Até podia parecer que no meio de um dia assim, a parte do almoço seria a melhor. Errado outra vez. Ainda fui na conversa do formador quando já perto da uma da tarde nos informou que apesar de existir ali uma cantina nas instalações da casa dos artistas, como era Domingo pouca coisa haveria para comer, a não ser talvez, umas omeletes que as cozinheiras se prestassem a cozinhar. E lá fomos nós, com o estômago a dar horas, direitos à cantina onde descobrimos ser hora de ponta. Os velhotes ex-actores e artistas estavam todos a almoçar aquela hora tal como nós, mas não omeletes. Havia à escolha carne ou peixe no forno com batatas e salada e sopa de legumes. Perguntei à senhora que servia se podia pedir qualquer um dos pratos e eis quando ela me informa que aqueles pratos estavam somente destinados aos residentes e que se tivesse sido informada mais cedo pelos formadores da workshop, poderia ter feito mais comida a contar connosco. De novo, senti as narinas a ferverem. Perguntou se desejava comer uma omelete ou uma sopa. Pedi só a sopa, sentei-me, comi e saí sem pagar. Que me desculpem os mais susceptíveis às questões da moral e dos bons costumes mas caralhosmafodam se eu não havia de tirar pelo menos um pequeno prazer daquele dia!
12 maio 2009
O dia em que a realidade foi mais estranha que a ficção - Desafio fio fio em III Actos
Até podia parecer que no meio de um dia assim, a parte do almoço seria a melhor. Errado outra vez. Ainda fui na conversa do formador quando já perto da uma da tarde nos informou que apesar de existir ali uma cantina nas instalações da casa dos artistas, como era Domingo pouca coisa haveria para comer, a não ser talvez, umas omeletes que as cozinheiras se prestassem a cozinhar. E lá fomos nós, com o estômago a dar horas, direitos à cantina onde descobrimos ser hora de ponta. Os velhotes ex-actores e artistas estavam todos a almoçar aquela hora tal como nós, mas não omeletes. Havia à escolha carne ou peixe no forno com batatas e salada e sopa de legumes. Perguntei à senhora que servia se podia pedir qualquer um dos pratos e eis quando ela me informa que aqueles pratos estavam somente destinados aos residentes e que se tivesse sido informada mais cedo pelos formadores da workshop, poderia ter feito mais comida a contar connosco. De novo, senti as narinas a ferverem. Perguntou se desejava comer uma omelete ou uma sopa. Pedi só a sopa, sentei-me, comi e saí sem pagar. Que me desculpem os mais susceptíveis às questões da moral e dos bons costumes mas caralhosmafodam se eu não havia de tirar pelo menos um pequeno prazer daquele dia!
Definições
Raiva (s.f)
1. Doença própria dos cães, caracterizada por acessos furiosos; hidrofobia.
2. Grande irritação; fúria; ódio.
3. Prurido da dentição (nas crianças).
4. Espécie de bolo seco.
5. Ant. Infâmia; labéu; descrédito; mancha na reputação.
Contra (prep)
1. Denota as seguintes relações: oposição; inimizade; contradição; direcção; proximidade; encosto.
adv.
2. Contrariamente.
s. m.
3. Contrariedade, oposição; objecção; obstáculo; inconveniente. (Us. mais no pl.)
Luz (s.f)
1. O que (iluminando os objectos) os torna visíveis.
2. Candeeiro, vela ou outra coisa acesa.
3. Efeitos de luz imitados num quadro.
4. O que ilumina o espírito.
5. Claridade.
6. Brilho, fulgor.
7. Critério.
8. Evidência.
9. Ilustração.
10. Publicidade.
Morre (intr)
1. Cessar de viver.
2. Secar-se.
3. Extinguir-se, acabar.
4. Fig. Sofrer muito; não medrar.
5. Não vingar.
6. Não chegar a concluir-se.
7. Desaguar.
8. Cair em esquecimento.
9. Definhar.
10. Perder o brilho.
11. Ter paixão (por alguma coisa).
Conclusão:
Um cão com hidrofobia mastiga um bolo seco em oposição aos efeitos da luz imitados num quadro. Não chega a concluir-se.
O dia em que a realidade foi mais estranha que a ficção - Desafio fio fio em III Actos
No átrio de entrada do Centro de Formação, as pessoas preenchem dados incompletos nas fichas de inscrição e eu também recebo uma da senhora sentada à secretária. Preencho a ficha e pergunto se falta alguma coisa. A senhora anafada e cheia de afrontamentos faz um esgar, leva as mãos à boca e tem o maior ataque de tosse registado no último século. Em meia dúzia de segundos percebo o quanto me deixei afectar pelas últimas notícias dos jornais. Quero levantar-me dali com um salto e correr a fugir da possível gripe e prego a todos os deuses por uma máscara. O medo absurdo de cair no rídiculo impede-me de me mexer, bem como a todos os outros presentes e fico ali a meio metro da fera, a piscar os olhos com olhar complacente enquanto ela despeja as bactérias todas em cima de mim.
Na sala de aula estão à volta de 40 pessoas e o formador. Reparo sobretudo em duas pessoas. A senhora ao meu lado que gostava de brilhantes. Toda ela brilhava. Pequenos fio embutidos no têxtil do casaco brilhavam como fios de oiro. A mala doirada poisada em cima das pernas cruzadas. Cabelo de permanente em carapinha. Cinquenta anos de idade, imagino. Pulseiras e fio com banho de oiro. Relógio gordo e exuberante cravejado a diamantes falsos mas desta vez em prateado. Caneta para tirar apontamentos também doirada. Mas o que me espanta verdadeiramente naquela senhora é uma incrível característica. Durante todo aquele período até às 18 horas da tarde, quando todos os restantes batem o pé, trocam de posição nas cadeiras desconfortáveis, suspiram de ânsia, desenham rabiscos abstractos nas bordas dos cadernos, aquela senhora cor de sol consegue manter-se hirta como se embutida em cimento, sem mexer um centímetro do corpo, sem inclinar o pescoço sequer para olhar para o bloco de apontamentos bastando-lhe revirar os olhos, sem trocar a ordem dos pés cruzados, sem abrir a boca, sem olhar para o lado. Fabuloso.
A outra personagem em que reparo é uma rapariga nova, trinta e tal anos. Num dos intervalos vem falar comigo, diz.me que é psicóloga desempregada. Fala a cem à hora como se estivesse carregada de coca e tremem-lhe as mãos a segurar o cigarro. Pergunta se ouvi falar de um incêndio numa casa que até passou no telejornal e conta-me que era a casa do namorado com quem ela vivia e que ela tinha perdido as coisas todas que lá estavam dentro. Cinco minutos depois, fala-me da tragédia do namorado que faleceu recentemente. Pergunto-lhe se está a falar do mesmo namorado a quem tinha ardido a casa e ela confirma. Estava condenado ao azar aquele rapaz, penso eu no momento em que ela tira os óculos escuros da cara e olha para mim com um ar muito desolado pronta para iniciar a tragédia seguinte. Pois, entretanto fiquei cega de um olho...
Depois deste momento único que tem tendência a provocar a gargalhada nervosa que tive de conter à força para não ferir susceptibilidades, voltámos à aula para continuar a ouvir o discurso do formador de escrita que parecia só ter lido uma única autora durante a vida. Enid Blyton. Entre as 9 da manhã e as seis da tarde, aquele homem, quarentão, timbre de voz a fazer lembrar o Prof. Marcelo, preocupou-se e bem em oferecer-nos alguns exemplos de boa literatura. Mas todos eles pertenciam ao universo das aventuras dos Cinco. Pensei que triste era não ter ali agora o famoso cão Tim para lhe morder o rabo.
Caralhosmafodam! O dia estava a correr bem.
Desesperacimento
A Raiva
A raiva que corria nas suas veias.
A raiva que lhe rasgava a pele.
A raiva de golpes desferidos pela memória que não falhava nunca.
A raiva que sempre cedia às lembranças da luz.
A raiva contra a luz que não morria.
A raiva, muita raiva, tanta raiva que era impossível não consentir.
A raiva, essa raiva, aquela raiva, muita raiva, tanta raiva suprimiu-se à custa de tanta raiva.
Raiva por ela, raiva por ele, raiva pela raiva, muita raiva, tanta raiva.
Até não sobrar mais nada, até às palavras perderem o sentido à custa de serem lidas até à exaustão.
Até não haver mais nada, senão ela.
Sem raiva.
impossível não consentir
Agora vive às escuras. Mas prefere essa cegueira à simples lembrança da luz daquelas noites que só lhe acendem a raiva muita raiva tanta raiva que é impossível não consentir.
Aquela raiva muita raiva tanta raiva que é impossível não consentir.
Um isqueiro
À boca de cena
Oxigénio
1772: Sheele fez experiências que demonstravam a existência de um gás especial no ar, mais leve e brilhante que os outros. Não publicou as seus resultados até 1777.
Uma vela dá luz enquanto houver cera na sua estrutura
1774: Priestley fez experiências semelhantes às de Sheele, aumentando o conhecimento a que o outro tinha chegado. Esse gás fazia aumentar a intensidade do fogo e permitia que ratinhos sobrevivessem 4 vezes mais tempo que os que respiravam ar normal. Publicou estes resultados.
A chama só dura enquanto houver oxigénio no ar
1775: Lavoisier fez experiências semelhantes e chegou a resultados idênticos. Chamou ao gás oxigénio, que em grego significa formador de ácido.
Aposto que todas as vezes em que alguém repete a demonstração Sheele, Priestley e Lavoisier andam à tareia reivindicando a autoria da descoberta, escondendo à vista de todos a raiva com que ficaram contra a luz que morre. Sem oxigénio.

a corista
Era dona de um olhar felino e de uma desvergonha insinuada que cativava o mais polido dos filhos das boas famílias que a cortejavam engomados nos seus fatos de linho. Para lhes quebrar a a altivez mimada, bastava-lhe o sorriso trocista que aninhava sempre na ponta direita da sua boca. Imperava no meio deles por direito próprio de uma maneira tão eficaz quanto dissimulada. Não havia quem lhe regateasse um capricho, por mais excêntrico ou custoso que este fosse. Homens feitos perdiam fortunas por sua causa e uma multidão de adolescentes esperava cada uma das suas aparições com o fervor próprio dos crentes.
Todas as noites, no fim de cada espectáculo, era inundada de uma multidão de fãs, mais ou menos providos de buço, que se digladiavam para poder oferecer-lhe o último copo da noite e um braço para a conduzir ao carro.
As estrelas do cartaz empalideciam na sua presença e receavam medir-se com a sua popularidade. Achavam-na vulgar e desprovida de talento. Ninguém sabia bem qual era o seu.
Mais do que um desafio, ela era um destino. Um prenuncio irresistível de naufrágio. A encarnação feminina mais cabal do provérbio “vale o mal que faz pelo bem que sabe”. E eu bem sabia o bem que ela sabia…
Quando aquele bêbado idiota a atropelou com o seu AC Shelby Cobra 427 odiei-a, enraivecido, como se a culpa de morrer fosse sua. Mulheres assim merecem, no mínimo, a imortalidade…
Mari Luz, porque me abandonaste?!
O dia em que a realidade foi mais estranha que a ficção - Desafio fio fio em III Actos
- O centro de formação? - pegunto eu.
- Como é que entrou aqui?
- Hmm, subi ali pelo parque.
Ele exibe um meio sorriso como quem diz, olha esta tem a mania que é esperta e abana a cabeça.
- Não pode estar aqui. Tem de voltar a descer.
- Não vou pagar um euro por cada hora que aqui vou estar, que é até às dezoito.
- Um euro dá até às dezoito.
- A máquina lá em baixo diz que não.
- Está enganada, a máquina não diz isso.
- Diz sim.
- Está enganada, a máquina não diz isso.
- Ok, devo ter visto mal.
Silêncio.
- O centro de formação? - pergunto eu.
Ele faz o sorriso do Joker.
- Agora volta a descer e estaciona o carro lá em baixo e depois volta a vir aqui ter comigo a pé e eu explico-lhe onde é o centro.
O centro de formação, volto a perguntar de sobrancelha franzida, impávida e serena. Ele desiste do confronto com o batman.
- Ok, segue o parque sempre até lá ao fundo e depois encontra duas portas. Uma delas é a do Centro. Mas depois de entrar, feche-me a porta, se faz favor.
Sigo parque fora até não poder andar mais. 500 metros de parque. Encontro a porta e tal como ele tinha pedido, fecho-a atrás de mim e saio para o exterior. Está frio hoje. Vejo que me esqueci do casaco dentro do carro. Viro-me para voltar atrás e vejo que a porta fechada não tem maçaneta. Tinha-se partido algures no tempo e nada de improvisos, fica assim mesmo. Não posso voltar a entrar e já estou atrasada. O Joker tinha ganho. Caralhosmafodam!