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10 janeiro 2009

Corte e costura



Pego na caixa e sento-me a estudar o trabalho que me espera. Olho de um lado e de outro até decorar as medidas. Dizem que não se pode mudar ninguém, mas eu não acredito. Começo pela vaidade e corto aquele pedaço ali, entre o queixo e o peito, aquele pedaço que te faz dizeres-me que nunca encontrarei ninguém como tu. Pego num resto de tristeza que herdei da minha avó e prego-a no teu ombro, e livro-me do peso que carrego. Não posso esquecer a minha fotografia e coso-a ao lado esquerdo do teu peito.
Agora posso ir-me embora. Já não és a pessoa que amei.

21 novembro 2007

ponto cruz

Tenho tanto para contar que não sei por onde começar. Talvez comece por uma ponta solta, há quem diga que quando elas existem não se pode fazer nada da vida, mas eu não acredito nisso, a minha avó há já muitos anos me ensinou que as pontas soltas se resolvem, pega-se numa agulha daquelas grossas e é um vê se te avias, vai tudo à frente. Vai daí eu olhei para a ponta solta, ele achava que a tinha escondido bem mas coitado, não sabe a mulher que eu sou, treinada para vê-las à distância. O sorriso mais largo, as perguntas interessadas sobre o reumático da minha mãe e o que se passa na repartição durante o dia, logo ele que quando chega a casa se fecha num silêncio cheio de noticiários e de jornais, vejo-o à mesa do jantar e já é muito, duas ou três frases sobre a comida e as contas e o jantar do fim-de-semana com os casais amigos (todas as semanas a mesma coisa, ao sábado à noite juntamo-nos uns quantos, as mulheres falam de coisas delas e os homens riem-se muito na outra ponta de mesa, é assim há tantos anos que já lhes perdi a conta), e desde há umas semanas o interesse súbito em coisas que não o interessam nada, o reumático da minha mãe e a promoção que nunca mais me chega, o sorriso na cara, as perguntas que quase se atropelam e o não o deixam ficar calado. Ele deve achar coitado que não se nota nada, mas a mim não me engana, mirei a ponta solta de um lado e de outro, medi-a, peguei na agulha grossa e fiz como a minha avó me ensinou: convidei a vizinha do 7º esquerdo para tomar chá. Faz já dois dias que regressámos ao silêncio de noticiários e de jornais, o sorriso e as perguntas desapareceram, e a vizinha largou aquele perfume que empestava o elevador.