03 novembro 2012
Para dias assim-assim
Na grafonola, e com volume sonoro alto a bem alto, coloque Caetano Veloso, qualquer um que tenha à mão. Em seguida, feche os olhos e deixe-se inundar pela alegria da música e optimismo dos seus poemas. Na sua boca verá então surgir o esboço de um sorriso. Acentue-o. Aos poucos, deixe o seu corpo mexer-se, até ter ganho vida própria. Quando atingir esse ponto, o seu dia ter-se-á transformado num dia-sim. Cubra tudo com uma boa leitura e acompanhe com uma bebida quente.
31 outubro 2012
Porque sim!
30 outubro 2012
fio fio fiuuuu fiuuu fiiiiiiiiiiiiiiuuuuuuuu uuuuuuu
iuuuuu, belas adormecidassss....
e que tal um desafio para ajudar a acordar? e os leitores e leitoras que andarem por aí meio adormecidos também podem participar.
o desafio é para continuar a encher o chouriço, salvo seja, do label "medicina musicopática".
Tanto podem ser posts como videos (curtos de preferência), feitos com o telemóvel ou como quiserem.
para quem quiser participar do nosso inestimável público (e ouve-se uma aranha a descer pelo seu fio no meio de uma sala vazia) basta enviar o texto ou video para oitoecoisa@gmail.com e será publicado (devidamente identificado e inserido na nossa licença de creativecommons).
até 1 de dezembro de 2012.
aceitam? alguém tem algum outro desafio para a troca?
e que tal um desafio para ajudar a acordar? e os leitores e leitoras que andarem por aí meio adormecidos também podem participar.
o desafio é para continuar a encher o chouriço, salvo seja, do label "medicina musicopática".
Tanto podem ser posts como videos (curtos de preferência), feitos com o telemóvel ou como quiserem.
para quem quiser participar do nosso inestimável público (e ouve-se uma aranha a descer pelo seu fio no meio de uma sala vazia) basta enviar o texto ou video para oitoecoisa@gmail.com e será publicado (devidamente identificado e inserido na nossa licença de creativecommons).
até 1 de dezembro de 2012.
aceitam? alguém tem algum outro desafio para a troca?
Para os dias em que não se sabe quem se é
Risquei o teu nome de
todos os compêndios de História universal
Rasguei-te de todas as
fotografias
Fechei todas as portas e janelas
por onde pudesses entrar
Cortei estradas, dinamitei
pontes
Cuspi o meu ódio em todos
os rios e mares
Cortei veias (cortei-te as veias!)
Matei-te e gritei a tua morte como
quem ergue o triunfo de uma caçada.
Matei-te. Mas tu não me morreste.
todos os compêndios de História universal
Rasguei-te de todas as
fotografias
Fechei todas as portas e janelas
por onde pudesses entrar
Cortei estradas, dinamitei
pontes
Cuspi o meu ódio em todos
os rios e mares
Cortei veias (cortei-te as veias!)
Matei-te e gritei a tua morte como
quem ergue o triunfo de uma caçada.
Matei-te. Mas tu não me morreste.
22 outubro 2012
Para os dias em que se sabe quem se é
(Ler em voz alta procurando fazer entoações diferentes ou inventando músicas.
Repetir duas ou três vezes ao dia. Pode deixar ao alcance das crianças.)
Eu sou fado, sou guitarra, sou merengue,
bossa nova e funáná.
bossa nova e funáná.
Sou passada,
sou quizomba, sou qualquer.
Sou bolero e tango,
vallenatos e rancheras,
vallenatos e rancheras,
sou Martirio, sou “a pele que
há em mim”
nos dias em forma de assim.
Sou corridinho, sou chorinho,
sou brasil, sou carinho e cafuné.
sou brasil, sou carinho e cafuné.
sou zouc,
salsa
e son,
sou para o que der e vier
Sou jazz, sou soul, sou Aziza,
Sou cumbia, sou vira,
e viro e torno a virar,
a roda vai continuar,
a ver se me entranhas
ou se ficas lá no ar,
ou se ficas lá no ar,
que eu sou fado, sou guitarra,
sou merengue,
sou qualquer
e sou
e sou
só uma.
Para dias de limpeza na casa e/ou de concentração
a flauta mágica de mozart. Pôr o volume em doses generosas, deixar inundar toda a casa e abrir as janelas, faça chuva ou faça sol.
Para as avarias da vida
variações goldeberg (bach). Alternar entre a
primeira e a segunda gravação, duas ou mais vezes ao dia. Pode afetar a condução de veículos.
18 outubro 2012
a insustentável estranheza do eu
Olho-me fixamente no espelho e por
mais que olhe de um lado do outro e de trás, continuo a ver aquela que já não
quero ser mas que continua pegada a este corpo que parece ser meu.
08 outubro 2012
Viúvas cruzadas em linhas de tempo paralelas
Ás vezes, caminhar no meu bairro, onde nasci, cresci e
onde revivo agora, é como caminhar em linhas cruzadas de tempo, onde o passado
se espelha no presente como sacudidelas à memória e à consciência entorpecidas.
Estou na paragem de autocarro, de novo em dia de greve de metro, e vejo-as
atravessar a estrada a caminho da Igreja.
Passam de braço dado, cada uma apoiando na outra as dores
das muitas idades dos seus corpos, as duas vestidas de negro carregado e
púdico, escondido. Parecem iguais às viúvas do meu bairro de há 30 e muitos
anos atrás, quando eu era uma miuda e quase todas as mulheres avós eram viúvas,
a dona antónia do sr brás cuja cara juro que vi no céu em forma de nuvem no dia
em que morreu, a augusta do nogueira que morreu levado pelo cancro, a dona
firmina, a dona brilhante e tantas outras. Passam, antes como agora, com aquele
ar de que lhes pesa a vida, a existência,
circunscrevendo-se num mundo de hábitos enraizados e repetidos no dia a
dia de dar continuidade a um morto e suportar o peso de um corpo. Se hoje são
octogenárias, quando eu era criança. deveriam andar nos 50. Ou seja, poderiam
ser quase da minha geração actual, podiam ser eu, qualquer uma de nós hoje.
Dentro de uns anos também vamos ser as velhas, as senhoras maiores do futuro,
vamos ser amanhã uma parte do que somos hoje. É um bilhete faz favor, que me
esqueci outra vez de carregar o cartão. Eu só desejo que ainda que nos possa
pesar o corpo, não nos pese a existência.
da importância das costas
Tenho umas ervilhas com ovos escalfados ao lume e
enquanto espero que fiquem no ponto, queria comentar-vos uma coisa de interesse
público para a humanidade, ou pelo menos para mais de metade da mesma, ou pelo
menos para umas tantas…e é que não são uma, nem duas, nem três as mulheres que
se queixam que muitos homens ignoram por completo as suas costas e nem festas,
nem caricias nem massagens a esta zona tão importante do nosso corpo, nem no
acto sexual nem fora dele. Alguns parecem desconhecer ainda que para além de
vagina, clitoris e mamas, as mulheres temos costas e nelas temos omoplatas,
coluna, ombros, ancas, lombares, muitas curvas e concâvos, muitos caminhos por
onde as vossas mãos, lingua, cara, cabelo, tronco, pernas, pénis podem
percorrer, saborear-se e deleitar-nos. Explorem-nos, perguntem-nos, ouçam-nos,
conquistem-nos e percam-nos, percam-se em nós e verão como pode ser simples
chegar ao céu sem sair da terra.
06 outubro 2012
ebulição
Em mim tudo está tenso, os meus ovários, as minhas
mamas, as minhas veias acumulam
sangue que as pressiona e me pressiona. Tudo me parece negro, o mundo é um
lugar inóspito e sem sentido. Abro a janela para o mundo e no écran dou-me
conta de que o país e a sua bandeira estão ao contrário, há um congresso de alternativas
democráticas que discutem não sei que alternativas, há gente desesperada, há
gente com raiva, a violência parece estar preso por um débil fio, há ministros rodeados de
guardas costas com medo de sair à rua, o caldeirão da nossa vida ferve, ferve,
ferve. O sangue escorre-me por
entre as pernas e tudo se distensiona em mim, recupero o meu corpo, recupero a
cordura, esboço um sorriso. Mas lá fora tudo continua em tensa calma, ferve,
ferve, ferve.
05 outubro 2012
Uma manhã
Sentei-me ao lado dela no autocarro. No colo, um caderno onde escrevia furiosamente.
2ª feira
pão € 1,60
legumes € 3,80
3ª feira
pilhas relógio pedro € 3,40
passe € 35
Encolhi-me na pornografia da minha riqueza. Sim, ando de autocarro. Sim, não compro roupa há meses. Sim, também sinto que o bolso encolhe a cada dia. Mas ainda não faço conta aos cêntimos do dia.
Tenho vergonha e medo e raiva do mundo em que vivemos.
03 outubro 2012
retratos
Ás vezes penso em ti, és um retrato a preto e branco guardado no hábito da minha memória e que pretende ser presença na minha realidade
multicromática. Não existes.
Uma manhã, num autocarro.
Num banco de dois lugares eu e um senhor de 80 anos que parecia ter 60. De pé, junto ao nosso assento, um tipo de quarentas, jeans rasgado de cima a baixo e uma camisola que lhe deixava ver o umbigo, com um headphones por onde ele e toda a gente ouvia rock a abrir e uma rapariga que devia ter 30 mas parecia de 40 e que falava ao telemóvel com voz estridente e despachada. Nos instersticios, magotes de gente a tentar chegar a algum sitio em dia de greve do Metro. O senhor levanta-se abruptamente, pousa todos os seus papéis no banco põe-se a procurar o seu bilhete. O autocarro curva para um lado, curva para o outro e o senhor tambaleia para um lado, tambaleia para o outro. Eu em sobressalto atenta a ver se o podia agarrar, o tipo do rock e a rapariga também, os 3 a fazer um cordão de segurança à volta do senhor, algumas pessoas à nossa volta também atentas ao iminente desiquilibrio do senhor. Depois de muito procurar ao ritmo das curvas, arranques e travagens, o senhor resolve ir até ao motorista contar-lhe a sua situação, a rapariga dispõe-se a ir com ele e resolver já tudo, não se preocupe, vai ver que tudo tem solução, tudo isto sempre em voz muito alta, o que ajuda a que todo o autocarro já esteja inteirado da situação do senhor e participe também na missão “à procura do bilhete perdido”. Entretanto o senhor encontra o bilhete, que afinal nunca tinha saído do bolso das calças e senta-se de novo ao meu lado, contente.
Depois de um minuto de contentamento colectivo, ouve-se: pois, hoje em dia as pessoas já não estão dispostas a ajudar ninguém, e começa-se a dissertar sobre esta certeza agora colectiva. E o senhor ajudado concorda, agora anda tudo muito individualista, já ninguém ajuda ninguém. A rapariga estrondosamente prestável, diz: o que me consola é o meu paizinho que me diz, ó filha, tu és uma santa!, tens um lugarzinho no céu à tua espera. O senhor conta uma desgraça recente, o meu carro avariou numa estrada do algarve e ninguém parou, é inacreditável. Mas num momento, fica em silêncio, pára, pensa e diz: mas a verdade é que eu também não pararia, a gente sabe lá, hoje em dia há tanta gente a querer fazer mal, ainda outro dia contou-me um vizinho meu que parou o carro na autoestrada… e continua com o tema da desgraça em que está este mundo.
Chega a minha paragem, desço do autocarro, e lá dentro fica o senhor com o seu bilhete no bolso, a rapariga despachada e alma caridosa com lugar no céu, o rapaz do rock que mais coisa menos vai precisar dos serviços da Sonatone e mais outras tantas pessoas solidárias que também procuraram o bilhete ou estiveram com atenção para o senhor não cair, a falar da desgraça em que está este país, o mundo, ninguém ajuda ninguém.
01 outubro 2012
Telelavores boa tarde, em que posso ajudar?
- Boa tarde, ouvi dizer que a Telelavores tem um serviço de xailes por encomenda.
- Sim senhora, confirmo. Trabalhamos com os melhores materiais e executamos o modelo que os clientes desejam.
- Então faça a fineza de tomar nota do meu pedido. Eu queria um xaile negro BDSM. De lã virgem, claro.
- Tem preferência pelo material das franjas do xaile? Podem ser em cabedal?
- Franjas, só em vinil.É que o meu escravo é vegan.
de um porto italiano ao futuro
Recentemente resolvi comparar os dvds do Marco para mostrar à minha filha e recordar a série que tanto me tinha presa à televisao sofrendo pelo míudo que nao encontrava nunca a mãe. Nem tinham passados 10 minutos do primeiro episódio e já estava eu a correr para a casa de banho, a chorar convulsivamente, carpindo memórias que pensava esquecidas, perante o olhar espantado da minha filha. Ao terceiro episódio lá recuperei e comecei a seguir a história. É curioso, quando era míuda não tinha reparado que o Marco tinha de trabalhar para sobreviver, que bebia vinho, que além de ir à escola tinha de trabalhar em casa para poder ajudar a sua familia e que estava separado da sua mãe porque ela teve de imigrar para poder ganhar dinheiro para a familia. Ou que queria ser médico quando fosse grande e às vezes parecia um homem pequenino e não um menino, ainda que o seu macaquinho puxava-o para as macacadas próprias das crianças.
30 setembro 2012
Ontem
reuniram-se as múltiplas só porque sim, tinham saudades de estar
juntas. Têm um blog em comum onde em geral não escrevem. Quando se encontram falam do blog e de outras coisas. Em
geral começam a falar do blog e logo o tema varia. Falam muito de política actual,
mas desta vez, derivado ao facto
que a situação do país e do mundo está muito escaldante e que cada cabeça sua
sentença e antes que fosse só esse o tema do jantar e se engalfinhasem todas, resolveram vetá-lo (só por este jantar, porque elas não
se aguentam e que porque a diferença faz parte da vida).
Também perdem horas a falar de crochet: eu agora cada vez que penso em homens,
começo logo a imaginar como fazer naperons, ou, o sexo tântrico para mim é como
o crochet, sempre são coisas que eu penso que um dia gostava de experimentar,
uma tipa numa festa de bdsm ia toda vestida de cabedal e por cima tinha um
vestido de rendas negro como os dos panos de tabuleiro das avós. De síntese
ficou uma bela reportagem gráfica, a tarefa de ver a casa dos segredos para poder falar disso com propriedade no próximo jantar, uma sala com as janelas abertas há dois dias
para fazer sair o cheiro a cigarros e, apesar de que aparece um facalhão no registo gráfico, não temam, estava destinado ao bolo
de brigadeiro, ainda não foi desta que matámos o oito e coisa. A recuperação
pode estar por um fio. Ou não. Só nós
dDeus e as oito e coisa nove e tal é que sabemos.
24 setembro 2012
Tem dias
Tem dias em que acordo e sinto que estou fora do tempo. Ou que o meu tempo já passou. Olho em volta e sou a inveja.
Inveja da lisura da pele. Inveja dos anos que se tem pela frente quando se tem vinte. Inveja de tudo o que se pode vir a fazer. Inveja da surda admiração que a juventude acorda. Não por nada de especial, mas pela simples e fugaz perfeição material dos corpos ainda intocados.
Descubro: o meu tempo já passou.E quando o tive, fui a mais inconsciente das criaturas, sentada na soberba de tudo o que havia de vir.
Tem dias que deviam ser noites. O sono é a melhor forma de esquecimento.
17 setembro 2012
O prazer da leitura
O projecto Hysterical Literature de Clayton Cubitt.
À nossa frente, mulheres que lêem um livro. Tudo o que as faz hesitar, suspirar, sorrir, passa-se fora do nosso olhar.
Não me importava de ser a próxima cobaia.
09 setembro 2012
As férias
Sabe,
menina, este ano só vou uma semanita, aluguei uma casita no Algarve, é mais por
causa da minha filha, está a ver o que seria se a miúda não tivesse nada para
contar das férias às amigas da escola, as outras miúdas cheias de histórias e a
minha sem nada para lembrar, por isso este ano aluguei um apartamentozito perto
de Quarteira, mas este ano só dá mesmo para uma semanita.
Eu gosto muito das minhas férias e aproveito para fazer o que não
faço durante o resto do ano: sento-me na esplanada da praia a vigiar os
mergulhos da miúda - e dos magarefes que já começam a por olho nela – e
hidrato-me por dentro, uma duas três minis até ficar saciado. Chega, então, a
vez de me hidratar por fora: levanto-me da cadeira de poliuretano da esplanada,
deixo a mini e os tremoços, pego na miúda pela mão (às vezes até a ponho aos
ombros) e mergulhamos os dois na água cálida deste mar, “oh pai não me atires
assim tão alto, oh pai olha que os meus amigos estão todos a olhar para nós, oh
pai pára com isso”, mas eu não ligo. Do que a miúda precisa é de uns bons
momentos com o pai desde que a mãe ma começou a entregar todos os
fins-de-semana de 15 em 15 dias, dizia que eu era violento, que a guerra me
tinha pisado uns parafusos, mas verdade verdadinha é que eu não nunca fui do
tipo de levantar a mão a uma mulher, posso ter dito umas coisas das quais me
arrependo, mas nunca nenhuma das duas levou uma cachaporra daquelas, isso era
no tempo dos meus pais quando fugíamos à escola, aí sim era porrada a valer,
três dias a mondar o campo, e agora vem-me esta miúda queixar-se dos três
mergulhos com que a atiro à água. Duvido que estes miúdos estejam preparados para
a vida, com que responsabilidade é que vão tomar conta de nós, dos seus pais,
se não sabem nada de nada da vida, é tudo dado por adquirido, até esta semanita
de férias aqui neste apartamentozito em Quarteira?
Como é que vou pagar as férias? Isso é só fazer contas, graças a
deus que nunca me falhou essa vocação. No meu caso, deixo acumular duas contas
de eletricidade e quando receber o aviso de corte vou logo à loja do cidadão e
pago em dinheiro vivo. Este ano vou fazer o mesmo com o gás, já tenho gás natural
no bairro onde vivo, graças a deus, duas contas acumuladas e a garantia de
férias no apartamentozito do Algarve. Não se preocupe menina, eu depois faço
horas extraordinárias neste carro onde a conduzo, se for preciso 12, 13, 14
horas por dias. A única coisa certa é que a minha miúda vai ter que o que
contar às amigas quando voltar à escola.
15 fevereiro 2012
14 de fevereiro
Não é hoje porque foi ontem. Foi ontem que quis fazer-te esta homenagem de tantos anos que levaste a martelar-me os ouvidos, a mim e às minhas irmãs, com esta Procissão. Era isto e o chapéu aos quadradinhos, sempre igual, apenas aumentava o número de chapéus. Mas ontem fiquei inerte, mãos presas, à espera apenas de te ouvir cantar e a tua voz a martelar-me os ouvidos.
05 fevereiro 2012
o drama, o horror
Não é verdade, mas podia ser.
Mais do que as birras e as noites sem dormir da infância, as febres e cabeças partidas, sobreviver à adolescência dos filhos é um milagre.
Brain-Dead Teen, Only Capable Of Rolling Eyes And Texting, To Be Euthanized
mais um brilhante video the onion
17 janeiro 2012
11 janeiro 2012
E um feriado pessoal para nos celebrarmos a nós mesmas?
Para mulheres que não desistem de si e de serem bonitas. Falo de nós, globulistas deste gulob em mudança inspiradora.
Por tudo e por nada
Por todas as más palavras que te mereci e as boas que nunca haviam de chegar, as noites em desassossego, os jantares à espera ou com fim trágico, a prepotência com que irrompias pela nossa casa e impunhas os teus humores de fel, pelas vezes que me rasgaste por dentro... apenas quero agora dizer-te que a minha casa é o meu continente e a minha cama demasiado pequena para conter mais que um corpo, o meu.
fotos do fogo
(ou outra forma de contar a guerra colonial)
Fotos do Fogo
Chega-te a mim
mais perto da lareira
vou-te contar
a história verdadeira
A guerra deu na tv
foi na retrospectiva
corpo dormente em carne viva
revi p´ra mim o cheio aceso
dos sítios tão remotos
e do corpo ileso
vou-te mostrar as fotos
olha o meu corpo ileso
Olha esta foto, eu aqui
era novo e inocente
"às suas ordens, meu tenente!"
E assim me vi no breu do mato
altivo e folgazão
ou para ser mais exacto
saudoso de outro chão
não se vê no retrato
Chega-te a mim
mais perto da lareira
vou-te contar
a história verdadeira
Nesta outra foto, é manhã
olha o nosso sorriso
noite acabou sem ser preciso
sair dos sonhos de outras camas
para empunhar o cospe-fogo e o lança-chamas
estás são e salvo e logo
"viver é bom", proclamas
Eu nesta, não fiquei bem
estou a olhar para o lado
tinham-me dito: eh soldado!
É dia de incendiar aldeias
baralha e volta a dar
o que tiveres de ideias
e tudo o que arder, queimar! no fogo assim te estreias
Chega-te a mim
mais perto da lareira
vou-te contar
a história verdadeira
Nesta outra foto, não vou
dar descanso aos teus olhos
não se distinguem os detalhes
mas nota o meu olhar, cintila
atrás da cor do sangue
vou seguindo em fila
e atrás da cor do sangue
soldado não vacila
O meu baptismo de fogo
não se vê nestas fotos
tudo tremeu e os terremotos
costumam desfocar as formas
matamos, chacinamos
violamos, oh, mas
será que não violamos
as ordens e as normas?
Chega-te a mim
mais perto da lareira
vou-te contar
a história verdadeira
Álbum das fotos fechado
volto a ser quem não era
como a memória, a primavera
rebenta em flores impensadas
num livro as amassamos
logo após cortadas
já foi há muitos anos
e ainda as mãos geladas
Chega-te a mim
mais perto da lareira
vou-te contar
a história verdadeira
quando a recordo
sei que quase logo acordo
a morte dorme parada
nesta morada
aguçadamente escrito pelo sérgio godinho e enternecedoramente cantado por ele, Carlos do Carmo e Camané no ámbum "O Irmão do Meio".
Fotos do Fogo
Chega-te a mim
mais perto da lareira
vou-te contar
a história verdadeira
A guerra deu na tv
foi na retrospectiva
corpo dormente em carne viva
revi p´ra mim o cheio aceso
dos sítios tão remotos
e do corpo ileso
vou-te mostrar as fotos
olha o meu corpo ileso
Olha esta foto, eu aqui
era novo e inocente
"às suas ordens, meu tenente!"
E assim me vi no breu do mato
altivo e folgazão
ou para ser mais exacto
saudoso de outro chão
não se vê no retrato
Chega-te a mim
mais perto da lareira
vou-te contar
a história verdadeira
Nesta outra foto, é manhã
olha o nosso sorriso
noite acabou sem ser preciso
sair dos sonhos de outras camas
para empunhar o cospe-fogo e o lança-chamas
estás são e salvo e logo
"viver é bom", proclamas
Eu nesta, não fiquei bem
estou a olhar para o lado
tinham-me dito: eh soldado!
É dia de incendiar aldeias
baralha e volta a dar
o que tiveres de ideias
e tudo o que arder, queimar! no fogo assim te estreias
Chega-te a mim
mais perto da lareira
vou-te contar
a história verdadeira
Nesta outra foto, não vou
dar descanso aos teus olhos
não se distinguem os detalhes
mas nota o meu olhar, cintila
atrás da cor do sangue
vou seguindo em fila
e atrás da cor do sangue
soldado não vacila
O meu baptismo de fogo
não se vê nestas fotos
tudo tremeu e os terremotos
costumam desfocar as formas
matamos, chacinamos
violamos, oh, mas
será que não violamos
as ordens e as normas?
Chega-te a mim
mais perto da lareira
vou-te contar
a história verdadeira
Álbum das fotos fechado
volto a ser quem não era
como a memória, a primavera
rebenta em flores impensadas
num livro as amassamos
logo após cortadas
já foi há muitos anos
e ainda as mãos geladas
Chega-te a mim
mais perto da lareira
vou-te contar
a história verdadeira
quando a recordo
sei que quase logo acordo
a morte dorme parada
nesta morada
aguçadamente escrito pelo sérgio godinho e enternecedoramente cantado por ele, Carlos do Carmo e Camané no ámbum "O Irmão do Meio".
10 janeiro 2012
trezentosesessentagraus
Adoro decoraçao, adoro mudar tudo. Gosto de arrastar móveis, repensar espaços, imaginar e ensaiar como os mesmos objectos podem modificar um ambiente de um espaço, gosto de ver tudo a circular e a mudar de sitio, para continuar em frente com a vida mas com uma lufada de ar fresco. Gosto de mudar a minha casa e gosto de mudar as casas das minhas amigas e amigos, ainda que nem sempre a coisa saia bem, como quando dormi na sala da casa de uma amiga e a acordei de madrugada para lhe perguntar se podia mudar uma ou outra coisinha na sala, ao que respondeu que sim meio ensonada e quando acordou na manha seguinte teve um baque e um ataque de surpresa e agrado mas com uma nesga de mau humor, que atribuí à possibilidade de não ter dormido bem por causa do barulho dos móveis a arrastar durante a noite. É a única explicação que encontro para me ter feito voltar a pôr tudo no seu lugar inicial.
à berlinda ao serviço da pátria
Outro dia o meu pai, numa viagem de carro a propósito de umas fotografias de que precisava, contou-me que uma vez, acabado de vir da guerra e precisando de renovar o bilhete de identidade, foi tirar uma fotografia numa qualquer fotomaton. Sentou-se no banquinho giratório ajustado á sua medida, olhou em frente, e não aguentou, desatou a gritar e a correr dali para fora, assustado pelos sucessivos flashes da máquina. O meu pai disse que a minha mãe contava isto como uma história divertida, em que ela se escangalhava a rir (quando ria com gosto a minha mãe era mesmo muito efusiva). Mas ao contrário, continuou ele com um certo pesar, já punha um tom mais sério quando contava a história do senhor neves, quando recém regressado de angola ao serviço da pátria, que uma vez estava num café quando o empregado deixou cair a bandeja grande e metálica no chão e imendiatamente ele se pôs debaixo da mesa. Acho que o meu pai se lamentava por ela reconhecer o senhor neves como um afectado da guerra e não reconhecer nele as consequências da guerra. Com este episódio dei-me conta que ultimamente por uma razão ou por outra, a guerra colonial anda na berlinda da minha vida. Quase todas as minhas amigas têm pais que foram à guerra, que partiram jovens e foram fazer uma guerra que não era sua.. Alguns tentaram ser refugiados em frança ou na suiça mas poucos o conseguiram. A julgar pelo meu pai e pelo que vou pescando dos seus, só muito de quando em quando falam desse tema, até podem analizá-lo, racionalizá-lo enquanto fenómeno politico e social condenável, obviamente com motivos económicos identificáveis, com consequência sociais e até psicológicas para os soldados da guerra, esse ente externo e estranho, mas, portas dentro de casa e de si, fez-se silêncio, já passou, não se fala para que ele não possa viver de novo, a gente tem que ser forte e ninguém quer ser um inválido de guerra, o que lá vai lá vai, os miudos ainda podem ficar impressionados. Ou então contam os seus actos de bravura, elogiam os seus reflexos apurados, a sorte, a camaradagem e as dificuldades com os outros como eles. Pouco dizem sobre o horror do que viveram, ainda que este às vezes se lhes escape surdo nos pesadelos que lhes trazem de novo o que viveram na guiné, moçambique ou angola. Talvez esse não dizer seja uma forma de apagar esse tempo, ou talvez não consigam encontrar dentro de si as palavras para contá-lo sem que volte a fazer-lhes mal. Talvez se tenham convencido de facto que já passou. Mas ela esteve aí, a guerra colonial existiu, a que conhecemos e a que adivinhamos. Afectou os nossos pais, as nossas mães, as nossas familias e até a nós, que tentamos conhecer e compreender melhor a presença surda e muda desse tempo que anda à berlinda nas nossas vidas.
08 janeiro 2012
Alta voltagem
Vou oscilando entre uns minutos na cadeira eléctrica e enfiar os dedos na tomada. Porque eu gosto mesmo é de uma bela descarga.
07 janeiro 2012
O cúmulo da ironia (história verídica com nomes semi fictícios)
Ricardo e Carlos eram dois jovens que em comum tinham o bairro em que moravam e o verem-se convocados para a mesma guerra embora em palcos diferentes. Ricardo, filho de gentes abastadas, iria parar à Guiné, onde o terreno era difícil e as balas, muitas, resultavam em grandes perdas para a nação que Salazar comandava; o outro, menos endinheirado e filho de pai que queria dar-lhe uma lição de vida e ensinar-lhe o que é "ser homem" (expressão sempre dita com vários pontos de exclamação a marcar o orgulho pelo produto final viril), não o poupando a esta tortura, tinha passagem marcada para andar aos tiros em Angola. A família do primeiro moveu influências e solicitou uma troca de postos com Carlos, o que veio a assegurar mediante a oferta de umas quantas notas de mil escudos. Quis o destino que a aventura de Ricardo em Angola não durasse mais de um dia. Haveria de regressar à metrópole, como tantos outros, em posição horizontal e mais rapidamente do que era suposto. Já Carlos cumpriu quase todo o serviço na Guiné até ao dia em que os estilhaços de uma mina o interromperam. E viveu uma vida em permanente conflito consigo próprio, uma vida na qual nunca mais se ergueu em absoluto, mas uma vida cheia e longa.
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