo, assim como pais com baixa estatura podem ter filhos/as com estatura normal, e que este problema afecta tanto a homens como a mulheres. Aprendi também que um dos principais problemas das pessoas pequenas no dia a dia é a mobilidade, pois os transportes públicos, os elevadores, as ruas, a cidade em geral, não estão adaptados para elas.

(click) Jardim Infantil “O Anão Tareco” (será que nesse jardim haverá alguma criança que tenha esta doença? )


Não acredito que as pessoas de baixa estatura sejam pessoas burlescas, estranhas, ou mesmo más, como também está presente no imaginário colectivo. Imagino que sejam pessoas comuns e correntes, que têm paixões, angústias, zangas, que se preocupam com o pagamento da água e da luz e com a educação dos seus filhos e filhas. Entre elas haverá certamente profissionais de hotelaria ou de medicina, arquitectura ou engenharia electrónica, caixas de supermercado, disco jókeys, mecânicos, desempregados, sei lá, qualquer estado laboral possível, pois num dos resultados da pesquisa diziam que o seu desenvolvimento geral é “normal” ou seja igual ao das pessoas com estatura considerada normal. E seguramente haverá pessoas de baixa estatura mais bem dispostas, mais sociáveis, outras menos, uns mais amáveis, outros mais carrancudos, imagino que sejam iguais a toda a gente.

Se eu fosse de baixa estatura, não gostaria que me recordassem isso constantemente, que me olhassem como diferente, feia, monstruosa, ridícula, risível, ou que achassem que eu era má sem me conhecerem, ou se fosse homem, que me olhassem com ar divertido fantasiando que o meu pénis era inversamente proporcional à minha estatura. Não deve ser nada fácil estar fora dos padrões estabelecidos como adequados e bonitos para a estatura e a aparência física.

Já para as últimas páginas da pesquisa encontrei um provérbio: anão acordado mata gigante dormido.

27 junho 2006

Groucho dixit












Marriage is the chief cause of divorce.

Calamity Jane

fotografia aqui
- DESCULP! Alguém me chamou?
- Bom, nós na realidade já tínhamos exposto o caso à Tia Paula...
- Naaa'... Deixem isso comigo.
- Ok. És cá das nossas.

26 junho 2006

Amanhã vai ser assim


se passarem pela Fontana de Trevi e não me virem é porque cortei o cabelo e o pintei de preto
"Marcellooooooooooo!"

O mundial mundano

foto daqui

Gosto do Mundial, não vou negar, gosto de ver as bandeiras nas janelas, assim como no Natal gosto de ver as casas decoradas com as luzes natalícias.

É claro que é triste ver que é uma das muito poucas expressões públicas que se encontra nas ruas, que se aproveita o mundial para aumentar o consumo, para fazer publicidade, para reforçar identidade de nação de uma forma oca, é horrivel ver as manigâncias das mafias do futebol, ver a indústria de sexo montada por detrás de cada jogo and so on, mas tudo isto são situações que têm que ser corrigidas e que não podem ser esquecidas. Mas apesar de tudo isto eu gosto do Mundial.

Gosto de ver a euforia colectiva, de ver o Gana jogar contra a Coreia do Sul, ou os Camarões contra os Checos, de sofrer com cada jogo de Portugal, de ver o meu pai a comer nervosamente amendoins, tremoços, pevides, unhas, de juntar-me com amigos e amigas para sofrer, maldizer, analisar com ares doutos cada falta cometida, ou de estar nas praças públicas a gritar em conjunto. Gosto também de ver quando as faltas recordam aos jogadores que o jogo tem ética e que o fair play é condição fundamental, gosto de ver as pessoas contentes a festejar, mascaradas, pintadas, divertidas, e ainda gosto mais quando o fazem mesmo tendo perdido o jogo. Também gosto de ver que o futebol já não é só um jogo masculino, gosto de ver homens e mulheres misturados nas claques.

Mas aquilo eu mais gosto é ver muita gente faltar ao trabalho para “ver o jogo” ; o futebol deve ser o único motivo que faz o sistema económico e laboral abrandar a exigência da produtividade contínua, e que nos permite funcionar a outro ritmo, menos produtivo e mais colectivo e prazenteiro. É bom quando o mundo funciona de outra forma, ainda que sejam só por duas horas e nestas circunstâncias.

E bonito, bonito foi termos o 1-0 e a passagem ao outro nível que não me lembro se são os oitavos ou os quartos de final

24 junho 2006

A 100ª posta

fotografia aqui
Queridas múltiplas,
Com esta posta atingimos o soberbo e estrondoso nº de 100 textos! E tudo isto em menos de mês e meio de existência. Estamos de parabéns, ah se estamos!
So let's party! A garrafita já aí canta (Moët et Chandon, comme il faut), agora toca a brindar (e vocês sabem como eu sou uma brinde addicted) e festejar o acontecimento! E, claro, continuar a postar postas da mais fresca pescada. Sempre!

Soul sister

Tenho saudades tuas.
Quando é que desces a montanha, deixas a humidade peganhenta e os mosquitos ?
Preciso das nossas conversas, sobretudo quando ligas o 'descomplicómetro', no teu inigualável estilo rough, práctico e espartano.
Precisava que estivesses aqui, à mão de me entender.
Já sei que vais dizer que sou uma lamechas, uma piegas incurável. E ainda és capaz de te rir por cima. Mas eu não me importo.
Eu sou assim e tu sabes disso.
Não é verdade que só faz falta quem cá está.
Bolas, que tu me fazes falta.
Prometo fazer melhor as coisas.
Tenho saudades tuas.
Aposto que tens saudades minhas.
(suspiro)
Pronto, está dito.

23 junho 2006

A advogada, a dentista, o amante delas e a sua mulher

- Andas muito desaparecido.
- Pois, tenho andado entretido.
- Tens uma namorada nova é?
- Sim, uma advogada. Não é bonita, mas tem outras qualidades que me interessam muito.
- Fico contente. Então e a Clara?
- Já lhe disse que as coisas não estão bem entre nós.
- E aquela outra do Porto?
- Também continuo a sair com ela. É gira que se farta.
- Três namoradas é obra. Deve dar um trabalhão.
- Há também uma dentista, diverte-me.
- Mas nunca te cansas disso?
- Sabes, ao fim de um tempo percebes que as pessoas são todas iguais.
- Claro, as pessoas são mesmo todas iguais. E com quantas mais andares mais te sentes sózinho. Só são especiais quando nos apaixonamos por elas. Não percebo como é que consegues viver assim.
- Nem eu.

A casa contra-ataca


Penso que a casa leu o meu post anterior. Acaba de contra-atacar com a tampa de vidro do tacho - caiu no chão, partiu-se em mil bocados um dos quais fez ricochete e se enterrou vingativamente pela minha desnuda canela adentro, fazendo uma cratera de dimensões consideráveis.
A Christine do Carpenter era uma brincalhona ao pé deste apartamento. Que nome lhe porei?

E o prémio vai para...

Oito e coisa e nove e tal criou o Prémio Comentarista Assíduo da Blogoesfera. O primeiro galardoado (gostamos muito desta palavra) é... o Senhor Pirata Vermelho! Tanto esforço, tanta palavra e tanta contribuição meritória merecem já um espaço próprio. Por isso, temos o prazer de anunciar o mais recente espaço na blogoesfera, aqui.
Caro Senhor Pirata, é favor dirigir-se a oitoecoisa@gmail.com para receber o troféu (username, password).
Parabéns, cumprimentos (e parafraseando-o): DESCULP!

Considerações gerais II

A Dulce Pontes é a Céline Dion do fado

Considerações gerais I

Chamar absoluto ao vodka é um insulto ao alcool etílico

22 junho 2006

Tema de gajas

Um tema de gajas, deixa-me cá ver.

Comentar cortes de cabelo, ora aí está. Nunca ouvi nenhum gajo a dizer a outro “ah, cortaste o cabelo, fica-te tão bem”. Ou “que madeixas tão giras”. Ou “desculpa lá a pergunta, mas essa é a tua cor natural de cabelo?”.

Ok, cortes de cabelo é tema de gaja, definitivamente.

Ainda ontem encontrei uma amiga que já não via há imenso tempo. Depois de me ter actualizado sobre a sua vida profissional disse-lhe “estás cá com um bronze” (outro tema nitidamente feminino), seguido de “e mudaste o corte de cabelo”. “Ah, sim, cortei ontem, ainda não me habituei”. Respondi logo “fica-te mesmo bem” – claro, porque uma das regras de ouro femininas é apenas verbalizar uma coisa nova que favoreça a outra, porque para dizer mal já basta o espelho e a capacidade autocrítica mais que ácida de todas as meninas.

Não contente com isto, acrescentei: mudaste também a cor do cabelo. Aqui pus a pata na poça. Ela reclamou logo que não tinha mudado, mas como tinha cortado o cabelo perdeu as pontas alouradas, e assim os seus abundantes cabelos brancos notavam-se mais. Eu insistia que lhe ficavam tão bem que até pensava que tinham sido feitas de propósito, mas na realidade nada do que eu dissesse podia curar a asneira que tinha sido feita. Tinha-lhe lembrado a sua idade biológica.

É que outra regra de ouro para as mulheres é nunca parecerem mais anos dos que realmente têm. Se alguma pedir para se lhe adivinhar a idade, convém dar sempre uma margem de uns 5 a menos do que parece. E mesmo assim, a coisa mais sábia a fazer é não tocar no assunto.

Numas férias de verão, tinha eu 19 anos, a senhora da limpeza da casa de férias quando me viu a guiar o carro perguntou-me a idade e ficou tão espantada que me disse “Podiam-me cortar a cabeça que não lhe dava mais de 14”, ao que eu respondi “pois a mim podiam-me cortar a cabeça que não lhe dava menos de 65”. Nunca mais voltou para me fazer a cama.

every little thing...

is there something you haven't seen yet?
'cause i'm sure i haven't seen it all...
is that the moon in your backyard
dragging me down?

Há mais marés que marinheiros

A maré estava tão forte que tinha que voltar para trás mas a maldita areia não passava agora de um pequeno ponto brilhante demasiado afastado. Teria que seguir. O horizonte estava lá à frente... lá muito à frente e as botas pesavam nos pés, as calças coladas às pernas entorpeciam o corpo...

Ohhh, que chatice!!! Já tinha visto este filme!!!

21 junho 2006

Cantam as nossas almas


Vale a pena fazer anos para receber presentes destes. Ou não?

20 junho 2006

Missão Impossível?


Será que o nosso Verão vai voltar a ser assim?

Porquê ano após ano a nossa floresta continua a ser brutalmente desvastada? Será impossível construir um plano de prevenção e combate a incêndios eficaz?

A casa

O que se faz quando a própria casa nos quer expulsar?

Primeiro atacou-me fisicamente.

Começou com uma queimadura de 3º grau nos nós dos dedos da mão direita. Era o meu primeiro jantar de família na casa nova, fiz bacalhau no forno. Para ver se já estava pronto enfiei a mão mal protegida por uma pega, toquei com os dedos na grelha e por uma qualquer força misteriosa não os tirei durante uns belos segundos. Ainda tenho as marcas.

Depois, foi com sangue. Estava a lavar um pirex; bem sei, já tinha uma racha, mas eu tenho muita dificuldade em deitar coisas fora, achei que ainda podia servir para qualquer coisinha. A esfregar com mais intenção um bocado de esturricado, a coisa partiu-se enfiando-se pela base do meu polegar adentro. Não doeu muito, mas fiquei fascinada por ter sido apresentada ao interior da minha carne, não sabia que tinha tanta até chegar ao osso.

Como tenho uma veia de rambo, decidi cozer-me eu mesma em casa. Rambo sim, mas pós-moderna, usei daqueles pontos da farmácia. Andei assim durante duas semanas, e ainda tenho a cicatriz a quem quiser desafiar a veracidade da história.

Verificando a casa que eu sou resiliente, apesar de tudo comprei a casa, pago o condomínio e os impostos, não é uma queimadura ou um naco de carne a menos que me vão fazer desistir, atacou com animais.

Timidamente umas formigas apareceram. Eliminando fontes de alimentação exteriores, e à conta de muita sapatada, lá se foram embora.

Chegaram então os pombos, que encontraram maneira de se infiltrarem no meu sótão, onde creio abriram um bordel para aves. Um dia acordei com um barulho semelhante a um insuficiente respiratório em clímax contínuo e desesperado. Depois de perceber que não era nenhum vizinho à beira da morte tentei voltar a dormir.

Vendo que tão pouco esta estratégia resultava, vieram os ratos que devem ter comido os pombos (ou então os ditos perderam as asas, à conta de tanta actividade reprodutora). Em vez de sentir um esvoaçar ocasional por cima da minha cabeça, tenho agora corridas a passinhos pequenos e rápidos. Ao menos são mais silenciosos nos seus momentos de amor.

Se tal não bastasse, a casa enviou-me bichos de prata. No início pensei que fossem pequenas baratas, que se iriam embora com a sapatada ocasional (se funcionou com as formigas, que são mais inteligentes, também havia de funcionar com estes). Mas os brutos não se moveram. Usei umas casinhas de insecticida, que me diziam ser ideais para o efeito, mas eles gostaram tanto delas que constituíram família lá dentro e tudo; pensariam eles que era o seu Versalhes pessoal?

Ataquei com uma coisa chamada biokill, mas parece que eles gostam tanto daquilo como a minha irmã de sumol de ananás.

Ainda andamos em luta. Qualquer dia começam eles a escrever no blogue.

Medida profiláctica

Foto daqui
Foi você que pediu um crocodilo?

O mundial que a sport tv não mostra

Inveja intestinal

"D. Federico vivia com uma mãe octagenária e totalmente surda, conhecida no bairro como La Pepita e famosa por largar uns traques tempestuosos que faziam cair aturdidos os pardais da sua varanda"
in A Sombra do Vento, Carlos Ruiz Zafón

19 junho 2006

O Jardim das Magnólias


Uma vez, há já bastantes anos, fui ver uma peça do Grupo de Teatro Terapêutico do Hospital Júlio de Matos e ouvi um dos actores/pacientes dizer uma frase que nunca me saiu da cabeça:

“A minha mãe levou-me a tantos sítios, tantos sítios, que nunca mais de cá saí...”

Genética para leigos

Em todas as células com núcleo do nosso corpo temos 23 pares de cromossomas.
Cada cromossoma é uma molécula de ADN, a biblioteca com as instruções para fazer as proteínas.
Os genes são os livros da biblioteca, escritos em nucleotidos (que são 4), mas exigem leitura presencial. Por isso a célula arranjou uma maneira de transcrever a informação de cada um desses livros para que possa depois ser traduzida na linguagem das proteínas, que usa aminoácidos (que são 20).
No cromossoma nº 4 há um gene que é traduzido numa proteína muito importante para o funcionamento do cérebro (apesar de ainda não se saber muito bem o que faz). Na maioria da população essa proteína é feita por 26 aminoácidos todos iguais; pode-se herdar um defeito genético, que faz com que esse gene esteja repetido até 4 vezes, o que vai dar uma proteína feita da mesma maneira mas 4 vezes maior.
Nesses casos, a proteína vai na mesma para o cérebro mas uma vez aí parte-se em vários bocados, e esses bocados vão-se acumulando. Quando isso acontece, dá-se a degradação das zonas do cérebro em que se juntam esses bocados de proteínas, o que se manifesta por uma doença chamada coreia de Huntington (vem do grego "khoreia" que significa dança).
Acontece que, dependendo do tamanho da proteína, por volta dos 30-40 anos começam a aparecer pequenos movimentos descontrolados que se vão alastrando a todo o corpo; a memória vai ser afectada em todos os aspectos. Segue-se a perda da fala (afasia), a incapacidade de executar movimentos coordenados (apraxia), a perda da visão, audição e tacto (agnosia).
Continuando, temos a demência e a morte.
É hereditária, os filhos de pessoas afectadas têm 1/2 de probabilidade de a herdar. Afecta 1 em cada 20.000 pessoas.
Uma dessas pessoas é pai de uma amiga minha, e meu amigo também. A minha amiga tem 50% probabilidades de a ter. Estamos à espera do resultado da análise esta semana.

A propósito de situações embaraçosas...

Queria oferecer-lhe algo diferente. Que fosse inesquecível. Olhou em redor. Ali estava a câmara de filmar a olhar para si. Era isso mesmo. Decidiu num ápice, num daqueles raros momentos de genialidade em que nos conseguimos vislumbrar maiores do que certamente somos. Afinal, um aniversário era uma coisa importante. Decidiu que filmar-se a si própria a fazer um strip seria uma experiência única que, com sorte, lhe proporcionaria uma longa noite de amor ardente.
Montou prontamente o cenário todo, ligou cabos, inseriu cassete, alinhou enquadramentos, tudo perfeito. Tudo perfeito, não fosse, claro, estar em fase pré-menstrual o que acontece sempre nas alturas mais pertinentes...
Isto, este pequeníssimo pormenor, caso estejam com uma ideia destas na cabeça, deixem que vos diga, torna as coisas um bocadinho diferentes. A sexualidade é, realmente, um bicho autónomo. E não pode ser dominado, minhas amigas. Senão, caso também se encontrem em fase pré-menstrual - ou noutra qualquer - tentem os seguintes exercícios e comparem os resultados:
1) Tentar rebolar as ancas sensualmente, para trás, frente e lados sem que se note que a vossa barriga parece uma bola de futebol grávida de gémeos.
2) Tentar encolhê-la o mais possível sem ficar roxa de falta de ar e ao mesmo tempo, mantendo o equilíbrio sem cair para trás. Caso isso aconteça, tentar sempre cair com a mesma elegância duma sereia que vai mergulhar.
3) Tentar aquele ar fresquíssimo e sedutor num olhar matador com as pálpebras do tamanho de bolas de golf, enquanto suportam a dor de cabeça monstruosa carregadas de analgésicos.
4) Tentar não fazer os lábios de charroco da Sofia Aparício durante duas horas, nem passar demasiado os dedos pela boca como se fossem o Martini man. Esta regra deixa de ser aplicável a partir do dia em que aparecer alguma Martini woman.
5) Tentar passar a mão sensualmente pelos cabelos para que eles pareçam cair selvagens pela cara sem engolir nenhum e se sim, tentar manter um sorriso de Mona Lisa e esperar que o cabelo não nos mate de asfixia porque dá muito trabalho parar a cassete e recomeçar daquele ponto.
6) Na falta duma trave de strip instalada no quarto - como é o meu caso - tentar fazer todos os malabarismos alternativos de forma sensual sem tropeçar nos próprios pés, pernas e - sobretudo - tentar não arranjar nenhuma rotura de ligamentos em qualquer dos membros, pensando serem a Natalia Navratilova.
Bem, caras amigas, a verdade crua e nua (literalmente nua) é que isto do strip tem que se lhe diga. Os resultados da minha sessão foram, como seria de esperar, desastrosos na falta de "pior termo". Ia partindo uma perna, a cabeça na parede enquanto a lançava eroticamente para trás, ia morrendo com um cabelo enfiado na garganta, quase fazia uma rotura de ligamentos no braço quando inesperadamente se resolveu prender atrás das minhas costas ao deslizar em grande estilo da posição de pé para sentada e ainda tinha os lábios dormentes duas horas depois de acabar as filmagens, tudo isto sentindo-me ao longo de todo o processo não mais que uma cachalote a ser documentada para a National Geographic.
Bem-hajam os softwares de edição de imagem que permitem sombrear, escortanhar, apagar e fazer dum filme de série B uma produção digna do canal Playboy. E bendito o meu homem que me aceita assim como sou, trapalhona e tudo, e que ainda me diz que estava linda e me proporciona na mesma a tal noite ardente. Enfim, todas temos direito a uma mercy fuck de quando em vez...

Estrela do Mar


Sou a estrela do mar, só a ele obedeço
Só ele me conhece, só ele sabe quem sou
No princípio e no fim.
Só a ele sou fiel e é ele quem me protege
Quando alguém quer à força
Ser dono de mim.
Jorge Palma, que é cá dos nossos.

Dicionário


I., aos seus 20 meses já tem um dicionário próprio e que lhe vai funcionando muito bem para fazer a sua vida :

PAPÁ, MAMÃ, BEBÉ são as palavras que mais utiliza em variadíssimas ocasiões, fazendo variações com as silabas, mapapá, pámamã, bébébé, entre outras..
BABÁ – para água
COTECOTECOTE- para sumos e yogurts
COITECOITE – patos, balançando o corpo à espera que eu cante: o pato, vinha cantando alegremente quém quém quém...
NHÃ NHÃ – para comida em geral e banana em particular
BÁÁ- para vaca em especial, mas também para cavalos e ovelhas.
ÃO ÃO para cães, foi das suas primeiras palavras
MÉMÉ – para meninos e meninas
ABOR – tractor, máquina que a fascina
BZZZ – abelhas e moscas
ABÔ – avô
ABÓ – avó
CÓCÓÓ – para avisar que tem cócó ou chichi, ou que quer mudar a fralda

Para além destas (e doutras) palavras utiliza outros recursos vocais igualmente eficientes, entre os quais o grito, instrumento poderoso que a fez ganhar a alcunha da “máquina do guincho”

Veremos como vai evoluindo este processo de comunicação com o mundo...

18 junho 2006

teste...teste...1,2,3...som...teste...

A herança

“A RTP preparou um programa especial para os seus serões. De segunda a sexta-feira, e durante uma hora, vão ser testados os conhecimentos dos portugueses em seis provas onde a perspicácia e o sangue frio farão a diferença.”
in www.rtp.pt

Tradução
Sangue frio = acertar na resposta correcta (“a, b ou c?”, seja qual for o conteúdo) dentro do tempo estipulado
Perspicácia = vaca, paio, mija, ranço, reco, fortuna, ventura, acaso, à toa, sorte

Prelimina-me

Ora digam lá que não é uma palavra bonita?

17 junho 2006

Balada da bela burguesa sem um olho

Chamava-se Marília Bastos
um estilhaço de vidro fez o resto

Mario Cesariny, é sempre um dos nossos

16 junho 2006

Manobra de diversão

Se eu usar decote ninguém repara que tenho uma borbulha no queixo

Raios e Coriscos



Odeio trovoadas!

Uma pergunta




Haverá vida antes da morte?

Alguém pode atirar a primeira pedra?

If it wasn't for marriage, men would go through life thinking they had no faults at all.

Quem me dera ser um átomo


Os átomos não morrem. Ainda andam por aqui os mesmos que apareceram desde o início dos tempos.

Se calhar um dos que está na ponta do meu dedo indicador fez parte do baço de um dinossauro, do sistema digestivo de um mamute, da ponta de uma antena de uma barata, da segunda pétala a contar da esquerda de um malmequer, da asa direita de uma abelha, dum pelo na orelha de uma vaca, da tira de couro do cinto de Viriato, de uma ponte em Abrantes, de uma pedra no rio Tejo, de uma Lampreia, da barriga da minha avó, dos ovários da minha mãe. E agora estou a olhar para ele.

15 junho 2006

Blogovida




Existência mediada por computador.

Cada um dá o melhor de si

Maria era uma rapariga sociável. Ia a festas de amigos, de amigos de amigos, de amigos de amigos de amigos.
Durante alguns anos reparou num rapaz que costumava aparecer nessas festas, fantasiando sobre uma hipotética relação com ele. Mas ele insistia em não notar a sua presença.
De repente tudo isso mudou. Uma noite começaram a falar, e ficaram a falar toda a noite. Maria nem podia crer que aquele semi-deus germinado na sua imaginação estivesse ali, genuinamente interessado nela, e a ser tudo aquilo e mais do que ela teria previsto.
Quase nem acreditava quando ele a convidou para continuar a noite na sua casa; sem medo ela disse que sim. Foi uma noite superlativa, sexo abundante em qualidade e quantidade. Na manhã seguinte ele preparou o pequeno almoço e serviu-a na cama. Tinha de sair para o trabalho, mas deixou que Maria continuasse no remanso da sua cama.
Maria beliscava-se, parecia-lhe incrível que a sua sorte tivesse finalmente mudado. Afinal o homem da sua vida existia, era bonito, inteligente, interessante, bom na cama, e mais que nada, estava muito interessado nela.
Maria sabia que não podia estragar esta oportunidade do destino. Afinal, dizem, o cavalo branco só passa uma vez.
(decidi mudar a continuação da história. quem leu a outra versão leu, quem não leu tivesse lido)
Gozando da oportunidade de estar em casa do príncipe encantado, não resistiu à curiosidade de espreitar o armário para ver as roupas que ele usava. As camisas, as calças, os casacos. Passou para a cómoda. As t-shirts, as camisolas, as meias, as cuecas. Cheirava tudo tão bem.
Foi à casa de banho, lavou a cara, esfregou os dentes com a pasta de dentes na ponta do dedo. Viu-se ao espelho e sentiu-se poderosa.
Decidiu tomar um duche. Procurou as toalhas no armário grande da casa de banho. Encontrou as de bidé, de mãos, de corpo e de pés, todas cuidadosamente alinhadas. Congratulou-se por o seu novo amor ser ordenado como ela. Era decididamente o seu dia.
Quando voltou para o quarto procurou as roupas que tinham ficado espalhadas por todo o lado. As meias tinham ido parar debaixo da cama. Quando se baixou para as apanhar viu que havia uma caixa de sapatos debaixo do colchão.
Lembrou-se que tinha sido educada a respeitar o espaço dos outros, que já tinha sido uma intromissão na privacidade do rapaz espreitar o armário e a cómoda. Mas no fundo este era um homem que ela quase não conhecia, sentiu-se no direito de saber alguma coisa mais sobre ele. Se ele era o homem sa sua vida não ia ter segredos para ela, mesmo que ainda não o soubesse.
Tirou a caixa. Abriu a caixa. Viu o que estava lá dentro. Fechou-a. Vestiu-se. Foi-se embora.
Nem lhe deixou um bilhete de despedida.

Ressaca

Existe pior palavra que esta?
Deixe a sua resposta em baixo (que vou ali tomar um guronsan e já volto).

A parte é maior que o todo

Penso e penso e não consigo descubrir porquê toda a gente chama americanos aos cidadãos e cidadãs dos Estados Unidos da América. Porquê um só país representa todo um continente? E porque será que a toda a gente lhe parece "normal"?
Da mesma forma, um só género representa a espécie humana, composta por homens e mulheres, mas também isto é visto como normal, até bonito...
E dizem: sempre foi assim, para quê mudar agora?
Talvez tenha chegado a hora de aceitarmos que a normalidade não é neutra, é histórica, politica e social e enquanto continuramos a "dar más poder al poder, más duro te van a venir a joder", como dizem os Molotov.

14 junho 2006

Se sabes olhar, vê. Se sabes ver, repara. - Jose Saramago

The sound and the fury

Hoje ia falar de pensos higiénicos. Não sei se é do tempo, mas em vez disso vieram-me à cabeça estes versos do imortal inglês. Retomaremos a nossa emissão tão breve quanto possível.

Life’s but a walking shadow, a poor player,
That struts and frets upon the stage,
And then is heard no more. It is a tale
Told by an idiot, full of sound and fury,
Signifying nothing.

William Shakespeare, Macbeth, acto 5, cena 5

e agora para algo completamente diferente...

já repararam que mala ao contrário se escreve alam? e que segundo o que pude encontrar num dicionário, alam significa entre outras coisas, "elevar o pensamento", "criar asas; voar"?
claro que com a quantidade de porcarias que nós despejamos para dentro das malas, não levantariamos vôo mais que um metro em altura com tanto peso, mas ainda assim aqui vos entrego a hipótese de envaidecerem e sonharem mais um bocadinho. em como de alguma forma conseguem sempre ser transcendentes, místicas e significativas as nossas manias, até as mais idiotas. isto é que é um mundo que dá para dar a volta a tudo!

13 junho 2006

Santo António já se acabou



Uma nota de compaixão para todos os paramédicos, enfermeiros, médicos e condutores de ambulância de serviço esta noite. Deve ser duro ter de desperdiçar anos de estudo com criaturas a quem se tem de administrar um belo par de estalos e meio litro de soro fisiológico.

Entretenimento forçado

Hoje fui ao teatro ver "the world in pictures" dos forced entertainment . Foi um belo conselho de um amigo, é um dos melhores espectáculos que já vi nos últimos tempos. 2h45 de entretenimento inteligente, superiormente representado, estrutura brilhante.

Um non sense cheio de sentido.

Ipse dixit

Fotografia: direitos reservados

12 junho 2006

A mala

Estive a passar em revista este blogue e descobri que ele pode parecer um logro a quem o visita. Diz ser um blogue de uma trintona com personalidade múltipla ou de oito e coisa nove e tal mulheres e, afinal, quase não se dá por elas. Falta futilidade, falta conversa sobre vernizes, tampões e pensos higiénicos, homens, sapatos, todas aquelas minúsculas aventuras quotidianas que fazem parte das nossas vidas.

Há mais de 30 anos que ouço 'as malas das mulheres são um mistério insondável', 'nas malas das mulheres cabem uma infinidade de coisas (tipo, o mundo inteiro)', 'de certeza que tens isso aí dentro da tua mala', etc, etc, etc. Vou dar então o meu contributo para a elucidação desta questão e esvaziar publicamente o conteúdo da minha mala. Aqui vai:

- 1 carteira com documentos (B.I., NIF, e por aí fora)
- 1 carteira-carteira
- 1 agenda roxa moleskine completamente desactualizada
- 1 penso higiénico e 2 tampões
- 1 mola para o cabelo
- 4 ganchos
- 1 caixa de pastilhas elásticas vazia
- 2 isqueiros (um vazio e outro que ainda funciona)
- 1 maço de cigarros
- 2 canetas
- 2 pacotes de adoçante (vá-se lá saber porquê)
- 1 PT Card esgotado (quase de certeza)
- 3 cartões
- 2 papeis amarfanhados com anotações IMPORTANTES
- o meu telemóvel
- 1 escova de cabelo
- 1 caderno de notas (muita giro!)
- vários cupões do Minipreço (oops, publicidade)
- 1 baton para o cieiro
- 1 bolsa com comprimidos, preservativos, elásticos e 1 espelho

Bom, e foi isto que encontrei. Como ouvi uma vez no filme 'O Costa de África', "não posso renunciar à mala". MESMO.

E vocês, o que têm na vossa mala?

11 junho 2006

Ermesinde é aqui

Pois é

Prontos, ganhámos...

Fixe...

Humm humm.

Nas imagens da televisão, qualquer incauto poderia pensar que Portugal e Angola tinham empatado, ambos jogadores estavam com ar desanimado no final do jogo. Já cá fora, nas claques, o incauto ficaria confundido, Portugal parecia ter perdido e Angola parecia ter ganho.

Pois é, tudo depende da perspectiva com que se olham as coisas.

Blogame mucho


Aqui fica o recado.
E a indicação do lugar que deu origem ao título desta posta.
Verdade seja dita.

hell is the impossibility of reason

onde estás?
consegues ver-me?
consegues ler-me nos olhos a "impossibilidade da razão" quando me amas?
consegues interceptar nos meus movimentos aquela típica característica felina, em câmara lenta cautelosa, quando me dizes baixinho ao ouvido que sou tudo para ti...?
sabes de cor o meu sabor mesmo quando não saibo a nada?

...porque eu nem sempre me vejo...
...nem sempre me sinto...

onde estás?
consegues evitar a tempestade mesmo que eu não a anuncie?

A santíssima humanidade

"Deus é uma invenção do homem. Por isso, a natureza de Deus é apenas um mistério superficial. O mistério realmente profundo é o da natureza do homem".

- Nanrei Kobori, abade budista, em conversa com Carl Sagan (in "Sombras de antepassados esquecidos")

Andei a ler por aí divagações sobre a existência de Deus e sua localização (onde estava Ele quando aconteceu isto ou aquilo). Normalmente, as pessoas apenas questionam a Sua existência e geografia na desgraça.

Mas em verdade vos digo, se Ele existir está em todo o lado e em lugar nenhum. Tem mais que fazer do que andar a ocupar-se em limpar o rasto de merda que o homem vai deixando atrás de si.

A grande questão é: Onde estão os homens quando há fome no mundo? Onde estão os homens quando há limpeza étnica? Onde estão os homens quando há desigualdades sociais, injustiças, violência doméstica?

Onde raio está o homem quando tudo isso acontece?

Estranhamente (ou não) a resposta é a mesma que para Deus: em todo o lado e em lugar nenhum.

E assim se acaba de provar que Deus foi feito à imagem e semelhança do Homem. Como queríamos demonstrar.

(No entanto, continuo a escrever o Seu nome com maiúscula. Não vá dar-se o caso de estar errada...).

Bacalhau contra Moamba


fotografia aqui

É hoje!

10 junho 2006

To Have and Have Not

Slim: Okay. You know you don't have to act with me, Steve. You don't have to say anything and you don't have to do anything. Not a thing. Oh, maybe just whistle. (She opens his door and pauses.) You know how to whistle, don't you, Steve? You just put your lips together - and blow.
He continues to remain seated in his chair, smoking a cigarette. After she has left, he makes the sound of a cat-call whistle - and then chuckles to himself.
Howard Hawks, 1944

Cinzas e neve

Nos teus olhos o reflexo da minha expressão incrédula...

Talvez das coisas mais belas que já tive a sorte de ver até hoje, na forma de um site em www.ashesandsnow.org.

Um must. E o sabor na minha cara, já salgado.... Incontrolável o jorrar de emoções... Impossível passar ao lado. Visitem.

09 junho 2006

Estou com procrastinação activa

Não há tabela de programação de actividades que me valha.

Boletim clínico: 09.06.2006

A paciente fugiu da enfermaria. Deixou bilhete: "Citando Barthes, que se lixe". Comunique-se às autoridades. Risco de contágio.

Respirar II

Fotografia: direitos reservados

08 junho 2006

O Difícil Parto da Lei da Paridade


A questão da lei da paridade não é de todo de ampla aceitação. Comunistas e Sociais Democráticos encontram-se em acordo e acham-na indignificante para as mulheres. Pelos votos do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda, conseguiu a duras penas ser aprovada para esbarrar por fim, no veto do Presidente da República.

Tenho ouvido várias pessoas, algumas tradicionais defensoras dos direitos das mulheres estarem de acordo com o veto à lei e outras aprovar com a cabeça num silêncio afirmativo e algo provocativo. Sentem-se divididas, por um lado acham que as mulheres têm tanta ou mais competência para exercer cargos políticos, por outro acham que ter uma lei que a isso obrigue não vai trazer consequências positivas, pois o partidos vão escolher jarras floridas e não mulheres políticas para as suas listas, ou que as mulheres não tem que ser privilegiadas só pela sua biologia.

Não estou de acordo, assim como também discordo com o Presidente da República, quando afirma que esta lei parece “interferir, de forma exorbitante, na liberdade e identidade ideológica de cada partido relativamente à matéria da paridade e limitar a sua autodeterminação política interna em poder organizar as listas de candidatos de acordo com a vontade dos respectivos órgãos eleitos democraticamente”. Gostei particularmente do adjectivo “exorbitante”, que poderia ser traduzido em linguagem popular como “ai minha nossa senhora deus nos acuda”.

Só as leis não são suficientes para mudar as mentalidades da noite para o dia, pois estas andam a passo de caracol gigante, mas são necessárias para orientar o processo de mudança.

A explicação de que as mulheres não participam na política porque não querem é demasiado redutora. Parece dar a entender que há uma espécie de desagrado ou indiferença política congenitamente feminina. E se esquece que só há menos de 30 anos e muito lentamente é que as mulheres têm vindo a tomar parte mais activa na vida política do país ao nível da participação nas estruturas públicas de decisão, um tempo muito curto para os anos e anos de história colectiva de dominação-subordinação entre homens e mulheres, que foi (é) prejudicial a ambos mas em maior intensidade para as mulheres.

Não faltam também na vox populi os tradicionais exemplos da Condolezza Rice ou a Margaret Thatcher como aqueles que melhor ilustram a tirania a que pode chegar uma mulher num cargo com poder. Mas não podemos ignorar que o sistema de poder que tem estado instituído no nosso sistema política, económico e social, tradicionalmente exercido pelos homens, tem condicionado a construção das nossas identidades como homens ou como mulheres, as nossas escolhas sexuais, as nossas escolhas profissionais, domésticas e políticas. Temo-nos convencido que as relações de poder são motores de afago ao ego e não um exercício de cidadania, temos acreditado que a força das armas são uma resposta possível para manter a Ordem Mundial e que os valores das sociedades ocidentais devem predominar sobre todas as outras culturas a que chamamos primitivas ou em vias de desenvolvimento para contrastar devidamente com o nosso mundo civilizado ou desenvolvido. Temos acreditado que o poder é para ser exercido sobre o outro e não com o outro, exerce-se pela força e há que ser duro, implacável e desonesto para aceder a ele, “há que tê-los no sítio” e separar muito bem o trabalho da vida privada, ser bom trabalhador/a e não desiludir a máquina económica que alimentamos com a convicção que é ela quem nos sustenta a existência. Talvez por isso personagens como Bush, Rice ou Thatcher, entre tantos outros e algumas outras, tenham vingado na cena política.

Os exemplos que nos dão experiências da implementação da lei da paridade noutros países, pese embora as suas inevitáveis dificuldades, mostram que a maior representação das mulheres na política é benéfica para ambos os sexos e permite tornar o sistema político mais representativo da vida. A implementação desta lei permitiu num tempo não muito curto que se fizessem sentir mudanças na representação e na qualidade da vida política. Até pode ser que num primeiro momento de aflição os partidos políticos escolham a primeira D. Albertina que lhes apareça e lhes digam que no intervalo entre a novela das 11 e as 5 da tarde dê ali um saltinho à Junta de Freguesia ou ao Parlamento, junto com o Sr Manel que lá está entre uma jogatana com os amigos e o jogo do Benfica, mas até nem estou tão descrente dos nossos partidos políticos, acredito que mais cedo que tarde, uma série de mulheres com vontade de participar nas decisões políticas do nosso país e das suas comunidades encontrariam o espaço que vêm procurando para poder assumir-se e exercer-se como sujeitos políticos que (também) são.

Numa sociedade sem representação política das mulheres será muito mais difícil construir sociedades onde o espaço privado e o público possam ser valorizados de igual forma. Será muito mais difícil reconhecer a importância que o trabalho reprodutivo (as tarefas domésticas, o cuidado de crianças e idosos, etc.) têm para a nossa vida pessoal e para a economia do país, e permitir que tanto homens como mulheres possam viver mais integralmente todos as âmbitos da vida.

A Democracia não é um estado ideal, é um estado possível, inscreve-se nas circunstâncias e contextos de cada país e cada comunidade, e também nas das suas mulheres e dos seus homens, é feita, refeita, ensaiada. E numa democracia não se pode subrepresentar mais de 50% dos cidadãos.

Por tudo isto, não posso estar de acordo com a interrupção ao parto da lei da paridade.

Protesto.

Cinderela revisited


Há bués da times, havia uma garina cujo cota já tinha esticado o pernil e que vivia com a chunga da madrasta e as melgas das filhas dela.
A Cinderela, Cindy p'ós amigos, parecia que vivia na prisa, sem tempo para sequer enviar uns mails. Com este desatino todo, só lhe apetecia dar de frosques, porque a madrasta fazia-lhe bué da cenas. É então que a Cindy fica a saber da alta desbunda que ía acontecer: Uma party!!! A gaja curtiu tótil a ideia, mas as outras chavalas cortaram-lhe as bases.
Ela ficou completamente passadunte, mas depois de andar à toa durante um coche, apareceu-lhe uma fada baril que lhe abichou uma farda baita bacana, ela ficou a parecer uma g'anda febra. Só que ela só se podia afiambrar da cena até ao bater das 12. A tipa mordeu o esquema e foi prá borga sempre a abrir.
Ao entrar na party topou um mano cheio da papel, que era bom como milho e que também a galou. Aí, a Cindy passou-se dos carretos, desbundaram ól naite long até que, ao ouvir as 12 ela teve de se axandrar e bazou.
O mitra ficou completamente abardinado quando ela deu de frosques e foi atrás dela mas só encontrou pelo caminho o chanato da dama.
No dia seguinte, com uma alta fezada, meteu-se nos calcantes e foi à procura de um chispe que entrasse no chanato. Como era um alta cromo, teve uma vaca descomunal e encontrou a maluca, para grande desatino das outras fatelas que ficaram anhar.

Fim.

Hoje fui ao tapete

Fotografia: direitos reservados

07 junho 2006

o chá quente do deserto no parque dos índios

O calor vai entrando em vagas dentro da mesa amarela. Apoio-me para a corrente do que já adormeci poder levar um maravilhoso ramo de flores com um sorriso e um vestido à sala onde me esperam.

Gostava imenso de, assim sem dar muito por isso, ir lá, dizer umas coisas e vir-me embora. Assim sem dar muito por isso.

São sete pessoas sentadas juntas e formam um quadro até agradável. Rosas, tulipas e champagne enfeitam os corredores que desembocam na sala.

As pessoas: quatro mulheres e três homens. As pessoas: quatro mulheres, dois homens e dois adolescentes. Entreolham-se e sabem que o que vai acontecer não depende assim muito delas. Daqui não me vêem. Deixo que me imaginem muito melhor, atarefada com a sua noite. O que resta. Continuo apoiada na mesa amarela que já me queima. É bom.

Os outros mexem-se e remexem-se, procurando-me com os olhos mesmo muito secos. Cada um deles me espera de sítios diferentes.

Posso voar por cima deles com o calor e o champagne que fui entornando na mesa e lambendo.

Ouço que os filhos deles se encontram em fases diferentes entre usar fraldas e deixar de o fazer. Eles comparam experiências e trocam conselhos, truques e dicas.

O adolescente vai olhando para a minha música sem grandes surpresas. Como eu para ele. Só que eu posso voar.

Viva a democracia e quem nela vive

- Estou, boa tarde, olhe eu queria saber se o debate que se segue ao filme é aberto a toda a gente ou apenas ao público da sessão.
- É aberto a toda a gente.
- Então posso chegar só para assistir à mesa redonda?
- Sim, mas tem de comprar bilhete na mesma .
- Desculpe?
- Mesmo que venha só para o debate tem de comprar bilhete para a sessão .
- Pensava que tinha dito que era aberto a toda a gente.
- Sim, a toda a gente que comprar o bilhete para o filme .
- Mesmo que não o veja?
- Sim.

Debate “A PIDE e a resistência ao Estado Novo”, no cinema King.

Baby sister (posted on 07.06.1974)



São para ti, baby sister, muitos parabéns!

O touro da praça e a vaca do talho

Fui ao verdade-ou-consequencia, li com muita atenção os vários posts sobre as touradas, a propósito das manifestações contra as ditas. Com alguma perplexidade vi as reacções inflamadas de alguns leitores, descobri que há ganadarias a dar com um pau e forcados são mais que as mães.

Foram levantadas várias questões muito pertinentes, uma das quais é: lidamos bem com o que não vemos.

No outro dia fui ao talho, pedi costeletas de borrego; o senhor disse que ia buscar ao frigorifico. Eu estava à espera de ver aqueles bocados de carne amorosos e deliciosos, mas em vez disso o senhor sacou de um tronco completo, com pescoço caixa torácica e tudo. Podia ser uma pessoa, podia ser eu.

Começou a escortanhar aquilo à minha frente com uma destreza impressionante. Garanto-vos que tive de me controlar para não vomitar mesmo ali à porta.

Eu gosto mesmo muito de carne, mas ver aquele pobre borrego ser estraçalhado fez-me pensar que a diferença entre mim e ele é um mísero degrau na cadeia alimentar.

De outra vez, estava de passagem em Espanha, e tinha de escolher entre carne e peixe para o repasto. Escolhi a carne, sem saber que me vinha na rifa cocido gallego, uma versão do nosso cozido. Deliciei-me com uma parte muito boa perto do osso, quando buscava mais da mesma dei a volta a um osso para descobrir que era um maxilar, com uma fileira de dentes iguaizinhos aos nossos, com cáries e tudo. Aquilo deu-me uma noja!! Mas para não dar parte fraca tapei com uma pele que por ali andava e comi as couves.

A pergunta é: isso fez-me deixar de comer carne? sim, porque se eu quiser de facto defender os direitos dos animais com propriedade não posso comê-los. Então vou andar aos gritos “não matem os touros, coitadinhos dos touros” e depois chego ao talho e peço meio quilo de bifes da vazia? Qual é a diferença entre o touro da praça e a vaca do talho?

Eu cá não gosto de touradas, a única coisa que me faz minimamente vibrar são as pegas de caras porque me parecem democráticas. Um touro, 8 gajos 8, corpo a corpo e está a andar.

Também me parece hipócrita a cena de fazer touradas mas ser proibido matar o touro na praça.

Não é uma causa minha, a da abolição das touradas. Mas por uma questão de coerência as pessoas que andam por aí a manifestar-se contra estas festas populares deveriam pensar no franguinho cheio de anabolizantes e antibióticos, que crescem em espaços exíguos; nas vaquinhas que dão leite e vitelos para os bifes; nos borregos das costeletas; na matança do porco, e por aí adiante.

A única causa que tenho é não usar peles verdadeiras, e nessa sou fundamentalista. Não como leopardo, nem martas, nem chinchilas, nem visons.

Boletim clínico


Motivo do internamento:
Infecção por reticências, agravada por desorientação espácio-existencial, com sintomas de leitura aleatória e citação despropositada.
Prognóstico reservado.

06 junho 2006

Que nome se dará?

Desde sempre que tento fazer as pazes com as más lembranças, este exercício de perdoar, de esquecer, de admitir, perdoar o que fomos que não somos, ou, mesmo que também somos o que fomos, não é fácil.
Indago-me sobre o antónimo de feliz que é infeliz...que nome poderei dar o algo que surge entre esses dois extremos, ocupado pelo estado de não estar feliz, sem ser necessariamente infeliz, creio que se esqueceram de inventar um nome para esse sentir.
Aprender a deixar partir o que não quer ficar, aprender a partir, aprender a deixar, aprender a deixar de pôr palavras onde faltam gestos...
Tudo mudou uma vez, e outra, e ainda outra vez, num processo que parece nunca acabar. Será que é isto mesmo a vida nos oferece? A oportunidade de podermos transformar tantas vezes quantas quisermos a maneira como decidimos vivê-la, apesar do tempo limitado? Ou obriga-nos a seguir os ditames da sorte, retirando alternativas, forçando decisões?
Não sei, ainda não consegui definir se sou eu que controlo a minha vida ou se vou apenas seguindo os caminhos que me são apontados.
Decididamente, a minha vida não está como eu a imaginei, não tem que ser mau...é, simplesmente é! Não, não vou "dizer" aquilo que sinto. É melhor sentir aquilo poderia dizer...
Pensaste já, ó Outra, quão invisíveis somos uns para os outros? Meditaste já em quanto nos desconhecemos? Vemo-nos e não nos vemos. Ouvimo-nos e cada um escuta apenas uma voz que está dentro de si.
As palavras dos outros são erros do nosso ouvir, naufrágios do nosso entender. Com que confiança cremos no nosso sentido das palavras dos outros. Sabem-nos a morte, volúpias que outros põem em palavras. Lemos volúpia e vida no que os outros deixam cair dos lábios sem intenção de dar sentido profundo.
A voz dos regatos que interpretas, pura explicadora, a voz das árvores onde pomos sentido no seu murmúrio - ah, meu amor ignoto, quanto tudo isso é nós e fantasias tudo de cinza que se escoa pelas grades da nossa cela!"

Bernardo Soares, Livro do Desassossego.

Quanto tempo o tempo tem?


Quando se tem um emprego, dizem-te que tens que cumprir pelo menos 7 ou 8 horas laborais(contudo, posso dizer que é raro encontrar quem não trabalhe mais que as horas estabelecidas pela lei). Se dormirmos 8 horas como é recomendado pela OMS, ficam 8 horas das 24 que estipulámos como as horas de um dia. É bastante provável que levemos 2 horas em transportes para irmos trabalhar. Ficam 6. Se dedicamos, mínimo dos mínimos, 3 horas por dia aos ofícios domésticos, e ressalto que isto é todo um mundo que vai desde acompanhar os filhos e filhas ou outras pessoas a nosso cargo, nas suas variadíssimas necessidades, a fazer as tarefas domésticas (lavar roupa e louça, cozinhar, limpar, arrumar, pagar contas, fazer compras, etc, etc, etc.) sobram-nos menos de 3 horas para estar com o nosso companheiro ou companheira, com os amigos e amigas, ter uma vida política e construir o país em que vivemos, ter hobbies, namorar, ir ao cinema, comer um gelado, não fazer nada, masturbar-te tranquilamente sem que nada te interrompa, entre outras actividades que temos os humanos. Tudo isto claro, se contamos com alguma “sorte” e não temos que ter mais ou dois trabalhos remunerados para poder ajustar o orçamento doméstico ao estreito molde da sobrevivência quotidiana.
Tem graça fazer contas à vida e ao tempo, ver a impossibilidade de estruturar a vida da forma como foi pensada para nós por este sistema económico e político em que vivemos, e por nós também, pois de alguma forma aí estamos e contribuímos para as mudanças ou estacamentos sociais. Tem graça ver a quantidade de actividades que temos que comprimir no limitado tempo que nos sobra depois do trabalho remunerado. E ainda nos sentimos culpados por não tempo.
Trabalha-se para ganhar a vida e gastamos a vida que ganhamos a trabalhar para ganhar a vida.
A que horas nos deixámos convencer que as contas ao tempo não podem ser feitas de outra forma?

És cá dos meus III

Quando alguém parte, tem de deitar
ao mar o chapéu com as conchas
apanhadas ao longo do Verão,
e ir-se com o cabelo ao vento,
tem de lançar ao mar
a mesa que pôs para o seu amor,
tem de deitar ao mar
o resto do vinho que ficou no copo,
tem de dar o seu pão aos peixes
e misturar no mar uma gota de sangue,
tem de espetar bem a faca nas ondas
e afundar o sapato,
coração, âncora e cruz,
e ir-se com o cabelo ao vento!
Depois, regressará,
Quando?
Não perguntes.

Ingeborg Bachmann, és cá das minhas.

05 junho 2006

Fim da tarde

Trabalho numa mesa no terraço, o sol já não queima, ouvem-se os motores de rega ao longe, o rio hesita entre subir e descer, a água corre aqui ao lado na fonte e tudo poderia ser tão simples se não fosse tão complicado.

A melhor carta é aquela que nos lê a nós....

"(...) Esta carta de amor é um excesso (e isso prova superiormente que é uma carta de amor) : eu amo não a ideia de amar-te (durante muito tempo, eu julguei que era apenas isso), mas a ideia de perder-me no meu amor por ti. E mesmo amar-te é um excesso, porque tudo aconselharia que eu me limitasse a mistificar-te, que é a melhor forma de evitarmos enfrentar a realidade.

Porque a realidade, aqui, é como uma dor difusa, tu sabes como é, um incómodo ainda não localizado, que progressivamente se vai definindo e acertando, até que, insuportavelmente nítida, a sua imagem se nos impõe como uma evidência. A minha dor é que eu comecei a amar-te, sem o saber, durante aquele breve período de tempo em que sair de casa era a promessa reconfortante de ver-te e falar contigo. Eu não sabia, repito, mas o tempo ajudou-me a definir essa pequena dor, tão secretamente pavorosa: cada vez que estou contigo (cada vez mais, meu amor, cada vez mais) é como se a minha vida se virasse do avesso. E é verdade, é cada vez mais verdade, que, quando penso nas coisas que ainda me falta fazer na vida, é em ti que penso. E tenho medo, como um animal que instintivamente foge do que sabe não poder atingir.

Eu penso em ti, ainda mais do que te digo, e tu estás em tudo, mesmo quando não te penso, tu és a grande razão, o horizonte sem nome que constantemente se desenha na minha imaginação de mim. Há uns anos, este seria o momento de desmontar o discurso desta carta, de te mostrar os subtis mecanismos da alma e da máscara, de desdizer ironicamente o que já disse, de insinuar que, afinal, as-coisas-talvez-não-sejam-exactamente-assim. Mas as coisas são exactamente assim, e a carta, que poderia transformar-se num confortável exercício paródico, é, inevitavelmente, uma agonia e um embaraço. Esta carta é um acto de puro egoísmo, que eu até talvez nem tivesse o direito de praticar. É-te incómoda, necessariamente, e isso bastaria para que eu me abstivesse de a enviar, dentro de um envelope azul. Mas o azul fica-te tão bem, e as cores todas ficam em ti como tu ficas no mundo: exactamente.
Mas, repito: esta carta é um acto de puro egoísmo, é como se não tivesse destinatário. E, no entanto, é preciso enviá-la, para que seja uma carta de amor, para que faça sentido como carta. Para que seja amor. Mas podemos imaginar uma saída elegante: para que possas conservá-la como pura carta de amor, quero eu dizer, sem o embaraço de saberes que ela te foi escrita por alguém que não amas, não a assino. Dou-te tudo: até a hipótese de esta carta não ter sido escrita por mim.

(E não, esta carta não pode ter sido escrita por mim. És tu – em mim – que me faz escrever o que eu não escrevo. E isso é – de novo – o melhor de mim)" .

"O Amor" de António Mega Ferreira

E mais nada

O Amor é paciente, é benigno; o Amor não é invejoso, não trata com leviandade, não se ensoberbece, não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal, não folga com a injustiça, mas folga com a verdade. Tudo tolera, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O Amor nunca falha.

in Primeira Epístola de S. Paulo aos Coríntios, capitulo 13

Há dias assim

Há dias em que não nos apetece ver ninguém, falar com ninguém, ouvir ninguém. Mais – que ninguém nos veja, nem fale conosco nem nos oiça. Ficar assim, numa solidão completa cheia de secreta soberania.

E nessa solidão uma multidão de eus de dedo no ar, opinativos e afirmativos, querendo impor-se aos outros. Moderadora de mim mesma, das minhas diversas facetas e personalidades.

De vez em quando ganha alguém, mas o problema começa quando há empates técnicos. Quando se consegue ver as vantagens de algumas formas em relação às outras, mas mutuamente exclusivas. Necessário decidir. A qual deles se dá voz e corpo?

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rewind; delete; erase; cut; copy; paste; crtl-alt-del; reset; reboot; kill all (em linguagem unix).

Ainda não consegui importar e executar nenhum destes comandos na minha vida. Vírus? Bug? Falha técnica? Definitivamente, estou a precisar de esvaziar a reciclagem, de fazer uma limpeza aos ficheiros temporários e de desfragmentar.

A Perda de mim

Perdi-me algures… Morro um pouco todos os dias. Todos morremos, eu sei! O problema é que o sinto, lentamente, como se o ar se esvaísse...

O meu coração terá avariado? As eternas divagações do problema que julgamos sem solução, o problema que nunca se vai resolver, mas que também não mata de uma só vez. Todos os dias amo menos, sinto menos, sofro menos…

Ontem apreciei a noite de rostos de incógnitos e música no ar, os copos sobre a mesa e o prazer das companhias e pensei em ti, na cumplicidade, tu ias ler o meu olhar, tu ias decifrar a minha expressão, podes libertar esse meu manual de instruções? Já não te faz falta, faz-me a mim… Perdi-me algures…

Não consegui preencher os silêncios que inundavam este meu espaço infinito de palavras sem voz… Mas tu ouviste não ouviste? Tu sabias ouvir o meu silêncio… Eu sei… Eram urgentes as palavras… Eu sei…

Numa certa altura dá-se tudo desde que não se dê a intimidade, a privacidade a entrega. Desde que não se revelem as coisas que nos aceleram o coração, que nos façam sentir…Mas… eu senti, às vezes não sei se tu alguma vez soubeste o quanto senti e o quanto ressenti por não ter tido a coragem de ecoar-te palavras… Perdi-me algures…

04 junho 2006

Sociedade perfeita II


Eu e Tu.
fotografia: direitos reservados

momentos de azul

Ali estava eu... Um belo domingo entornado a meus pés, a escorrer rua abaixo e à direita, naquela curva estreita onde nunca vejo ninguém passar... A música ainda quebrada, a tempo, ainda febril na minha cabeça, a escrever o caminho até casa.

E ainda a madrugada quase toda à minha frente para te descrever o quanto estar aprisionada no seio desta corrente sonora em tons de azul incandescente, me tonifica os membros, as mãos, os pés, a coluna vertebral e me define, indiscutivelmente.

rock in rio da minha janela

Ouve-se o rock in rio em minha casa. Não é muito perto, mas basta que o vento venha de sul para que se oiça aqui, entra pelas janelas adentro.

Neste momento estão a passar os Blur com uma batida techno (ainda se diz assim?). Mais cedo foram os Da weasel, ouviu-se o retratamento com uma limpeza. E grátis.

Do outro lado da minha casa há uma escola primária. Para comemorar o dia da criança puseram a malta toda no recreio e música aos berros. Não entendi se era uma estratégia para amolecer as criaturas, mas é no mínimo estranho ver um pátio cheio de miudos a brincarem ao som do "una mano en la cintura, un movimiento sexy, un movimiento sexy, ahora impieza a menear!"

Enquanto tentava abstrair-me para continuar a trabalhar, a afastar pensamentos de belgas e casas pias, mudaram a música. Desta foi "suavemente besame, quiero sentir tus labios besandome otra vez". Achei que era pessoal. Saí de casa e só voltei no fim de semana, sabendo que aí o unico barulho que me poderia incomodar seria o dos pombos.

Os pombos são dos animais mais nojentos que conheço. Pensei em lançar o boato que a gripe das aves teria já entrado em Portugal, tendo sido detectado num dos ditos bichos o famigerado H5N1 - achei que seria o suficiente para levar à exterminação compulsiva dos ratos alados que infestam a cidade de Lisboa. No entanto alguém me disse que seria possível causar o pânico na cidade, o que nem por isso me demoveu. Fez-me sentir que poderia ser elevada à categoria de Orson Welles portuguesa, que é no mínimo um elogio do caraças. Ainda estou a pensar no assunto. Se ouvirem falar numa notícia que se assemelhe a qualquer coisa que acabei de escrever, cuja fonte foi oitoecoisa (nome fictício), sorriam e não se preocupem. Quer dizer que estive a trabalhar para o bem comum.

Todos os dias

Eu contra eu
Grandioso combate de pesos pluma

Respirar I

Queria lembrar-me de ti e começo pelas tuas mãos, pelo tamanho, pela cor, pelo peso da tua mão quando me tocava. Às vezes ando na rua e descubro-te onde não estás, onde não podes estar, o mesmo andar decidido e leve, uma cor de cabelo ao longe, o som dos passos.

03 junho 2006

ida de compras


Hoje fui às compras ao Feira Nova, queria ir comprar fruta e legumes para o fim de semana e acordei tarde de mais para ir à praça. Nunca tinha entrado nesse hipermercado, em geral as grandes superfícies assustam-me um pouco, são demasiado grandes e parece que têm demasiada oferta e é fácil deixar-me seduzir. E hoje qual não foi o meu espanto ao ver que entre pelo menos 50 variedades de frutas e legumes, apenas 3 eram made in portugal, o resto era tudo da frança, espanha, argentina, chile, brasil, etc. Será por isso que dizem que a nossa agricultura está em crise, será que não temos produtos nossos para comercializar ou que o que vem de fora é mais chic?
Ai portugal, dar-te conselhos é bem pouco original mas eu por mim já decidi, vou continuar a ir ao mercado do meu bairro, para a próxima acordo mais cedo...

Gosto de pessoas assim

Gosto de pessoas de olhos verdes.
Gosto de pessoas de poucas palavras.
Gosto de pessoas discretas.
Gosto de pessoas que gostam de gatos e de cães.
Gosto de pessoas que dizem 'algibeira' em vez de 'bolso', 'claxon' em vez de 'buzina' e que dizem 'rapaziada', mesmo quando se referem a um grupo de septuagenários.
Gosto de pessoas que usam expressões como 'estás com a mosca' ou 'ir na bisga'.
Gosto de pessoas que vêem jogos de futebol na televisão de auscultadores, ouvindo o relato na rádio em simultâneo.
Gosto de pessoas que ouvem emissões de rádio em onda curta, onda média e onda longa.
Gosto de pessoas que acumulam pilhas de livros sem nunca as arrumarem nas estantes.
Gosto de pessoas que compram camisas em Miami sem serem foleiras.
Gosto de pessoas que dizem que a sua bebida preferida é água tónica, com gelo, limão e umas gotas de gin.
Gosto de pessoas que atendem o telefone e dizem: 'estou sim, faz favor'.
Gosto de pessoas que reconhecem e valorizam a inteligência infinita das mulheres.
Gosto de pessoas que têm uma bolsa de valores sólida e segura.
Gosto de pessoas que parecem não pertencer a um espaço e tempo fixados.
Gosto de pessoas que me ensinaram a experiência magnífica do amor, da amizade e da lealdade.
Gosto de pessoas que sempre gostaram de mim.

E por isso - e muito mais - tropeço todos, todos, todos os dias na saudade de pessoas assim.

És cá dos meus II

Triângulo kabalístico

Eu sei que as túlipas
são os olhos de todos os aviões perdidos.

Eu sei que as cidades
são os esqueletos das aves de rapina.

Eu sei que os candeeiros ardendo de noite
são os pulmões dos peixes-voadores.

Eu sei que o mistério
é uma dentadura abandonada.

Eu sei que a loucura
é um braço solitário sorrindo eternamente.

Eu sei que os meus olhos
são as tuas pernas frementes.

Eu sei que os teus cabelos
são o meu acendedor de pirilampos.

Eu sei que a tua boca
é o meu uivo solar.

Eu sei que o teu peito e o teu sexo
são a minha água profundamente azul
onde se encontram todos os fantasmas
já perdidos há séculos.


Mário Henrique Leiria, és cá dos meus.

As regras do jogo

Eu: Não consigo entender as mulheres que se metem com homens mulherengos, dá sempre mau resultado.

Amigo: Mas há quem goste. Há mulheres que gostam de sair com homens assim porque lhes dá um extra kick. Porque enquanto dura aquele período de sedução eles lhes dão a sensação de exclusividade, fazem-nas sentir únicas e desejadas.

Eu: Não consigo entender, porque é tudo uma encenação, uma mentira, um logro.

Amigo: Mas elas sabem que é assim, sabem quais são as regras do jogo, gostam das emoções fortes. Enquanto são o "sabor do mês" sentem-se bestiais. Depois vem o golpe, claro.

Eu: E se uma pessoa não conhecer as regras do jogo? Se acreditar que de facto essa sensação de exclusividade, amor e desejo são verdadeiras?

Amigo: Está lixada.

Eu: Pois (passando o terceiro semáforo amarelo no limite, irritada com as verdades instantâneas que ouviu, sem saber que tipo de homem teve à sua frente. Sem conhecer as regras do jogo).


Um coração partido é das coisas mais tristes de ver e de sentir. Dói mais que morder a língua quando se mastiga pastilha elástica, bater com o mindinho na esquina de um móvel, desvitalizar um dente sem anestesia ou uma cólica renal. Às vezes dói como se fossem estas coisas todas ao mesmo tempo. E ainda não inventaram analgésico que o trate.

Do amor e outros demónios II


O tempo corria, a neve ia-se amontoando em volta da casa, mas continuávamos sós, sempre sós, os mesmos, enquanto lá longe, entre bulício e resplendor, multidões se afanavam, sofrendo e gozando, sem pensar em nós nem na nossa existência que fugia.
O pior era sentir que o costume nos encadeava a uma forma determinada de vida, que o nosso sentimento deixava de ser livre, ao submeter-se ao fluir do tempo, uniforme, sereno. Pela manhã estávamos alegres; ao meio-dia dignos, e à noite, ternos.
L. Tolstoi, A Felicidade Conjugal

02 junho 2006

Do amor e outros demónios I











Es verdad


¡ Ay que trabajo me cuesta
quererte como te quiero!

Por tu amor me duele el aire,
el corazón
y el sombrero.

Quien me compraria a mí,
este cintillo que tengo
y esta tristeza de hilo
blanco, para hacer pañuelos?

¡ Ay que trabajo me cuesta
quererte como te quiero!

Federico García Lorca

A tua mãe é tão feia...

Uma vez, quando era criança levei a minha casa uma amiguinha da escola. Era sábado, a minha mãe andava na lida da casa, a carregar e a lavar a roupa de 5 pessoas, com o cabelo desgrenhado, com roupa de fazer limpezas. Apresentei-as e quando a minha mãe se voltou, a minha amiga disse-me: “a tua mãe é tão feia!”. Fiquei triste, furiosa, com raiva, deixei de chamá-la amiga. Na sua casa, a sua mãe tinha sempre tempo para fazer “coisas de senhoras”, tomar chá, conversar com as amigas, etc, (actividades que os meus pais criticavam despiadadamente), pois tinham mais dinheiro que nós, a sua mãe não trabalhava e era a avó quem tratava da casa. A minha mãe era economista e professora, trabalhava muito tempo fora de casa e ainda não tinha negociado com o meu pai e com os filhos os ofícios da casa, como mais tarde o fez. E além disso, para tratar da casa não se pode estar vestido como para uma foto, é difícil estar bela e formosa como parece esperar-se das mulheres. E a minha mãe é linda de qualquer forma.
Foi a primeira discriminação de género e de classe que senti, embora na altura não a tenha chamado assim, e foi também aí que decidi que não queria ser uma senhora como a mãe da minha amiga, mas uma mulher como a minha mãe, o mesmo mas diferente...

És cá dos meus I

1970

A minha geração já se calou /já se perdeu /já se cansou /desapareceu
ou então casou /ou então morreu /já se acabou.

A minha geração /de hedonistas e de ateus /de anti-clubistas
de anarquistas deprimidos /e de artistas e de autistas
estatelou-se docemente.


JP Simões, és cá dos meus.

01 junho 2006

Ainda sobre a existência do amor numa versão de um outro eu...

-Viste-o lá? perguntou-lhe Eu 2.
-Vi.
-E então? qual foi a sensação?
-Não sei bem. acho que não foi nenhuma,se queres que te diga.
-Nem um arrepiozinho nas costas, nem uma borboleta no estômago? insistiu Eu 2.
-Talvez só uma borboleta. e magrinha...
Eu 2 deu-lhe o braço e atravessaram a estrada para o outro lado da rua onde ficava o restaurante onde iriam almoçar.
Já não estavam juntas há meses. conversas esporádicas no messenger, alguns telefonemas e pouco mais, mas era como se um só dia se tivesse passado sempre que se encontravam de novo.
Sentaram-se na esplanada a apanhar com os raios do sol já primaveril e pediram o prato do dia.
Eu 1 mexeu o seu café no final da refeição e retirou um cigarro do maço acendendo-o com o seu ar de estrela de cinema.
-De qualquer maneira, -disse pausadamente, aquela pessoa já não faz parte do meu imaginário sequer. foi mesmo só porque o vi.
Eu 2 riu-se.
-Muito bem. e levaste o almoço inteiro para conseguires sair-te com essa?
-A festa estava uma porcaria, disse Eu 1 ignorando o sarcasmo.-Aquilo era um antro de carnivoras a ver quem conseguia aparecer á frente dos flashes primeiro. Claro que encontrei o Sérgio da "foto clic!" também mas já disparava tudo ao lado e já tinha entornado gim nas calças.
-Nunca devias ter saido da revista amiga, esse trabalho deveria ter sido teu.
-Para quê? Para levar com figurinhas daquelas?
-Foste lá ter na mesma. mas desempregada. e tudo porquê? Porque essa besta te quis enfiar as mãos nas calças numa hora de almoço...e tu calaste a boca.
-Não me massacres mais com essa história Eu 2.
-Ok. Tá bem. Irrita-me vê-lo ganhar é só isso. E ele?
-Nada de especial para além de ter sido o porco do costume. passou por mim de raspão e chamou-me boazuda ao ouvido. Ía vomitando.
-Ok, Não me fales mais disso se não me queres ouvir mais. Estava a perguntar por ele mas não esse. Pelo outro.
- Já te disse que ele não me interessa mais, estava lá rodeado dos amigos e da namorada nova, que me interessa isso?
- Mas viu-te ao menos?
-Viu sim. Eu 1 sugou quase metade do cigarro junto com aquelas palavras,-Quando eu ia a sair da casa de banho, ele vinha a passar para ir ao bar. Olhou-me nos olhos. sem hesitar. Eu disse-lhe um olá seguro mas tenho a certeza que ele ouviu a minha voz a tremer. Custou-me muito isso.
-Aposto que ele te disse alguma coisa mais Eu 1.
-Disse...
Eu 1 esborrachou o cigarro com força no cinzeiro de metal dourado. - Disse, "tenho saudades tuas", apertou o meu braço com força e seguiu caminho.
Eu 2 suspirou. -Sempre oportuno.
-Não me interessa. Não me interessa mais.
-Ele viu-te. agora vai querer ligar-te.
-E que tenho eu com isso? achas porventura que lhe atendo a porcaria do telefone?
Eu 2 ficou calada a fitá-la durante uns momentos.
Eu 1 abriu o maço com as mãos ligeiramente trémulas , -Eu sei.Eu também acho...

Sociedade perfeita I


Sobre a existência do amor

Eu 1: Acabo de ter uma epifania. O amor verdadeiro não existe.

Eu 2: ???

Eu 1: Não existe, simplesmente não existe. Foi uma invenção mantida ao longo dos anos pelo livros e filmes, querendo fazer-nos crer a nós, tontas românticas, que existe. E em nome desse tal de amor verdadeiro, que traz borboletas e estrelas e sei lá que mais, nós as tontas deixamos os homens bons da nossa vida à procura dessa tal merda maior que não existe. E nessa merda dessa busca damos cabo de pessoas bestiais, e damos cabo de nós mesmas a darmos tempo de antena a estupores de merda. Que como são inteligentes e viram esses mesmo filmes e livros e sabem o que raio nós queremos, vão entrando e fazendo-se passar pelo tal de amor verdadeiro. E depois ficamos agarradas, porque os espertalhões que vendem o amor verdadeiro não o têm para dar e os que o têm para dar não o publicitam. O mundo está todo ao contrário.

Eu 2: Estás doida. O que é que andaste a beber hoje?

Eu 1: Não vês que eu tenho razão? Isto pode estar a soar a uma grande maluquice, mas acho que é a das conclusões mais acertadas a que já cheguei na minha vida. Se calhar até fundo uma nova religião. O amor morreu, viva o amor. E aprendemos a construir um novo. Ou a reconhecer aquele que vale a pena. Mas sempre sabendo, e tendo sempre bem presente, que o tal do amor verdadeiro não existe, que nunca existiu, que nunca ninguém o viu, que nos enganaram estes anos todos. Que isto foi tudo uma grande aldrabice. Mas olha, mais vale tarde que nunca. E ainda bem que percebi isto. Se calhar escrevo um livro para explicar isto às pessoas, o que é que achas?

Eu 2: Acho que estás doida. Acho que estás completamente doida.

Eu 1: Olha lá, não sabes dizer mais nada?!

Eu 2 (respirando fundo): Acho que o amor existe, que não é invenção nenhuma. Que dá muito trabalho a encontrar, a manter, a distinguir o importante do acessório. A não nos deixarmos toldar pelas nossas inseguranças. Topas?

Ganhar e perder

Eu sou competitiva, não há qualquer espécie de dúvida. Mas mesmo quem não o seja gosta de ganhar. Não há nada a fazer, mesmo que se diga “ganhar ou perder é sempre desporto”, se ganharmos é melhor do que se perdermos.

No entanto, não dou saltos mortais quando ganho o que quer que seja. Mesmo que o windows lance fogos de artifício quando ganho uma partida de spider, eu não vou propriamente ligar às minhas amigas quando isso acontece.

“finalmente, consegui ganhar o spider com quatro naipes!” e elas, todas contentes, “sempre acreditámos em ti, continua!!”

Ou se ganhar as rifas dos bombeiros voluntários de alpiarça de baixo. Ou se for eleita administradora do condomínio. Ou se fizer o sudoku difícil da ultima folha do jornal.

Mesmo para a competitividade e sede de vitória existem limites. Ou não...

No outro dia vi um bocadinho dos globos de ouro. É um prémio dado pela revista Caras e SIC, em que os nomeados são votados pelos leitores da dita revista – o que, desde logo, faz com que não haja sufrágio universal, porque por muito que eu goste do Bernardo Sasseti não vou comprar a revista para votar no tipo. Mas ele lá estava na audiência a ver se pingava alguma coisa... adiante.

Ao ser-se escolhido entre quatro pelos leitores da supracitada revista faz de imediato perder qualquer alegria de reconhecimento pelos pares ou do público em geral, porque por muito que se esmifrem, a gente que compra a caras não é o público em geral.

E no entanto...

Vi duas pessoas a receberem prémios. E ambas exprimiam uma alegria no corpo e exaltação nas palavras que me surpreendeu. Ambos disseram “custou mas foi”. Ambos disseram “é bom ver o nosso trabalho reconhecido”.

Se de facto foram os leitores da revista a escolhê-los não consigo ver como possa isso ser uma alegria. São as mesmas pessoas que querem saber quem vai para a cama com quem, quem deu estalos a quem, quem se divorciou de quem, a quem morreu o pai, a mãe, o periquito ou o canário. São as pessoas que compram se houver fotografias de paparazzi, que querem saber quanto pesa e mede a filha da Catarina Furtado, se a Alexandra Lencastre tem distúrbios alimentares ou se a Maria Rueff se separou ou não do marido.

Qual é o gozo?! Finalmente o quê?!

UM CARNAVAL HISTÓRICO

Mas para que raio interessa afinal, que santo graal realmente signifique sangue real e que a moça de facto tenha produzido descendência aqui há coisa de 2000 anos atrás? Então não é óbvio que na impossibilidade de ter acesso a uma amostra de DNA do suposto pai, qualquer filho da dita apenas ficaria unicamente provado como filho dela e para sempre um bastardo? E ainda que houvesse alguma amostra de DNA suspeita, como raio se provaria realmente pertencer a tão ilustre alma? Mandar-se-ia a TVI fazer uma reportagem a casa de algum vizinho sobrevivente ou mesmo à tasca de algum Ti Manel daquela época para comprovar se conheciam pessoalmente o senhor dos milagres e se ele costumava pregar por aquelas bandas?
Já não bastava para a Madalena estar sentada à mesa com os seus companheiros apóstolos e chamarem-lhe "gajo" e ainda corre o risco de descobrirem que, para além de ter andado enrolada com o ilustre senhor também lhe metia "os palitos" !!! chiça penico !!
O circo das celebridades não acaba nunca..... qualquer dia ainda conseguem desencantar uma fotografia do descendente real envolvido com uma plebeia qualquer e depois é que são elas.

Quem tem a culpa, quem é?


Hoje vieram-me dizer que a minha filha está muito esquisita, só faz birras, não tem paciência, etc. E como quem não quer a coisa perguntaram: tá tudo bem lá em casa? E eu já me esquecia que os pais é que têm a culpa de tudo, e agora que sou mãe tenho que começar a pensar como é que vou lidar com esta pressão social que já me está a cair em cima... Malditos, até parece que crescer é fácil para alguém, quanto mais para um ser tão recente ainda nestas lides da vida...


... is NOT what you get.