02 março 2011

Grande Maradona

"acho mal que as pessoas publiquem livros. As pessoas deviam ler, mas só por extremo azar deveriam escrever livros. (...) . Caminhamos para um mundo em que o número de leitores igualará o número de escritores (os blogues são, aliás, a realização dessa udistopia), o que será dramático para a urgência da escrita e assim. Faltarão leitores virgens, que leiam quem escreve com o objectivo único de viver mais e melhor, pelo que crescentemente será valorizada a literatura que faz escrever, e não aquela que a torna a escrita inútil. Um livro que nos provoque a escrita é um livro dispensável, quanto mais não seja porque nos parece incompleto. Quem quer que leia o Guerra e Paz, o Money ou o Vermelho e o Negro e vá a correr escrever um livro deve ser imediatamente abatido à cuspidela. Ora, como actualmente é preciso saber kung fu e karaté para nos defendermos das editoras que nos querem publicar livros, a tendência prevalecente é que as pessoas desistam de não publicar. Esta inversão da relação de forças, em que passámos da quase impossibilidade de se publicar para o assédio à publicação, produziu o natural decréscimo da necessidade e justificação dos livros que nos chegam às mãos, mas descansem que não é a falta de qualidade dos livros (que, quando são mesmo bons, muito raramente é evidente) que me apoquenta: é a incapacidade (ou a raridade) de se escrever a partir da derrota; "derrota" entendida não como um insucesso contra um inimigo interno ou externo (escrever para diluir uma tristeza; escrever para ganhar uns cobres), mas como desistência de nos organizarmos formalmente de forma independente, ou seja, sem imitarmos aqueles que nos ensinaram a ser tristes, pobres, inteligentes ou ridiculos. Chega-se a achar suficiente um texto que demonstre um certo nivel de ginástica na disposição dos elementos, como se se matasse a sede com esparregatas. Com os blogues, a escrita e a publicação de um livro passou a estar ligado por um escorrega, que quase sempre é óbvio e desinteressante, consequências inevitáveis à velocidade e automatismo com que hoje as coisas se passam. Parece que deixou de haver a "gaveta" ou a "arca", e tudo o que se escreve é um livro em potência. Posso portanto escrever e publicar o seguinte: como nunca escrevi uma linha que não tivesse sido posta à confrontação com a humanidade, de forma imediata, neste blogue, nada estará mais distante daquilo que, no meu entendimento, deveria ser um livro, sendo que estas merdas que aqui vou deixando são um desgraçado exemplo disso. Se algum dia quererei escrever um livro? Eh pá, calhando, se tiver muito tempo longe da internet, ou se me pagarem 5000 euros à cabeça. Não me peçam é para que ache isso bem; peço-vos eu que não confundam a fragilidade destes meus argumentos e opiniões com falta de convicção: para mim os blogues (enfim, a internet) deveriam ser uma alavanca para diminuir o volume de lixo publicado pelas editoras, e um momento de reflexão, que cada autor deveria utilizar para desistir cada vez mais; em vez disso, tranformou-se numa justificação para continuar."


A Causa foi Modificada

3 comentários:

na prise és bestial disse...

maradona, ézumáior.

no baile da d. ester disse...

"abatido à cuspidela" é sem dúvida um conceito a reter.

oito disse...

é tão bom, que se sente a pulsão de passar do conceito à prática!