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02 dezembro 2010
27 novembro 2010
a vida inteira enrolada nos dentes
podia ser outro dos titulos desta crónica que conta em poucas e maravilhosamente tecidas palavras, a vida de tantos pedros, manuéis e joaquinas.
17 março 2009
Notas de uma Primavera antecipada
"Depois de meses e meses de chuva cerrada, a Primavera, com uma persistência vegetal, secreta, conseguira vencer o manto húmido que pesava sobre a cidade. Nas últimas semanas o ar estava ligeiro, aliviado, e era a Primavera, finalmente a Primavera, tal como ela costumava chegar a Lisboa depois de muitas hesitações e de muito trabalho para vencer as nuvens da costa.
As pessoas mal dão por isso. Um belo dia sentem a necessidade de olhar o céu, vêem azul, um azul fino, alegre, e dizem: "Já sei." Depois descobrem as pombas do Rossio e as colinas pousadas diante do rio, cobertas de uma luz macia, feminina; descobrem uma nova forma no andar das mulheres e um novo perfume - nelas e na cidade. E todos regressam mais tarde aos autocarros e a casa. É isso a Primavera: um novo sentido no olhar, uma nova velocidade. "Já se.", dizem as pessoas."
José Cardoso Pires, in Lavagante
30 julho 2008
Sintomas ambiguos
"Foi neste instante que o morgado da Agra de Freimas sentiu no lado esquerdo do peito, entre a quarta e a quinta costela, um calor de ventosa, acompanhado de vibrações eléctricas, e vaporações cálidas, que lhe passaram à espinha dorsal, e daqui ao cérebro, e pouco depois a toda a cabeça, purporeando-lhe as maçãs de ambas as faces com o rubor mais virginal. (...) Duas enfermidades há aí cujos sintomas não descobrem as pessoas inexpertas; uma é o amor, outra é a ténia. Os sintomas do amor, em muitos individuos enfermos, confundem-se com os sintomas do idiotismo. É mister muito acume de vista e muita prática para discriminá-los. Passa o mesmo com a ténia, lombriga por excelência."
in A queda de um anjo, de Camilo Castelo Branco
22 setembro 2007
Múltiplos livros
Desafiou-nos o jpn para uma corrente de livros. Nós, que até somos raparigas de nos ficarmos nestas coisas, apesar de já nos ter fugido o pézinho para o chinelo da resposta, desta vez damos luta. Vamos responder. Surpreendendo tudo e todos, incluindo nós mesmas.
Tratando-se de um blog colectivo, preparámos um jantar e estivémos até às 3h e picos da manhã a discutir o assunto. Na realidade, qualquer desculpa é boa para estarmos juntas e conversarmos. Livros não nos parece má ideia.
Decidimos, então, distribuir a coisa por categorias, sendo que cada uma teve direito a uma das escolhas. Mantendo a aura de mistério que nos caracteriza, não dizemos quem escolheu o quê, fica à escolha do freguês. No fundo, somos uma só com personalidade múltipla.
LIVROS QUE NOS MARCARAM
- Todos os de 'Os Cinco', Enid Blyton - porque foi com eles que comecei a gostar de ler, com a luz do candeeiro da rua que me entrava pela janela, porque já tinha passado a hora de dormir.
- Conceitos Fundamentais da Matemática, Bento de Jesus Caraça - porque finalmente percebi que a matemática existe e para que serve. Demorei 18 anos da minha vida a perceber isso.
- Anna Karenina, Tolstoi - porque foi escrito para mim.
- 7 anos no Tibete, Heinrich Harrer - veio com os iogurtes danone no ano passado e abriu-me todo um mundo novo desconhecido.
- O Principezinho, Saint-Exupery - porque me ensinou a responsabilidade por aqueles que cativamos. Porque li de tantas maneiras diferentes desde que a minha mãe mo deu na 1ª classe.
- Simposium Terapêutico, de 1996 - nada melhor para uma hipocondríaca como eu [e com uma vocação perdida para a medicina], este livro à cabeceira. Pela primeira razão evocada, mas também pelo efeito hipnótico que tinha, outras vezes pelo figuraço que fazia a discutir princípios activos com o farmacêutico do bairro.
- Todos os do Sam Shepard, pela visão cinematográfica.
[consenso geral com Eça de Queiroz e Garcia Márquez. Tudo o resto deu batatada e acesas discussões]
LIVROS QUE NOS PASSARAM AO LADO
- O Evangelho segundo Jesus Cristo, José Saramago - porque as 5 primeiras páginas me aborreceram de morte e não li mais. Não consegui.
- Todos os livros do clube de 'Os 7' e todos os manuais do curso de direito de Lisboa - pela presunção dos primeiros e pela altura da vida em que tive de ler os segundos.
- Qualquer coisa da Isabel Allende, nem me lembro do nome.
- Nem me lembro, passou-me mesmo ao lado.
- Os Filhos da Meia Noite, Salman Rushdie - porque fui capaz de o largar a 50 páginas do fim.
- Eurico, o Presbítero, Alexandre Herculano - muito melhor que um xanax para adormecer. Tive que o ler mas não retenho nada.
- Todos os de Harry Potter e todos os do Paulo Coelho.
LIVROS QUE NOS CHATEARAM DE MORTE
- Memorial do Convento, José Saramago, ainda mais do que os três volumes da História do Direito, Ruy de Alburquerque.
- Um artigo sobre bioética que tive de traduzir e que era uma chacha tão grande, tão grande...
- Viagens na Minha Terra, Almeida Garrett - de cada vez que começava a ler adormecia.
- Ensaio sobre a Cegueira, José Saramago - porque me obriguei a lê-lo até a fim para perceber porque é que lhe deram o prémio Nobel. Não percebi.
[a esta altura instalou-se uma acalorada discussão sobre as qualidades literárias deste escritor, dividindo-se as opiniões]
- Frei Luís de Sousa, Almeida Garrett.
- Fonética e Fonologia, da Universidade Aberta. Porque tive mesmo de estudar.
- Todos aqueles que deixei a meio, quebrando o meu compromisso de ler qualquer livro do princípio ao fim. Foram alguns e nem me lembro deles.
- Não me consigo lembrar de nada mais angustiante que Eurico, o Presbítero, Alexandre Herculano (saiu repetido, mas nós somos muitas, dá nisto. Além de que o livro é mesmo chato que se farta).
LIVROS QUE NOS FIZERAM SENTIR BURRAS
- Os Passos em Volta, Herberto Hélder.
- O Pêndulo de Foucalt, Umberto Eco, que comprei com o meu dinheiro na feira do livro, e me esforcei meses a fio para ler e não consegui, sempre a tentar a tentar, e a sentir-me burra por não conseguir entrar.
- Quase tudo o que é poesia, tirando Fernando Pessoa, aqueles mais evidentes.
- Livros ‘inteligentes’ sobre história contemporânea.
- O suplemento de economia de qualquer jornal, incluindo todo o Diário Económico e o Jornal de Negócios.
- Finnegans Wake e Ulisses, ambos de James Joyce.
- Qualquer manual de matemática e os manuais de instruções do Ikea.
Agora temos de marcar outro jantar para decidir a quem mandamos seguir a marinha da corrente (ou talvez não).
Last but not least, por causa deste post reavivámos as memórias de infância da nossa insular múltipla, a quem os livros chegavam num barco com nome de parteira new age. As suas palavras transmitem bem o seu (e o nosso) amor pelos livros:
Em sítios onde a oferta de livros era pouca, a chegada do Doulos era um maná de programa - ir à doca, subir a prancha de embarque, sobreviver a tanta gente que lá estava (ainda me lembro do calor e de querer tirar o meu casaco de lã azul escuro com pompons, e não me deixarem porque se podia perder na confusão) e depois aquele fantástico gelado com xarope de morango - e de livros, livros em estantes, livros em caixas, livros em sacos, o espreitar e ver o que havia, cheios de cor, cheios de capas, letras, desenhos, o tocá-los e eles mesmo ali ao lado....
28 novembro 2006
A alma d@s portugues@s
"A personalidade não é um ideal"- disse Keyserling. E sorriu quando o cavalheiro Fausto, seu guia e seu apoderado de ocasião, lhe perguntou o que pensava dos portugueses.
- A alma dos portugueses é uma das mais complicadas do mundo; enquanto que a dos espanhóis é uma das mais simples. (...)
Keyeserling atribuia ao português uma obstinação de atitudes que não se define senão em momentos-chave e que pode contradizer a rotina duma vida inteira. No geral, ele não participa muito no fenómeno social, concebe-o como um espectáculo, adia o compromisso, ironiza para subverter, mas não deseja modificações irreversíveis. Negoceia, pactua, envolve-se pelo sentimento nas condições das anfibologias. Mas, de repente, já não é o cidadão solícito nem o indivíduo servil. Comete um crime ou torna-se um herói; faz tábua rasa da sua formalidade, revela-se o herege, o mação ou o homem de utopias condicionado à sua oportunidade. Viveu demais pela inércia, recupera-se pela paixão. Keyeserling disse que esta gente complicada possui uma tenacidade comprimida. Acrescente-se que ela tem também a latente vocação da revolta, que corresponde à curiosidade das aspirações, quando não ao fito das ambições.
Agustina Bessa-Luís, Pessoas Felizes, 1975
22 setembro 2006
Lição de fisiologia

Imagem daqui
Entendem cordatos fisiologistas que o amor, em certos casos, é uma depravação do nervo óptico.
Camilo Castelo Branco, Coração, Cabeça e Estômago
07 julho 2006
Serviço público de leitura
Comecei por beber licor de hortelã-pimenta e acabei no absinto estreme. A minha embriaguez era pacífica e até certo ponto catedrática. Eu me explico. Se o auditório me favorecia, deixava-me ir em discursos sobre a filosofia da história, alternados com outros discursos sobre a história da filosofia. Estas matérias, que a todo o homem em estado normal, se afiguram áridas e insípidas, a mim pareciam-me deleitosas e lucidíssimas; e os ouvintes, salvo a lisonja, mostravam-se igualmente admirados que instruídos. Não poderemos inferir daqui que as ciências de certa transcendência as devemos à alucinação de certas cabeças?, E que o espírito humano, sem o complemento de outros espíritos, cuja imortalidade ninguém discute, há-de sentir sempre a estreiteza dos seus limites? Não discorro agora a este respeito, por que bebo água há dois anos.
Camilo Castelo Branco, Coração, Cabeça e Estômago
05 junho 2006
A melhor carta é aquela que nos lê a nós....
"(...) Esta carta de amor é um excesso (e isso prova superiormente que é uma carta de amor) : eu amo não a ideia de amar-te (durante muito tempo, eu julguei que era apenas isso), mas a ideia de perder-me no meu amor por ti. E mesmo amar-te é um excesso, porque tudo aconselharia que eu me limitasse a mistificar-te, que é a melhor forma de evitarmos enfrentar a realidade.
Porque a realidade, aqui, é como uma dor difusa, tu sabes como é, um incómodo ainda não localizado, que progressivamente se vai definindo e acertando, até que, insuportavelmente nítida, a sua imagem se nos impõe como uma evidência. A minha dor é que eu comecei a amar-te, sem o saber, durante aquele breve período de tempo em que sair de casa era a promessa reconfortante de ver-te e falar contigo. Eu não sabia, repito, mas o tempo ajudou-me a definir essa pequena dor, tão secretamente pavorosa: cada vez que estou contigo (cada vez mais, meu amor, cada vez mais) é como se a minha vida se virasse do avesso. E é verdade, é cada vez mais verdade, que, quando penso nas coisas que ainda me falta fazer na vida, é em ti que penso. E tenho medo, como um animal que instintivamente foge do que sabe não poder atingir.
Eu penso em ti, ainda mais do que te digo, e tu estás em tudo, mesmo quando não te penso, tu és a grande razão, o horizonte sem nome que constantemente se desenha na minha imaginação de mim. Há uns anos, este seria o momento de desmontar o discurso desta carta, de te mostrar os subtis mecanismos da alma e da máscara, de desdizer ironicamente o que já disse, de insinuar que, afinal, as-coisas-talvez-não-sejam-exactamente-assim. Mas as coisas são exactamente assim, e a carta, que poderia transformar-se num confortável exercício paródico, é, inevitavelmente, uma agonia e um embaraço. Esta carta é um acto de puro egoísmo, que eu até talvez nem tivesse o direito de praticar. É-te incómoda, necessariamente, e isso bastaria para que eu me abstivesse de a enviar, dentro de um envelope azul. Mas o azul fica-te tão bem, e as cores todas ficam em ti como tu ficas no mundo: exactamente.
Mas, repito: esta carta é um acto de puro egoísmo, é como se não tivesse destinatário. E, no entanto, é preciso enviá-la, para que seja uma carta de amor, para que faça sentido como carta. Para que seja amor. Mas podemos imaginar uma saída elegante: para que possas conservá-la como pura carta de amor, quero eu dizer, sem o embaraço de saberes que ela te foi escrita por alguém que não amas, não a assino. Dou-te tudo: até a hipótese de esta carta não ter sido escrita por mim.
(E não, esta carta não pode ter sido escrita por mim. És tu – em mim – que me faz escrever o que eu não escrevo. E isso é – de novo – o melhor de mim)" .
"O Amor" de António Mega Ferreira
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