Tic tic tic
Tac
Tic tic tic
Tac. Vai um ponteiro detrás doutro ponteiro, um vai depressa e o outro devagar, dentro de mim a espuma cobre os dias. Tapo a cara com as minhas maos e pela janela aberta de par em par entra uma tensa calma; entra o mundo no seu ritmo descompassado que encobre os nós bem apertados dos poderes que se tentam salvar, como um crocodilo que nada oculto debaixo das águas turvas, alerta a qualquer oportunidade para manter viva a sua vida. As minhas maos tapam-me a cara e protegem-me do medo. Quando abro os braços, sai o mundo de novo para o lugar de onde veio, bem longe de mim, mas sempre a passar, oculto nas àguas turvas de varios sistemas em avançado estado de decomposiçao.
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29 setembro 2010
04 março 2010
Letrafúriapenasalto
Perdi o A do amor que tenho por ti e só encontro o P desta Pena que se instalou no meu Peito. Com o C de Cada vez que abro a porta desta Casa, enContro-me com o I de Impasse, de Incógnita, de Intençoes que demoram a transformar-se em A de Acçoes, de Agora, de Ahhh que Alívio!. Esta casa que já nao é nossa apesar de que ainda a continuamos a habitar os dois e que dentro de pouco (o que é pouco e muito quando todos os segundos relembram o que já nao existe e o que nao pôde ser?) será só minha e com o T de Tempo Terei de a Transformar no meu abrigo aberTo, Tao desejado, ainda que Temido. O F de Fúria persegue-me, ora para dentro de mim disFarçado de tristeza, ora para Fora transformado em R de Raiva contra ti ou de aboRRecimento pelas pessoas e a sua vida. Persigo o L de Liberdade, o S de Serenidade, o A de Alegria e de Amor mas todos eles me fintam e se escondem atrás do S de Salto, de Salto no abiSmo que deSagua em mim.
24 fevereiro 2010
PedraLírioForçaSol
O sol queimava. Juntou toda a força que conseguiu para se esconder debaixo da pedra. Devagar, o caule arqueou-se, as folhas tocaram no chão, até que os estames finalmente sentiram a terra. Parecia um lírio morto. Mas era apenas um lírio que sobrevivia à vida.
07 fevereiro 2010
AcidezCorrenteCalmaCaminho
Não conseguia perceber onde tinha ganho aquela acidez que dissolvia tudo aos seus olhos. Lembrava-se de ter sido outra pessoa, mas também isso se perdia no nevoeiro do caminho. Vagas ideias de sorrisos, de uma alegria invencível, da certeza (ou seria esperança?) de que tudo correria pelo melhor. Mas essa pessoa que fora em tempos era agora pouco mais do que a areia transportada pela corrente do rio, fragmentos que o olho nu não conseguia ver. Olhava-se no espelho e encontrava a mentira que todos à sua volta engoliam: estava na mesma, os olhos, as mãos, a calma dos gestos. Por baixo da pele, corria-lhe nas veias o passado e os seus habitantes. Se alguém pousasse a cabeça no seu peito, descobriria o que há muito sabia: vivia ali um coração forrado a silêncio.
03 fevereiro 2010
CaixaTeclaAuréolaFundo
Janeiro é o mais perigoso de todos os meses. Movida pela vertigem do ano novo, pela vontade de fazer tudo bem no tempo que agora se estreava, decidiu arrumar o armário do fundo. Foi nesses momentos de caos em que empilhava roupas que já ninguém usava, pequenas e grandes inutilidades deixadas ao esquecimento dentro do armário, foi nesses momentos que ela descobriu a caixa. Por baixo de uma gabardine de homem, um cubo de madeira de fecho metálico tocou-lhe no ombro e disse baixinho 'abre-me'. Se calhar não lhe tocou no ombro nem disse nada baixinho, se calhar ela viu uma auréola em volta da caixa, ou se calhar a curiosidade é maior em Janeiro. Sentou-se no chão e abriu o cubo de madeira lisa. Lá dentro, embrulhada em papel de seda, estava uma tecla de piano.Só lhe faltavam oitenta e sete teclas. Estava decidida. Este ano, ia aprender a tocar piano.
29 janeiro 2010
VulcãoMiosótisPinçaRepública
Tinha uns olhos amendoados, verdes cor do mar. Prometiam o calor de um vulcão em frescos lençóis de algodão. Por maciço desejo, as pernas dele correram e da boca saiu um ofegente “olá” à entrada do comboio.
Ia linda, num branco pérola de corte puro, em direcção à boca entreaberta que nem conseguia balbuciar quando ela lhe chegou.
Ele cortou o cordão um dedo acima da pinça e, no regresso, encheu-lhes a casa de miosótis.
Ele cortou o cordão um dedo acima da pinça e, no regresso, encheu-lhes a casa de miosótis.
Nem tantos anos depois, ouvia-a explicar a diferença entre sistemas e formas de governo e as virtudes e defeitos da democracia. “Xeque-mate, cara república: sou um rei com a minha rainha.”
28 janeiro 2010
Livreluzgregocavalo
Tinha vivido em várias eras, conheceu impérios pequenos e grandes em ascensao e em ruina. Um dia escreveu na sua máquina do tempo a palavra democracia. Aterrou na grécia antiga e durante o tempo que lá esteve viveu rodeada de panelas, tachos, filhos, os desejos do marido e os dos seus amos. Programou de novo a sua máquina com a mesma palavra. Foi para paris, ano de 1789, mas nunca soube o que era a liberdade, a igualdade ou a fraternidade, só as panelas, os tachos, os filhos, o homem que mandava nela e no negócio onde todos trabalhavam. Reprogramou a sua máquina com a mesma palavra e viu-se no séc XIX. Desta vez encontrou panelas, tachos, filhos, o tear da fábrica onde trabalhava 14 horas por dia e um homem que todas as noites lhe dizia que o seu corpo e a sua vontade eram sua propriedade. Conseguiu finalmente escapar e insistiu: democracia. Foi parar ao século XXI, votava de quatro em quatro anos, saía de casa para o trabalho onde ganhava menos que o seu colega e onde o chefe lhe punha a mao no rabo cada vez que se encontravam sozinhos, ia do trabalho para casa, onde estavam de novo as panelas, os tachos e o filho que o seu homem lhe fez para ter a certeza que ela o amava. Um dia, mal viu entrar pela janela a luz do sol nao hesitou e programou de novo a sua máquina: papua nova guiné. Assim que chegou, afundou a máquina no mar, despiu-se, montou um cavalo e galopou livremente. Encontrou uma casa abandonada, fez uma horta, uma laqueaçao de trompas, escreve livros atrás de livros e dorme democraticamente com quem quer, quando quer e como quer.
CandeiaAlmofadaMuralhasNocturno
Candeia que vai à frente alumia duas vezes. Imagino alguém velho, muito velho, a medir os passos, a estudar o chão e os buracos que ele tem, num caminho escuro e nocturno onde nada se vê e tudo se adivinha. Imagino alguém que avança aos solavancos. Parece que se guia pela vontade de um caminho alcatifado e inventa almofadas que protejam da queda. Por aqui não, posso escorregar e já se sabe que uma queda tem consequências imprevisíveis, um osso partido, uma nódoa negra, uma dor imprecisa que se estende até à mão que carrega a candeia e a faz despedaçar-se no chão. E sem candeia o caminho é escuro e pode não se ver declives e muralhas. E sem candeia são demais os perigos desta vida.
Irritam-me estas frases cheias de sabedoria. A vida tem de ser mais do que uma lição bem estudada.
Irritam-me estas frases cheias de sabedoria. A vida tem de ser mais do que uma lição bem estudada.
21 janeiro 2010
18 janeiro 2010
PlásticoVidroTimidezAgulha
Quem és tu às vezes, não sei se pareces ou és, às vezes és e pareces, és vidro e pareces plástico, ou então és plástico, mas atiro a pedra estrategicamente e estilhaças como o vidro. Tu em todas as ocasiões em que penso que existir definido com toda a clareza era importante. Eu olharia e eras vidro. E eras mesmo. Tu olharias para mim e eu não seria a linha e a agulha ao mesmo tempo. Seria somente uma ou outra. E seria mesmo. Mas depois percebo que nada pode ser assim. Percebo-o neste momento exacto em que sou inequivocamente a flor desprotegida e frágil a precisar que olhes e vejas uma parede de betão. E esta imprevisibilidade da vida instala-se assim de mansinho na sombra da minha timidez e surpreendentemente dá-me alento.
15 janeiro 2010
TelhadoMarNoiteLaranja
Do cimo do meu telhado vê-se o mar.
Às vezes subo até lá na tentativa de acalmar um espirito turbulento que não reconheço ser meu mas que me habita.
De noite acompanha-me sempre um ser. Sempre.
Um ser que como uma mancha me abraça, fala comigo, ouve-me, deixa-me chorar e rir no seu colo.
Na sua mão, ou algo que identifico como uma mão tem uma laranja, redonda, cheirosa e pouco brilhante.
Nunca lhe pergunto por que tem sempre aquela laranja na mão. Às vezes sinto que há coisas que não se devem perguntar.
Ontem subi de novo ao telhado mas subi sozinha. Lá estava aquela mancha amiga.
Sentada, brincava com a sua laranja como uma criança perdida nos seu pensamentos.
Ontem fui ter com ela, não fui por mim e fui sozinha.
Sentei-me ao seu lado e ficamos em silêncio muito tempo. Encostei-me a ela um pouco e, como velhos amigos que somos, ficamos enroscados a contemplar o mar e os reflexos que a lua nova faz nele.
Perguntei-lhe - Porque tens sempre essa laranja? e ela disse -Esta laranja é tua! Deu-ma e eu recebi-a nas minhas mãos fechadas em concha.
A mancha levantou-se devagar como um velho muito velho que faz tudo lentamente porque a vida se vai acimentando nas suas costas e senti um carinho profundo no seu olhar, ou naquilo que identifico como olhar. E ela, a mancha, foi caminhando lânguida pelos telhados da cidade, com os seus passos largos, lentos, densos.
Ainda tenho a laranja debaixo da almofada...
Sinceramente não sei o que lhe fazer.
14 janeiro 2010
ÁguaFurtivoAltivezSonho
Acordei e tenho sede. Uma sede que não passa, uma sede que foi entrando por mim dentro como um ladrão furtivo. Um ladrão que abriu a porta de um sonho qualquer, talvez aquele em que o rio era feito de barulhos metálicos e habitado por pássaros antigos que se alimentavam de água. Um ladrão feito da sede que se instalou em mim, na esquina do ombro direito e na altivez dos meus gestos ensaiados. Uma sede que invade tudo e me faz beber a água que me arrancará da noite e dos ladrões que a povoam.
13 janeiro 2010
11 janeiro 2010
MadrugadaMorangoMadeixaAntena
A madrugada abriu-se no sol, o sol abriu-se nas minhas mãos, nos teus dedos, nas minhas mãos que varreram as madeixas do teu cabelo, o sol que sabia a uma tarde de morangos, doce, doce, doce, o sol, como uma antena a antever o meu sorriso espelhado no teu olhar soberbo.
10 janeiro 2010
PáTúnelGeiserTerra
Era uma vez uma pá, feita de metal e madeira, que passava os dias a cavar a terra. Na sua vida de pá já tinha conhecido solos argilosos, já tinha suportado terra cheia de pedras e arestas, já tinha carregado terra barrenta que se colava ao seu corpo. Entre o metal e a madeira, a pá guardava restos das terras que tinha escavado, marcas minúsculas que se tornaram a sua segunda pele e que não a deixavam esquecer tudo o que tinha ficado atrás de si.
Com tanta terra conhecida, tanta pedra revolvida, a pá julgava estar preparada para tudo. Mas as pás também se enganam.
Um dia, quiseram usá-la para fazer um túnel. Não era um túnel comum, daqueles que começam num ponto, atravessam por baixo dos nossos pés e reaparecerem num ponto mais distante. A pá espreitou os planos e descobriu que o túnel iria directo ao centro da terra, um sítio habitado por um mar de chamas líquidas, geisers e lava, e por monstros de um só olho e pernas para o ar que povoavam os mapas antigos do mundo desconhecido. Pela primeira vez na sua vida de pá, teve medo do que aí viria. Susteve a respiração e mergulhou num lago de água a ferver. Lembrou-se do poeta e fechou os olhos em frente ao precipício: uma pá não chora nem tem medo. Uma pá escava. Sempre.
08 janeiro 2010
caféalmofadamantaareia
Hoje apareceste, nao sei quem és exatamente mas eras tu de certeza, apareceste nua na cama onde eu dormia com o meu homem, dizias tenho frio, como diz a minha filha quando se quer meter na nossa cama. A tua nudez parecia imensa apesar da tua magreza, o teu sexo depilado era uma montanha majestosa que me invadiu os olhos e me entrou pelo corpo dentro, uma montanha imensa que eu nao era capaz de escalar apesar de todo o desejo de alcançar o teu cume. Convidei-te a deitar e de montanha transformaste-te num imenso areal com dunas. Pedi ao meu homem que brincasse com a tua areia e a transformasse num castelo, que revolvesse as tuas ondas como tao bem o faz comigo, eu nao era capaz, nao sei tocar um corpo igual ao meu, nao conheço o corpo feminino, é para mim um misterio maior que a fisica quantica. Timidamente disse, dá-me os teus pés, e com toda a sabedoria que as minhas maos gretadas sao capazes, massajeei os teus pés devagar, explorando cada milimetro, enquanto olhava deleitada esse areal como uma praia exótica das costas do Indico. O despertador tocou, procurei debaixo da manta e já nao estavas lá, partiste de novo para o fundo do meu inconsciente mas nem as duas chavénas de café que já tomei conseguiram apagar a força da natureza que entrou em mim.
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A luz do candeeiro aquecia a poltrona onde o corpo se afundava despejado de qualquer ideia sentimento ou desejo. Aquele corpo afundava-se todos os dias ao cair da noite quando deixava para trás as obrigaçoes do trabalho, a voz do chefe, o cronograma. Ficava vazio, só o chá lhe dava o calor que há muito tempo deixara de sentir. Um dia olhou para a flor que uma colega lhe tinha trazido e que tinha esquecida na mesa ao lado da chavéna de chá, pensou, um dia vou morrer como esta flor, morrer nao por ter vivido mas porque a deixaram morrer, um dia vou deixar-me morrer. E percebeu que era isso que desde há várias noites vinha fazendo, deixar-se morrer. Levantou-se, abriu as cortinas, abriu a porta da varanda e espreitou a lua tao próxima do seu décimo andar que dentro de 25 anos seria seu quando terminasse de pagar ao banco todas as hipotecas mais o euribor e o tae e o que entretanto se inventasse. Olhou a lua da sua varanda e voou até ela. Viveu intensamente todos aqueles imensos segundos até alcançar a lua nas pedras da calçada.