26 julho 2014

Desvidas


Há muito que F. não trabalha, desde que no seu corpo começaram a crescer “coisas más”; assim lhe chamam as pessoas, com medo de pronunciar o vocábulo maldito. Cancro. Não um, mas dois.

F., inicial do seu nome, de franzina, que consigo rimava, mas também de força, aquela com que deu luta à doença durante os últimos anos. Não somos propriamente amigas, mas liga-nos uma vida de trabalho e de algumas conversas simpáticas que tivemos, sobre filhos, sobre a vida, sobre a necessidade de largar vícios e até sobre a doença que a minava aos poucos. E impossível não sentir carinho por ela. Doce, frágil, de sorriso tímido e maroto e corpo saltitante.

Hoje ganhei coragem, a que me tem faltado e que encontra sempre muitos argumentos, e fui vê-la. Que estava bonita e lhe ficava bem a maquilhagem, assegurei. Falámos uma vez mais dos filhos, dos dela, dos meus, dos dos outros. Do trabalho, da vida e da solidão com que ela se tem desenhado. E lá estava o seu sorriso. Tímido e maroto. O corpo já não saltitante, mas desse, nem uma palavra, nem do que continha lá dentro. Bebemos chá e fez-me prometer que agora sim, iria largar o vício do tabaco, tantas vezes tema das nossas conversas. Despedimo-nos com um abraço longo.

Assim quero eu escrever a história.

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