07 janeiro 2012

O cúmulo da ironia (história verídica com nomes semi fictícios)

Ricardo e Carlos eram dois jovens que em comum tinham o bairro em que moravam e o verem-se convocados para a mesma guerra embora em palcos diferentes. Ricardo, filho de gentes abastadas, iria parar à Guiné, onde o terreno era difícil e as balas, muitas, resultavam em grandes perdas para a nação que Salazar comandava; o outro, menos endinheirado e filho de pai que queria dar-lhe uma lição de vida e ensinar-lhe o que é "ser homem" (expressão sempre dita com vários pontos de exclamação a marcar o orgulho pelo produto final viril), não o poupando a esta tortura, tinha passagem marcada para andar aos tiros em Angola. A família do primeiro moveu influências e solicitou uma troca de postos com Carlos, o que veio a assegurar mediante a oferta de umas quantas notas de mil escudos. Quis o destino que a aventura de Ricardo em Angola não durasse mais de um dia. Haveria de regressar à metrópole, como tantos outros, em posição horizontal e mais rapidamente do que era suposto. Já Carlos cumpriu quase todo o serviço na Guiné até ao dia em que os estilhaços de uma mina o interromperam. E viveu uma vida em permanente conflito consigo próprio, uma vida na qual nunca mais se ergueu em absoluto, mas uma vida cheia e longa.

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