A dona Rosa dos jornais e o senhor António das frutas que parecem esperar a minha saída apressada pela manhã para me darem os bons dias, a rapariga de olhos gigantes que à porta da garrafeira me detém para uma gargalhada partilhada entre dois dedos de conversa em que maldiz o género masculino, o senhor da bilha de gás que em nada se assemelha à rapariga da Galp e que vive rodeado de gatos, os empregados com ar gasto e pouco brioso do restaurante da frente, o senhor Victor do talho que corta carne com a delicadeza e a distinção de quem faz arte, a família de brasileiros que no andar de baixo recebe gente dia sim dia não e que me custa perceber se confraternizam ou se se matam. A "menina" Estrela que mora no andar de cima, que leva para mais de duas décadas de avanço em relação a mim e que me confidencia que o segredo da sua jovialidade é nunca ter casado nem ter tido filhos. As ex putas, os ex toxicodependentes e outros párias, todos alcoólicos, todos sem dentes, que vegetam no take away da frente e que controlam a rua. O rapaz imigrante que na sua loja de conveniência vê televisão no ecrã micro enquanto aguarda a entrada de um cliente menos desconfiado a quem confidencia vender muito mais barato que o "chino" da rua. Outra dona Rosa que aproveita cruzar-se comigo para falar das articulações e da puta da idade, que traz sapiência mas não saúde.
Como é boa a vida num bairro em que as pessoas se olham nos olhos!
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