31 outubro 2007

Revisitando Sartre

Ao fim de 15 dias na via sacra para deixar de fumar, lamento constatar que não se torna mais fácil com o passar do tempo. Hoje descobri o novo sentimento que me assombra - inveja. Uma inveja verde, enorme e repugnante de toda a gente que fuma à minha volta, seja num bar do bairro alto, sentados num sofá, a passar na rua ou mesmo no trânsito de Lisboa.

Se deixar de fumar tem qualquer coisa de religioso, temo bem estar a caminhar para o inferno.

30 outubro 2007

Pergunta simples

Como se sabe se o amor acabou?

O cliente tem sempre razão

O nosso ginásio oferece-lhe o caminho mais rápido para a perfeição corporal. Em apenas três dias, poderá ter o corpo com que sempre sonhou.
Com os nossos instrutores certificados, poderá combinar um treino cardiovascular intenso (dispomos dos mais sofisticados aparelhos do mercado) com um treino localizado (pilates, ioga, body balance, step) que lhe permitirá reforçar o tónus muscular e perder peso de uma forma rápida e eficaz.
Caso não fique satisfeita com o resultado, oferecemos-lhe este moderno cinto de explosivos.


Resolução de Outubro

Inscrevi-me no Holmes Place. Se não ficar boa em três dias transformo-me numa bombista suicida.

28 outubro 2007

(também ) não gosto de 2ªs feiras



Boomtown Rats, I Don't Like Mondays.

Anti-emético

Os domingos cheiram a manteiga rançosa. E não encontro o prinperam que me salve do enjoo existencial.

26 outubro 2007

Pá, e agora?...

Anda para aí uma grande agitação por causa do Tratado de Lisboa e do referendo. Anda tudo a discutir a democracia representativa, a democracia directa, a legitimidade popular do tratado, o exercício de cidadania europeia, a (falta de) inteligência nacional para perceber o texto, o diabo à solta.

Acho porreiro que o novo tratado seja assinado nos Jerónimos, que tenha o nome de Lisboa, que tenha sido negociado pela presidência portuguesa enquanto o presidente da comissão é um português e que tenha sido que tenha sido anunciado ao mundo em português. E sim, isto é mesmo “porreiro pá.” Numa vitória portuguesa querem expressão que nos traduza melhor? Somos mesmo porreiros!

Agora, o problema do nacional porreirismo é este:
i) poucos gostam de trabalhar e acreditam naquilo que fazem;
ii) poucos acreditam que os outros acreditam naquilo que eles fazem;
iii) muito poucos não se importam que os outros não gostem deles e fazem opções;
iv) muito poucos planeiam e coordenam;
v) quase todos fazem as coisas à ultima hora;
vi) todos aproveitam a oportunidade para brilhar.

O problema que o nacional porreirismo agora tem para resolver é este:
Como as últimas eleições foram uma coisa assim à pressa, de surpresa, ninguém esteve para perder tempo a estudar, pensar e explicar o que seria, ou não, aceitável para Portugal nas grandes questões institucionais europeias e, ao invés, os quatro grandes partidos políticos apenas escreveram nos respectivos programas eleitorais que defendiam a realização de um referendo (ver aqui as transcrições do PS, PSD e CDS ), esperando usar a questão europeia como cravo no espinho da governação do próximo – sim, porque acho que ninguém queria mesmo ganhar aquilo….

A m*** foi que as negociações correram bem e o tratado foi mesmo concluído pela presidência portuguesa e até vai chamar-se “de Lisboa”. Agora, ninguém quer estragar a fotografia de família, que até está porreira.

Eu não gosto muito da União Europeia, não sou a favor do referendo e até me irritei quando uma jornalista portuguesa, ao entrevistar o Presidente do Conselho, dirigiu uma pergunta ao Primeiro Ministro português. No entanto, confesso que aguardo, expectante, a maneira bonita como (todos) me vão dizer que não disseram o que escreveram, porque o que queriam dizer era outra coisa e que não, ninguém mentiu nem ninguém está a enganar ninguém e que, quando for oportuno, até vão poder explicar a posição de Portugal no novo xadrez e no novo conceito de soberania nacional…. Sim, porque não acredito que eles vão manter a promessa. E isto é que é triste. E é isto que já nem deixa perguntar "antão pá?...".

Ele há tanta maneira de compôr uma estante

Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura.

Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio.

Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante.

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola.

Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come.

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra.

Mário Cesariny, Pastelaria

25 outubro 2007

A estrada para Damasco

‘Saulo, Saulo, porque Me persegues?’.
‘Quem és Tu, Senhor?’.
‘Eu sou Jesus Nazareno, a quem tu persegues’.
‘Que hei-de fazer, Senhor?’.
‘Levanta-te e vai a Damasco; lá te dirão tudo o que deves fazer’.

de Actos dos apóstolos, Capítulo 9


Ando a tentar deixar de fumar. Andava há muitos meses com o desejo a rondar-me, a farejar-me, perseguia-me. Comecei a sentir-me mal, respiração pesada, pulmões apertados. Um dia comprei os adesivos na farmácia, no dia seguinte, sem qualquer motivo aparente nem data marcada, decidi: é hoje. Segui a posologia indicada, o modo de aplicação. Senti-me uma espécie de dumbo, que apenas conseguia voar quando agarrado à pena do corvo.

Persisti. Chegaram os dias duros, o stress, os problemas a resolver, os capítulos para acabar, os artigos a escrever, as cartas para mandar, telefonemas, dramas irresolúveis por mim. Estoica, continuei pela minha estrada de Damasco.

Um dia não resisti, permiti-me cair. No dia seguinte mantive-me firme e hirta no posto.

Passaram mais uns dias, encontrei um amigo e contei-lhe que estava a conseguir. Confessei-lhe que tinha prevaricado a meio, mas que me sentia no bom caminho. Ele disse-me que não me podia permitir isso, que se me deixasse cair em tentação o demónio vilão fumador dentro de mim começaria a perseguir-me, a repetir-me que não fazia mal deixar-me ir de vez em quando, que era humano, a arranjar-me todas as desculpas, e que me cabia a mim e a mim somente impedir que ele me ganhasse nesta luta.

Resistir às tentações, não deixar o diabo vencer-me, encontrar as minhas forças, preserverar na minha decisão.

Não sabia que deixar de fumar tinha tanto de religioso.

Amanhã será o meu segundo dia 1.

24 outubro 2007

Dino quê?

Quem conhece o caminho pela auto-estrada da Crel em direcção a Loures, sabe que passa por um túnel onde foi construída, a delinear o seu arco de abertura para a passagem dos veículos, uma figura em ferro que representa a cabeça de um dinossauro. Isto acontece porque este túnel passa exactamente por baixo dos terrenos onde em, 1993, foi descoberto um trilho de pegadas com 140 metros de extensão, deixadas por um dinossauro herbírovo e outro carnívoro, que datam do período Cretássio, e que é não só a maior pista encontrada em solo europeu mas também uma das maiores do mundo.

Ora estes dinossauros que na altura não faziam ideia que estavam a pisar a futura freguesia de Carenque e muito menos o território Português, foram muitíssimo infelizes com o sítio que escolheram para passear com toda a razão, claro, visto que também era impossível para eles saberem a quantidade de palermas que 95 milhões de anos depois estariam aqui a habitar o planeta em vez deles.

Foi com alguma excitação que num fim de semana destes, eu e o meu mais que tudo resolvemos ir matar tempo até ao almoço com um passeio para ir visitar as tão faladas pegadas de dinossauros em Carenque. Chegar a Carenque já foi díficil, parece que ninguém está muito preocupado em querer mostrar onde fica o raio da freguesia com placas de sinalização. Sempre em andamento, sem sabermos muito bem para onde ir, aparece de repente mesmo à nossa frente um pequeno barracão de 10m2 , não mais que isto, construído em alumínio, vejam só, pintado de azul, com umas letras amarela pintadas por cima da porta trancada a cadeado, que diziam “A toca dos dinossauros”. Em frente ao fabuloso edíficio um pequeno jardim todo cercado de rede, com pelo menos 20 estátuas de dinossauros de algumas espécies que nunca vi em livros e que na realidade se assemelhavam mais a crocodilos bípedes, todos pintados em verde alface, todos com as bocas abertas e as línguas vermelhas e uns cotos em vez de garras, que não tive dúvidas tinham sido obra de algum projecto de estudo de uma escola primária das redondezas. Depois de muitas voltas dadas, lá encontrámos, finalmente, alguns prédios de habitaçao e um senhor que nos explicou qual era a entrada certa onde virar o carro até ao terreno. O diálogo que se seguiu com este senhor foi hilariante, no mínimo.

-Mas as pegadas depois estão assinaladas lá?, perguntámos nós.

-Não, disse o senhor, aquilo não se vê nada.

-ah não?

-Não, atão aquilo depois com as obras do túnel, eles tiveram que tapar aquilo tudo para não se estragar, atão aquilo agora tá tudo debaixo da terra.

-Atão mas não voltaram a destapar?

-Não. Nunca mais encontraram aquilo outra vez, eu vivo aqui há uma quantidade de anos e eles nunca mais mexeram ali.

Cada vez mais entusiasmados por descobrir que este país não era de todo imprevísivel, quisemos na mesma ir lá testemunhar a desgraça com os nossos próprios olhos. Depois de estacionar o carro, andámos cerca de 500 metros em várias direcções, perdidos em busca de qualquer sinal, de qualquer vestígio mas ao invés disso o que encontrámos foi terreno baldio e variadíssimos montes dispersos de entulho das obras e outros, como cartuchos de espingarda vazios, por exemplo, deixados no chão por alguém que talvez se tivesse entusiasmado demais com o “Jurassic Park” do Spielberg e que julgou que as pegadas ainda tivessem dono.

Escusado será dizer que a hora de almoço já tinha passado largamente quando chegámos a casa mas que nos sentimos culturalmente muio mais ricos, lá isso sentimos e em júbilo por saber que foram só precisos uns míseros 13 anos para finalmente ter sido aprovada a obra para a construção de um museu que vai finalmente permitir a preservação e a abertura ao público deste achado magnífico.

da morte volta sempre em vida

Em nenhures ninguém quer construir estradas

imagem aqui

Quando nasceu percebeu-se logo que era uma espécie rara e muito viçosa. Cedo, muito cedo, começaram a crescer-lhe as mais belas flores. Todos os dias floria de maneira diferente. Nasciam-lhe: orquídeas, flores de hibisco, begónias, brincos-de-princesa, rosas, tulipas, jarros, margaridas, agapantos, flores de madressilva, gerberas. Formavam-se filas para ver qual a flor que lhe tinha nascido. E ela floria. E ela encantava.

Um dia construíram uma estrada que passava por cima do sítio onde tinha nascido. Começaram a tomar a outra estrada. Deixaram de lá aparecer. Deixaram de lá passar. Deixaram de a admirar. Deixaram de a regar. Ela deixou de florir. Então, o fenómeno deu-se: transformou-se num cacto.

Agora mora no deserto vermelho. Tem por amigos uma joshua tree e um escorpião. De quando em vez também aparece uma rattlesnake muito venenosa. Falam pouco e vivem em harmonia no meio da imensidão. Em nenhures ninguém quer construir estradas.

23 outubro 2007

Something more

Amanhã, 24 de Outubro, às 22h em ponto (mesmo) no MusicBox.




Mark Thompkins é um americano em Paris, bailarino e coreógrafo de dança contemporânea. Há já uns anos que se mexe ao som e arranjos do nosso Nuno Rebelo.


Um dia Mark mostrou ao Nuno as letras que fazia quando não estava a dançar. O Nuno fez a música. Apareceu Mark na versão Lewis, a mostrar que sabe cantar.

Juntaram-se o Vítor Rua (ex-GNR), Alexandre Cortez (Rádio Macau) e Samuel Palitos (Rádio Macau) e em vez de música conceptual nasce uma banda rock. A ver e a ouvir.




Também aqui e aqui.

22 outubro 2007

A promessa

Estejas à distâncias que estiveres, vamos buscar-te. A bem ou a gritos, hás-de voltar. Ninguém fica adormecido para sempre.

Hoje

estou assim, fora do caixote. Não sei o que aconteceu ao plástico com bolas de ar que costuma estar à minha volta. A ver se encontro ao menos uma folha de jornal que me proteja da intempérie nocturna.

Diga lá Excelência

Se pudessem escolher, preferiam:

a) Também poder fazer chichi de pé, sem a preocupação de ficar com o rabo de fora e com salpicos nas bainhas das calças ou nos tornozelos ou mesmo sem aquele número de evitar que as bainhas se afundem nas poças do chão/agarrar as saias e, ao mesmo tempo, segurar a mala, o casaco (mais o kispo às vezes), os sacos e/ou os papéis que não cabem em mais sítio nenhum, tudo com os 40.º ou 15.º cuspidos pelo ar condicionado e dentro de um cubículo de 1,5 m2 onde não conseguimos entrar sem encostar as pernas à retrete e as costas à parede (aliás, a última parte é a prova irrefutável que os arquitectos dos espaços públicos são, em 98% dos casos, homens - isso ou são umas grandes cabras que não têm de lá ir!);

b) Ter orgasmos múltiplos, nem que fosse uma vez?

Não me consigo decidir….

21 outubro 2007

PUBLISH POST

De regresso a casa. Abro o computador e conecto-me à chafarica. A mesma posta desde 6ª feira. Na barra de lado, o nº de postas publicadas no mês de Outubro: 39. Olho para o calendário que me relembra o dia do mês: 21. Com a boa vontade de todas as múltiplas, chegaremos às 50 postas até ao fim do mês. Resultado muito fraquinho, comparado com os meses anteriores de postagem eufórica.

Entro no sitemeter e um dos gráficos não deixa margem para dúvidas. Este blogue precisa de uma manobra qualquer: de cosmética, de reanimação, de ressuscitação.

(aviso à navegação: quem continua a entrar aqui para saber de 'celebridades apanhadas em cuecas' vá a outra freguesia que, so far so good, ainda não temos nada disso. mas podemos vir a ter, nunca se sabe)

Vou à pasta dos drafts e sou tomada por uma ideia maquiavélica:


E se eu publicar todos os rascunhos que lá estão?

(não digam que não avisei)

19 outubro 2007

Direitos contínuos para profissões intermitentes

A profissão de artista é fundamental numa sociedade, e deveria ser considerada dentro das leis laborais tendo em conta as suas especificidades de intermitência. Talvez assim se pudesse evitar alguns vôos desesperados, vidas em constante angústia pela instabilidade ou velhices desprotegidas depois dos anos dedicados a dar o prazer da(s) arte(s) aos outros.
Soube aqui que no dia de hoje será lido este comunicado em diversas salas de espectáculos e este espaço será uma delas:
"Este comunicado que hoje está a ser lido em vários eventos culturais do país representa o sentimento geral dos profissionais das artes do espectáculo e do audiovisual.

Sabia que não há enquadramento jurídico que se adeque a estas profissões? Sabia que estes profissionais não podem estar doentes, grávidos, lesionados ou desempregados? Hoje é o nosso dia nacional de sensibilização para a intermitência. Dizemos que somos intermitentes porque o nosso trabalho é sempre descontínuo e temporário.

Essa é a natureza das nossas profissões!

Trabalhamos sucessivamente de projecto em projecto, com pessoas diferentes e isso implica a mobilidade dos profissionais e permite a diversidade das produções. Queremos ter acesso aos mesmos direitos e às condições básicas de qualquer trabalhador por conta de outrem.
Como estes, somos profissionais especializados, cumprimos horários, num local de trabalho específico, sob a direcção duma entidade.

Por todas estas razões, precisamos de uma definição legal de intermitência, que nos permita pagar a segurança social de acordo com o salário que recebemos e que nos proteja de situações de carência. Precisamos de um contrato de trabalho adequado à nossa realidade.

No último ano, representantes das áreas da dança, do teatro, da música, do circo, do cinema e do audiovisual têm vindo a apresentar e a defender propostas concretas sobre esta questão. Esperamos que este esforço resulte numa lei que nos sirva a todos.

Lembrem-se que apagadas as luzes da ribalta existe uma realidade que não pode continuar a ser ignorada.

Muito Obrigada e Bom Espectáculo! "
Para quem quiser saber mais e assinar a petição online, clicke aqui.

18 outubro 2007

Ad nauseum

Há dias em que acordo com uma música a martelar-me o juízo (normalmente a pior possível), ouvida sabe-se lá onde, trauteando-a desde que acordo até que me deito.

Outros dias são frases, outros dias são poemas que me perseguem.

Hoje, não me saíu da cabeça este fragmento de um poema de O. Wilde. A ver se o afugento, partilhando a parte que me acompanhou all day long:

(...) Yet each man kills the thing he loves
By each let this be heard
,
Some do it with a bitter
look,
Some with a flattering word,
The coward does it with a kiss,
The brave man with a sword!

Some kill their love when they are young,
And some when they are old;
Some strangle with the hands of Lust,
Some with the hands of Gold:
The kindest use a knife, because
The dead so soon grow
cold.

Some love too little, some too long,
Some sell, and others buy;
Some do the deed with many tears,
And some without a sigh:
For each man kills the thing he loves,
Yet each man does not die.

The Ballad of the Reading Gaol, Oscar Wilde.

P.S. XÔOOOOOO! Vai-te embora...

Laços de família

Confesso que tenho alguma dificuldade em assumir, e muito mais em anunciar, os meus desaires. Gosto de me sair bem no que faço e há muito ano, há anões mesmo, que ver afixada na pauta uma nota negativa não me sucedia. Estudo porque gosto e porque preciso, como se de alimento se tratasse, e um feito destes representa um enorme falhanço, agravado pelo meu estatuto de progenitora. Justamente, apanhada em flagrante pela minha filha, a conversa decorreu como se os papéis estivessem, naquele momento, invertidos:
- Estás esquisita... Aconteceu-te alguma coisa?
- (Esboçando um sorriso, nervosamente rasgado) Chumbei!
- Chumbaste?! Hum... e tem muita graça, teres chumbado!

Felizmente o meu pai, confirmando ser um homem de palavras sábias:
- Então, já sei...uma "raposa".
- Pois...
- Deixa lá, filha. O chumbo não é um metal nobre, mas quase. Para ser prata só lhe falta 1 neutrão, 1 protão e um electrão.

Mais que um pai

O Ambrósio não só se propõe curar qualquer tipo de mal que nos assole, desde viadagem a unha encravada, passando por íimose (que é coisa que não encontro no dicionário nem no google, portanto deve ser mesmo muito grave), como nos encontra animais perdidos. No caso de estar tudo bem, disponibiliza-se para nos fazer companhia num qualquer jogo de cartas, bingo ou bilhar. Mais que isto só mesmo rabinho lavado com água de rosas.


Onde é que assino os papéis para a adopção?

Religiões

Estou em crer que quando uma pessoa compra o primeiro Mac está a entrar numa seita de onde não volta a sair. Todos os meus amigos que os têem cantam laudes à sua qualidade e superioridade, e tentam evangelizar os demais.

Leio na proteste de Outubro que 92.3% das pessoas que têm portáteis dessa marca recomendá-lo-iam (o condicional é, obviamente, uma graça) a outras pessoas; a marca que vem a seguir colhe apenas 52.9% de recomendações.

Um dia destes deixo-me ir, a ver a quanto sai a desobediência ao Bill todo poderoso.


Lucas Cranach, Adão e Eva, 1526

16 outubro 2007

O segredo

Tinha esboçado um post que começava assim:”Queria ser outra, queria ser uma delas, daquelas que são felizes. Gostava de saber que há dias em que elas se sentem, pelo menos, como eu.” Retomando-o, achei que hoje já não fazia sentido porque todas as mulheres são como eu ou eu sou como todas elas.

É que as mulheres padecem, verdadeiramente, de personalidade múltipla. Tem dias, meses ou mesmo anos em que se é mais disto, outros mais daquilo, mas a fórmula é uma imensa mistura entre sentimentos contrários e por vezes até contraditórios, de paixões, interesses, desejos, deveres, forças e fraquezas. Por isso o nosso universo é complexo, misterioso, insondável, às vezes indecifrável até para as próprias. E por isso é que nunca ninguém pode saber o que vai na cabeça de uma mulher e o Freud era um idiota.

Talvez os homens também sofram deste bem-mal. Alguns, pelo menos. Os bons, aqueles que são completos, preocupados, que se dão por inteiro.

Esta constatação não será, com certeza, uma novidade para o mundo mas foi para mim. Só a percebi quando duas das pessoas que mais amo me contaram um segredo, cada qual o seu. Pensei neles durante muito tempo, interiorizei-os, assumi-os, comparei-os. De maneiras diferentes, sofri com eles e por eles.

Percebi que há coisas que ninguém diz, que ninguém confessa, que são segredo e um segredo não se conta. Afinal, não sou assim tão maluca ou desajustada. Sou apenas uma mulher que, sem segredos para si própria, sabe o que pensa e se atreve a pensar no que sente. Sou uma mulher que gostava de viver sempre a verdade. As outras também são assim. Só que eu não sei o que elas sentem. Só que elas não dizem o que pensam. É que elas também têm segredos e os segredos não se contam. São secretos. E a verdade também é um segredo. Um dia contaram-me um segredo. Salvaram-me da loucura.

15 outubro 2007

Comboios

Gosto muito de andar de comboio. Gosto do cheiro, de sentir o embalo da carruagem, de ver a terra a passar, do escuro dos túneis, da nesga de ar que entra por cima da janela - agora já não se abrem, é pena. Gosto de me levantar e sentir a vibração enquanto caminho pela carruagem, gosto de abrir a porta do vagão e estar uns segundos naquele bocadinho de metal que a une à seguinte até abrir a outra porta e voltar a sentir o chão mais firme debaixo dos pés.

Hoje voltei do Porto a Lisboa no alfa pendular, cheia de ideias e trabalho a acabar. Abro o computador, começo a corrigir documentos, a encontrar soluções para problemas, a escrever, decidir, quando de repente puf, fica sem bateria, bloqueia-me todos os documentos word abertos e avisa-me da urgência de uma tomada de electricidade.

Tinham-me dito que uma das vantagens dos novos comboios era as fontes de electricidade pelas carruagens, levanto-me e começo a procurar no meu lugar, no chão, no lugar dos vizinhos. Vejo um tipo cheio de gadgets electrónicos e penso que me possa ajudar - diz-me que acha que é só na primeira classe. Não me dou por vencida, pego nas minhas coisas e rumo ao bar, aí de certeza que me vão encontrar solução.

Passo as várias carruagens, balanço-me entre as cadeiras com a mochila do computador e a carteira a tiracolo. O homem do bar tem um ar aborrecido, ofereço-lhe o meu melhor sorriso, pode ser que ajude - mas não. Tomadas só mesmo na primeira classe, se precisar muito há uma ao fim daquela carruagem, ao lado da casa de banho, mas não tem condições para trabalhar. E fumar um cigarro, será que posso? Na última carruagem, diz-me. Ah, naquela direcção? Não menina, responde com ar enfadado, se o comboio vai naquela direcção a última é no sentido oposto. Desolada, em vez de um copinho de vinho branco peço uma garrafa de água e uma barra de chocolate e regresso ao meu lugar.

Olho bem para o papel dos horários da cp e descubro uma coisa espantosa:


Na classe Conforto (vulgo 1ª), há tomadas para pc e telemóveis no lugar, na Turística (vulgo 2ª) lugares e WC para deficientes. Penso que devo ter lido mal, decido olhar para a versão em inglês.



Não me restam dúvidas. Na 2ª classe o único privilégio são as casas de banho para deficientes. Ao menos não fico com claustrofobia enquanto faço um chichi, apesar do sobresalto quando o líquido amarelo desaparece em poucos segundos pelo buraco da retrete estar garantido.

Depois do frissom do vácuo, penso nas pessoas de mobilidade limitada. Se eu andar de cadeira de rodas, não posso ir em Conforto?

14 outubro 2007

Milagres

Não sabia mas fiquei a saber, há quem pense que Deus faz milagres através da televisão. A santa igreja é que não foi na cantiga, e decidiu que uma menina ficar curada de diabetes só porque a sua mãe viu os pastorinhos no pequeno écran não é base para santificar ninguém. Estranhamente dizem que é por não saberem se a diabetes era tipo 1 ou 2, como se não houvesse fichas médicas nos hospitais a atestar o diagnóstico. Dizem não saber se a cura foi completa, mas parece que em qualquer farmácia se pode fazer o teste da glicémia e assim averiguar da integridade e capacidade da insulina. Mas que se lixe. Está tudo a rezar por um novo milagre, um milagre à séria, daqueles que levantam os paraplégicos, acordam os mortos, fazem ver os cegos. Eu cá gostava de ver um ateu a ser vítima de uma coisa dessas, seria prova da infinita bondade do Senhor, e de que não é preciso acreditar para que o espírito santo caia sobre nós. Seria sem dúvida um genial golpe de publicidade e marketing para a Igreja Católica.

Vem-me à memória o pároco que segui no meu período beato; repetia todos os domingos, na sua homília que durava não menos de 50 minutos, que a televisão era o diabo, fonte de inúmeros pecados e incitador de tudo o que era indigno. Estranhamente exortou os seus fieis a contribuirem para a compra de acções da TVI quando esta apareceu, dizendo que se tivessemos dinheiro suficiente poderíamos eventualmente ter uma voz activa na programação. Era ver a fila de crentes a assinar cheques na sacristia, enquanto devolvia o meu dossier dos cânticos do coro dessa semana.

Eu deixei de ir à Igreja, o meu pároco morreu, mas parece que no Vaticano a insatisfação com a televisão ainda dura.

Francamente, estou-me a marimbar para os pastorinhos e não acredito que tenham visto Maria. No entanto, não posso deixar de ter uma réstia de inveja para com os que acreditam em Deus e numa força maior, que nos pode curar, salvar, redimir e acompanhar. Seria tudo tão mais fácil. E no entanto é-me intrinsecamente impossível.

Além do mais, não consigo entender porque raio a mãe de Deus desceria à terra para falar com 3 putos, subnutridos e aborrecidos nos montes, sobre os perigos dos infiéis europeus e do atentado ao papa, se só se podia dar a conhecer ao mundo os factos depois de eles terem acontecido. Diziam-me sempre que os desígnios do Senhor são insondáveis, e fez assim porque sim. De cada vez que não havia resposta para alguma coisa, e descobri serem várias, a resposta que me era dada era sempre essa, porque sim.

"Não olheis aos nossos pecados mas à fé da vossa igreja" sempre foi a frase que mais me impressionou. Basicamente, hordas de fiéis são exortados a confessar o que de mal fazem e a pedir a respectiva redenção, mas depois tentam lavar as mãos rezando para que o senhor olhe só para a fé e não para os pecados. Olhava à minha volta e não via pessoas a acreditar, via gente que seguia as marcações à risca (senta, levanta, ajoelha, agora diz isto, agora canta aquilo) e a voltarem para casa com a satisfação do dever cumprido. Não podia ir de saias curtas, nem pôr os óculos no alto da cabeça, nem cruzar a perna, nem pensar na lista das compras enquanto estivesse na igreja. Mas se lhe pedia que olhasse à minha fé e não aos meus pecados, parecia-me tudo incongruente.

"A Igreja é feita de homens, e os homens são pecadores. Não olhes para os exemplos terrenos mas sim para o divino", era outra das respostas que me davam às dúvidas. Se os outros, os que andavam por ali há anos tinham aquelas faltas todas, o que me dizia isso dos meus companheiros cristãos?

Depois havia as velhotas, que adoravam passar o dia na igreja, a mudar as flores e a conhecer os cantos à casa, como se fosse a delas. Não gostavam de mim e de uma amiga minha, porque éramos "demasiado bonitas" e alsaricávamos as hormonas aos rapazes - e já se sabe, hormonas alsaricadas, almas perdidas. Éramos quase piores que a televisão, porque estávamos ali.

O tal pároco, conservador, antipático, irracional, bruto e mal educado, gostava de mim. E eu gostava muito dele, por um qualquer desígnio que nenhum de nós entendia. Eu era a única que o punha em causa, que não lhe aceitava os porque sim, ditos com olhar duro e distante, tentando afastar as minhas dúvidas com as suas certezas. Em vez de se irritar comigo gostava de me ter por perto, e incentivava a minha presença assídua nos vários grupos. Por ele, fiquei mais tempo do que durou a minha fé. Apesar dele vim-me embora.

Ia apenas escrever uma graçola sobre o milagre pela televisão, e de repente a igreja veio-me com força aos dedos e à memória. O meu real problema é que queria mesmo acreditar e não consigo. Depois de ler que a Madre Teresa também não conseguiu durante décadas, fica-me a pergunta. O que é ser de Igreja? O que significa ter fé? Não preciso disso para ser uma boa pessoa, nem para ser forte, nem para enfrentar as adversidades. E no entanto sinto a falta de uma coisa que nunca tive.

13 outubro 2007

A Trilogia dos Dragões

imagem aqui

Nunca fui à China. Quando era pequeno, havia casas aqui. Aqui era o bairro chinês. Se esgravatares o chão com as unhas encontrarás água e óleo de motor. Se escavares mais fundo, é provável que encontres pedaços de porcelana e de jade e as fundações das famílias chinesas que ali viveram. Se cavares ainda mais fundo, chegarás à China.

Voltei para casa em silêncio, muda, queda, vazia.

Pensei: ‘e agora o que é que eu faço? Posto ou não posto? O que é que eu vou dizer se não me chegam as palavras? Se só tenho dentro de mim imagens e emoções?’ Invadida por aquela mesma sensação quando se acaba um livro extraordinário e se pensa: 'este livro nunca deveria ter acabado, esta última página é um acto de traição'. Uma traição do escritor para com o leitor, que nos deixa, depois, à nossa mercê, abandonados à nossa sorte. Orfãos. Literalmente orfãos.

Hoje, Robert Lepage e a sua companhia Ex-Machina deixaram-me assim: das 16h às 22h (intervalada 3 vezes) assisti àquela que considero A experiência de teatro da minha vida. Trata-se da sua peça seminal, La Trilogie des Dragons. Em cena, pela ÚLTIMA vez, aqui, em Portugal.

No CCB, amanhã, dias 16 e 17 ainda é possível ver este colosso.

Depois não digam que não avisei.
(agora vou digerir o resto)

12 outubro 2007

Hoje gostava de me sentir assim (de novo)

Es verdad

¡ Ay que trabajo me cuesta
quererte como te quiero!

Por tu amor me duele el aire,
el corazón
y el sombrero.

Quien me compraria a mí,
este cintillo que tengo
y esta tristeza de hilo
blanco, para hacer pañuelos?

¡ Ay que trabajo me cuesta
quererte como te quiero!

Federico García Lorca

Hoje sinto-me assim

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mão à força de as apertarmos,
gastámos o relógio
e as pedras das esquinas em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias:
os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade

I ain't 'fraid of no ghost(s) ?


“An invisible man is sleeping in your bed / who you gonna call? / Ghostbusters!!” E quando um fantasma passa a assombração, de assombração a companhia, de companhia a pessoa, de pessoa a homem, a um homem diferente daquele que vejo na minha cama? “Who I gonna call?

10 outubro 2007

Qualidade de vida (II)



Os cuidados paliativos, que respondem às necessidades das pessoas com doença prolongada, incurável e progressiva e suas famílias, ainda não estão acessíveis aos milhares de pessoas que deles necessitam em Portugal. Porque são cuidados específicos, rigorosos e científicos, todos os profissionais que prestam cuidados paliativos precisam de formação qualificada.

Dia 6 de Outubro celebra-se o Dia Mundial dos Cuidados Paliativos e inicia-se a 3ª Semana Nacional dos Cuidados Paliativos.

Apoie a Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos - www.apcp.com.pt.

Para tal, clique na imagem, envie a sua mensagem durante a Semana Nacional dos Cuidados Paliativos (6 a 13 de Outubro) e ajude a criar uma onda de 100 mil mensagens.

A sua qualidade de vida agradece-lhe.

A maldição

Já só faltam 3 meses, repetia-me. Em Janeiro deixo de ser administradora do prédio, e passo apenas a cumprimentar os outros condóminos bom dia boa tarde passe bem, sem ter de resolver todos os seus problemas existenciais e animais.

Ando a cortar os dias num calendário na parede do escritório, já falta pouco e vejo-me livre dos vizinhos, vou deixar de ter relações estreitas com ele, estou feliz, está quase está quase.

Arranjo-me, saio de casa, vou dar a segunda aula do semestre. Aparecem algumas caras novas que devem ter fugido à confusão da primeira semana. Páro a meio de uma frase, perco a linha que estava a seguir, nem quero acreditar. Olho de novo, olho melhor. Tenho a certeza. Uma das minhas alunas é a vizinha do andar de baixo, a que dorme no quarto por baixo do meu.

Devo ter comprado uma maldição qualquer com o contrato de compra e venda.

Madalena

Madalena levantou-se, tomou banho, vestiu-se, arranjou os filhos para irem para a escola, deu um beijo ao marido, pôs a mala a tiracolo e apanhou o autocarro para o seu trabalho de atenção ao utente no serviço de urgências psiquiátricas do Hospital. Marcava consultas, atendia telefonemas, chamava os utentes à hora da consulta, sempre com a mesma voz, a mesma certeza de quem sabe cumprir o seu papel de representante de um sistema de saúde com regras claras, eficiente. Mas naquele dia, aquele homem dos olhos grandes e doces não a deixava continuar o seu trabalho, mostrar a sua eficiência, insistia que queria ser atendido, que precisava de ajuda, de atenção. Para ela, ele era um actor desiquilibrado, até já o tinha visto na televisão, mas não tinha consulta marcada e isso era quanto bastava para que Madalena não saísse da sua rotina. Mesmo assim, Madalena, já nervosa, consultou o seu colega, a médica que por ali passava, e o senhor António dos cafés. Todos releram as normas do serviço e todos repetiram ao utente dos olhos grandes que esperava ansioso, é a norma, não se pode fazer nada. E nesse momento o utente deixou de esperar, e os seus olhos grandes só viram a luz da rua, esse ar imenso onde tudo seria possível, onde a desesperança e a solidão não o acompanhariam. E correu, correu furiosamente, deu um impulso e voou; desesperada e resolutamente, o homem dos olhos grandes atravessou da sombra para a luz, desfazendo as normas impossíveis para a sua vida tão grande. Nessa tarde, Madalena picou o ponto às 17.17 p.m., apanhou de novo o autocarro, comprou pizza para o jantar e durante sete dias e sete noites esqueceu as palavras. Ao oitavo dia, o seu marido convenceu-a a procurar ajuda e Madalena respondeu num tom impessoal e ausente: sem consulta marcada não é possível. Estas foram as únicas palavras que saíram da sua boca durante muito tempo, até ao dia da inauguração das urgências de psiquiatria no seu antigo sítio de trabalho. Nesse dia, Madalena apanhou o autocarro, recitou poesia a todas as pessoas que encontrou e ao chegar ao hospital inscreveu-se como utente interna. O seu marido e os seus filhos visitam-na todos os sábado à tarde, levam-lhe aviões, asas, papagaios de papel e pássaros de penas, tudo o que possa estar relacionado com voar. Quando algum dia não o fazem, Madalena entra em convulsão profunda e entre esgares, ameaça não contar onde escondeu os 676 contos que poupou em toda a sua vida de atenção aos utentes dos olhos grandes. Não se sabe se por isso ou porque a querem ou talvez pelas duas, nunca faltam os presentes alados nas visitas de sábado à tarde.

andava eu deambulando por aqui

e por ali, entre uma oferta de emprego e outra, e encontrei-me com algo que parecia prometer deliciosos e edificantes momentos de leitura, mas, ó infortunio, não consegui aceder à entrevista completa dessa gúru da nossa praça, a sôdona Paula Trombone, perdão, Bobone. Mas vão lá na mesma que merece a pena.

Integração cultural à luz do apagón

Ontem faltou a luz na minha nova rua, un apagón, como os que já tinha ouvido falar que houve durante o mês de Agosto em Barcelona. Ainda estávamos à procura de velas quando começámos a ouvir uma espécie de festejos de ano novo, cada vez mais fortes. A minha filha que estava desde há duas horas a cirandar, que não, que não queria dormir, numa excitação que me fazia arrepender das alturas em que eu dizia ai que lindo ter filhos, aproveitou logo a deixa, música mamã, música papá e como nos faltava o maestro lá fomos para a varanda ver o que se passava. Na rua só os candeeiros públicos estavam iluminados, os prédios estavam todos escuros, só se distinguia as silhuetas de pessoas nas suas varandas a bater em panelas, frigideiras, tampas, a tocar cornetas ou maracas, tudo o que pudesse fazer barulho, com a certeza de quem já sabe o que fazer nestas alturas. Aqui es asi, cuando hay algo la gente sale para la calle a hacer ruido, y en Barcelona más, cuando fue de la guerra de Irak era todos los dias a las 9 de la noche, protestando contra el apoyo de España a la invasión, explicou a nossa vizinha de apartamento. A miúda claro, correu a buscar a sua panelinha e respectiva tampa, sem se preocupar com o escuro da casa que noutra altura a assustaria, e juntou-se contente ao protesto, dando mais um passo na sua integração à nova cultura. E eu aproveitei a deixa e também dei com força na panela.

Alguém acuda ao Salão Nobre do Conservatório Nacional

Imagem daqui
Recebi ontem este pedido por email, explicando que "desde os anos 40 do século passado que não se têm efectuado obras no Salão Nobre do Conservatório Nacional, e 62 anos de constante utilização para concertos, audições e aulas deixaram as suas marcas, (...) num adiantado estado de degradação que ameaça chegar ao ponto de não retorno.Como se trata de um equipamento cultural indispensável não só para as actividades do Conservatório Nacional mas também como pólo dinamizador não só do Bairro Alto mas de toda a cidade de Lisboa, desde há anos que, insistentemente, se reclama, aos organismos competentes, obras! (...) O salão Nobre do Conservatório Nacional com os seus magníficos tectos Malhoa não poderá aguentar mais tempo sem obras de recuperação."

Quem quiser saber mais e assinar a petição online, click AQUI.

09 outubro 2007

CEE, CE, UE, "??"

Porque também há outros assuntos sérios, cá vai o texto do "Tratado Reformador".
Lembrei-me que podíamos fazer aquele jogo de assinalar os erros/diferenças/pleonasmos/idiotices/redundâncias/mais valias/qualquer outra coisa que nos apeteça neste projecto.
Eu começo:
"Artigo 2.º
Valores da União

A União funda-se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de Direito e do respeito dos direitos do Homem, [por uma questão de estilo, preferia dizer esta coisa mais simples de "Os valores da União são (...)", até porque nunca tenho a certeza se são os valores que fundam alguma coisa ou são os Estados/pessoas que fundam alguma coisa para ajudar a concretizar um valor/valores que até já existia/m],
incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias [pleonasmo preconceituoso? a não ser que se entenda que os Homens que integram minorias não fazem parte da humanidade e, como tal, não estão directa e imediatamente abrangidos pelos direitos do Homem. Acho melhor não pensar mais nisto... ].
Estes valores são comuns aos Estados-Membros [mas nunca é demais referir, não vá algum esquecer-se.... e, se não forem, por aqui estar dito que sim, passam a ser; é esta a beleza das leis!],
numa sociedade caracterizada pelo pluralismo , a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres [mas, afinal, isto tudo ainda não faz parte do direitos do Homem?! Agora fiquei baralhada.... talvez se possa criar uma categoria especial: os direitos do Homem da UE. Talvez não seja de todo má ideia, mas então sugiro: todos os Cidadãos da UE são Homens de bom coração, inteligentes, trabalhadores eficientes e ultra-produtivos, ricos e saudáveis (vi-me forçada a retirar o "belos ou bonitos" porque poderia ser entendido como discriminatório para os menos abonados pelos padrões vigentes de estética e, desta maneira, atentar contra qualquer liberdade individual ou sensibilidade mais apurada, inclusive a minha quando olho para o espelho todas as manhãs)]."

Qualidade de vida (I)



Trabalhar com um jarro de flores à frente.
(funciona).

08 outubro 2007

Solidariedade

com a minha querida múltipla, ou seja, eu:

hijueputa, malparida, gonorreica y giripollas do raça da vida. (às vezes, claro....)

Irritações

São várias as coisas que me põem os nervos em frangalhos. Umas já consigo controlar, outras ainda me controlam. A ocupar o primeiro lugar da tabela desta semana está a irritação por impotência: ver um erro abissal, abismal, tremendo, crasso ou outro adjectivo qualquer à escolha, com consequências graves e ditado apenas e só pela pura vaidade, combatê-lo com gritos, berros, telefonemas, emails, tambores e sinais de fumo e, ainda assim, não conseguir vencer as forças do mal...

Dos 7 aos 77

O último ano em que - oficialmente - pode ler Hergé.
(também é um espécie de desabafo)


Parabéns mãezinha!

desabafo

merdafodasecaralho para esta puta de vida e mais quem vai lá dentro

07 outubro 2007

Palavras sábias do meu Pai

"As negativas não se fizeram para os cães".

Obrigada por saberes aliviar estes estranhos momentos em que não me reconheço a mim própria.

O teu cheiro

Foi quando abri o livro que o senti outra vez. Primeiro pensei que o cheiro saía do livro. Aproximei-o de mim mas afinal só aquele odor a hóstia de domingo com um bocadinho de cola uhu. Procurei em volta a razão para me sentir assaltada desta maneira, mas não encontrei nada, só os objectos do costume a exercerem a profissão de estar ali. Percebi então que os cheiros moram dentro de nós como inquilinos silenciosos. Quando pensamos já os ter expulso, quando pensamos ter fechado todas as portas e janelas e frestas, descobrimos que afinal nunca deixaram de viver connosco.

O amor em visita

Em Lisboa eu tinha o rio, a praia, a minha casa, a casa dele, a antologia poética da poesia. Mas foi a tirar as malas do carro, à porta de um hotel sem jeito numa cidade sem história.

06 outubro 2007

Passos em Volta



Numa altura em que me faltam as palavras não é má ideia recorrer a quem as usa com mestria e que tão bem conta histórias que,afinal, são nossas.
E porque o som é mau...

Quando o sol chegou
aos subúrbios da cidade
anunciando mais um dia
igual aos outros
ele acordou e pressentiu
que hoje o seu dia ía ser
diferente
sentiu nos lábios o sabor
dum sorriso
finalmente triunfante
escorregou da cama
e contemplou
o espelho sorridente.

Acabou-se a incerteza
dos seus passos em volta
dum sentido que ele nunca
encontrou
pela primeira vez
tinha o destino nas mãos
desta vez ele não duvidou.

Sentiu-se invadir
pela estranha lucidez
que o conduzia pelas calhas
do passado
serenamente descobriu
que afinal tudo tinha o seu
sentido
levou o olhar à janela
lá em baixo
a rua estava abandonada
levantou o fecho
e de repente
alcançou a liberdade.

Acabou-se a angústia
dos seus passos em volta
dum amor com que ele apenas
sonhou
pela primeira vez
tinha o futuro nas mãos
abriu a janela e voou.

Jorge Palma

05 outubro 2007

A torneira

Era uma vez uma rapariga que vivia numa casa muito velha. Uma noite acordou com a torneira a pingar. O barulho foi crescendo crescendo e invadiu-lhe os sonhos e o corpo. Sentia os pingos a correrem-lhe no peito ping, no lavatório ping, no carro encarnado onde viajava com o avô ping, nas pernas ping, no campo de girassóis que se transformavam em girafas ping, nas mãos que agarravam a almofada ping, na senhora velha com uma capeline azul que lhes ofereceu azeitonas ping.

Levantou-se e flutuou pela casa à procura de um sítio onde o ping não ping entrasse nos seus sonhos ping e no seu corpo ping. Pela janela ping viu a árvore grande ping do jardim ping. Ali ping estaria ping a salvo ping.

Levou a almofada consigo e trepou até ao ramo maior. Antes de adormecer reparou numa falha da madeira ao lado da sua mão esquerda. Lá dentro havia qualquer coisa que brilhava, talvez um garfo esquecido ou um diamante escondido, os tesouros guardam-se sempre em sítios improváveis.

Regressou ao campo de girafas que entretanto tomavam chá com o avô, enquanto a senhora de capeline azul regava um jarro com girassóis e sorria muito. A girafa mais alta largou a chávena e pôs-lhe na mão um diamante enorme e transparente. O frio fê-la acordar. Não era um diamante nem um garfo que estava na sua mão esquerda. Era uma torneira que tinha nascido no ramo da árvore onde dormia.

Fado Português


A propósito da estreia do último filme de Carlos Saura, ontem, comentava eu com o meu irmão que, mais uma vez, é um estrangeiro a fazer a reconstrução da nossa história/memória musical. Saura contou, sobretudo, com o apoio de Carlos do Carmo.

Lembrei-me, então, de Michel Giacometti, nascido na Córsega, o etnomusicólogo que fez o mais notável trabalho de recolha, registo, tratamento e preservação do património musical tradicional português, em estreita colaboração com Fernando Lopes-Graça.

‘Fados', Carlos Saura, 2007.
'Cancioneiro Popular Português', Michel Giacometti, 1981.

Que Fado é (o) nosso?

04 outubro 2007

Fim do dia

Boa tarde, não conheço a menina, vai mudar-se para aqui? Desculpe não lhe ter dito logo boa tarde mas ainda não conheço bem os vizinhos, mudei-me há duas semanas para aqui, morreu o meu marido e vim para o pé da minha filha, vive aqui no primeiro direito. A casa ficou muito grande e a minha filha, que é doutora nos correios, disse logo mãe vens para nossa casa, o Alipio vai gostar muito de te ter connosco, as miúdas vão ficar radiantes. O Alípio é o meu genro, não sei se conhece, um rapaz assim forte e de bigode, uma jóia de rapaz, conheço-o há mais de vinte anos e digo-lhe que a minha filha nem com uma candeia tinha encontrado rapaz mais bem formado e trabalhador do que ele. De modos que vim para aqui há duas semanas, a casa onde eu vivia com o meu marido ficou de repente muito grande, dava comigo a falar ao telefone e a voz a fazer eco em toda a casa. A vizinhança aqui é boa, tudo gente de bem, a minha filha chega à hora do jantar e eu já preparei tudo, as miúdas já estão granditas e sempre agarradas ao telemóvel e ao computador, mal consigo arrancar-lhes uma palavra, o Alípio gosta muito do meu ensopado de borrego, e é assim a vida, num momento está tudo como deve ser e no minuto a seguir já não existe nada para além da minha voz a bater nas paredes da sala.

4 de Outubro

Faço minhas as palavras do dorean paxorales




Free Burma!

03 outubro 2007

Não é notícia mas devia ser




Se há o incómodo dia europeu sem carros (22/9), o inusitado dia da solidariedade das cidades património mundial da OCPM (8/8), o peganhento dia mundial das zonas húmidas (2/2), o enigmático dia da industrialização da África (20/11) e o extraordinário dia mundial para a redução de catástrofes naturais (2ª quarta feira de Outubro), para quando o dia europeu sem pombos?

Táime quê?


Imagem daqui
Anda pr'aí um alvoroço com esta revista, uns dizem que é óptima para desestressar, outras andam com os nervos em frangalhos à conta dela, e eu ainda não consegui nem um exemplar, está sempre esgotada. Qué pasa?

Propostas para o 10 de Junho - 1

fotografia daqui

Manuel Acácio, jornalista, 7 anos a deixar falar os portugueses no fórum TSF.

02 outubro 2007

Setembro

Setembro foi sempre o meu mês preferido. A luz suave, as cores vivas e quentes, a temperatura amena, a água mais quente do mar, o toque mais frio da areia. É nesta altura que nascem (florescem?) as “meninas prá escola” (beladona, para os mais eruditos) e, por causa disso, a minha mãe detestava-as! Eu não. Eu adorava vê-las porque, quando elas apareciam, já era Setembro. Já tinha chegado o meu tempo de férias das férias, o tempo onde serenava e descansava, arrumava a cabeça, fazia planos para o próximo ano, passava tardes inteiras à conversa.
E sim, inevitavelmente, em Setembro começavam as aulas. Nos primeiros dias, gostava sempre de passar por uma parede do jardim do meu liceu onde estavam estes versos do Antero de Quental:

“As fadas...eu creio nelas!
Umas são moças e belas,
Outras, velhas de pasmar...
Umas vivem nos rochedos,
Outras, à beira do mar...
(….)
Quantas vezes, já deitado,
Mas sem sono, inda acordado,
Me ponho a considerar,
Que condão eu pediria,
Se uma fada, um belo dia,
Me quisesse a mim fadar... (...)”

Queria que Setembro ainda não tivesse acabado. Este ano não considerei o condão que pediria. Entro em Outubro com a sensação que falta qualquer coisa.

Auto-ajuda

Queria um/a leitor/a saber como se insinuar eroticamente e com elegância. Aqui fica uma proposta.


01 outubro 2007

Música bonitinha



É por causa deste refrão, que oiço quarenta e três a quarenta e sete vezes por dia, que vou ficar sem capacidade auditiva que permita distinguir a sirene dos bombeiros do toque do meu telemóvel. É tão bonitinho, o refrão.

Previsões

A ter um daqueles dias para esquecer, e ainda vai a meio. Já estou com medo de atender o telefone, de abrir o mail, de responder à porta ou de sair à rua.

Vou ler o horóscopo da semana, pode ser que me anime:


Ao menos fez-me sorrir.