16 março 2009

Caderneta do bairro

A senhora loura gorda e muito pintada que almoça sozinha. O gigante que colecciona imperiais e garante que por cima dele só os aviões. A cabeleireira deprimida que chora entre brushes e tintas no salão. O desgosto de amor do dono do café e os planos infalíveis para recuperar a mulher perdida. O marido da cozinheira que colecciona selos e compra moedas antigas. A corista que envelheceu mas se lembra ainda das noites no parque mayer. O alcoólico a quem mataram o gato e que deixou de beber para não esquecer a ofensa. O casal que se separou e pôs a casa à venda. O ladrão que pintou o tecto da mercearia e afinal até é bom rapaz. A senhora do quiosque que sabe de cor os casamentos e divórcios das revistas. O cão que ladra todo o dia na varanda. O florista que toca numa banda de trash metal.

12 comentários:

na prise és bestial disse...

A violencelista russa que limpa escadas em lisboa. A senhora do clube de video que estuda direito à noite. O homem do talho a quem falta o mindinho direito. O café de bairro dividido entre o sportinguismo da dona e o benfiquismo doente do marido. O bêbedo que arruma carros e tem saudades da filha que não vê há dez anos. O dono da papelaria que suspira por áfrica e maldiz a cidade velha onde aterrou há mais de 30 anos.

o chofer a dançar com a criada disse...

O velho que já experimentou todos os negócios na mesma loja e que nunca consegue vingar. O senhor que fala sozinho em voz alta e que cumprimenta todos os que passam. Os donos do café que são amigos da polícia e nunca perdem a licença por causa do barulho.A vizinha que é imobiliária e que trata dos gatos abandonados do bairro. A rapariga do mercado, mãe solteira que fala dos seus encontros amorosos com tristeza.A senhora brasileira da loja dos perfumes que passa o dia na rua a fumar cigarros.

nove e tal disse...

os testemunhas de jeová envangelizadores e chatos como a potassa, a vizinha da frente com o aneurisma-de-há-20-anos e o seus desiquilíbrios que me planta flores no meu canteiro, o jardineiro angolano septuagenário que agora arranjou um ajudante, a mulher antipática da churrasqueira que rosna cada vez que lhe peço para trocar dinheiro para cigarros, a farmacêutica que pôs um letreiro 'gratuito' na máquina de de medir a tensão, o pedinte sorridente com lugar cativo à porta dos correios, o toxicodependente sempre a dormir de um sono narcótico à porta da farmácia, a manicure deprimida, a empregada de café que gosta mais de mulheres do que homens e manda-lhes piropos descarados, os mais de muitos estudantes nesta zona da cidade, os quintais por onde me entretenho a passar e a olhar e a fazer a contabilidade das árvores e a dar conta do progresso das restantes plantas e a constatar que em março proliferam os jarros e os lírios (um dia destes torno-me num cromo para a troca).

não resistiu ao wiski disse...

O velho das muletas que anda sempre com o seu pequenino cão pela trela (que ao longe me parecem sempre três muletas) e que o maldiz constantemente como se o facto de ele andar devagar fosse culpa do cão. A prostituta simpática que me cumprimenta sempre e detesta o cheiro dos charros das suas colegas. A senhora de cabelos brancos onde compro os vegetais no mercado que me dá sempre uma receita em que posso aplicar os viveres que adquiri. A mulher de cabelos oleosos que passa o dia a fritar batatas e bifanas na montra da tasca, e que desconfia que o rapaz que está sempre sentado na rua a pedir não come o que lhe dão. O pseudo-texano que me mete um medo do caraças cada vez que olha para mim. Quase todos os empregados do supermercado Dia. Eu própria.

Unknown disse...

O Senhor doutor que bebe às escondidas para se esquecer que está sozinho, a executiva de sucesso que viaja de continente em continente lavada em lágrimas porque deixou as filhas em casa ao cuidade de uma empregada qualquer, o advogado brilhante que mantém uma relação de conveniência com uma mulher 15 anos mais velha, enquanto afirma perante uma desconhecida que quer casar-se e ter filhos, muito, muito mesmo, a menina de familia que descobriu amigas ao marido e perdeu a vontade de viver, a eterna solteirona que se casou com um homem, o emprego dele, os seus filhos, pai, mãe, irmãos e respectivas namoradas e se perdeu de si.

foi dançar a bossa nova disse...

as empregadas do café que vêm fumar para as escadas, a senhora da farmácia que descobriu o elxir da eterna juventude e não o vende a ninguém, a cigana que vende flores ao lado da banca da fruta, o atrasadinho que está sempre à porta do centro de dia a ver quem passa, a voz estridente da dona do cabeleireiro que não tem multibando nem passa recibo, os cócós pestilentos dos canídeos bem tratados e grande demais para apartamentos kosoavres disfarçados de cor-de-rosa e amarelo, mulheres com o peito atafulhado nos decotes que se querem provocantes dos seus trajes mais ou menos iguais e homens que se acham interessantes, todos delirantes com sua figura reflectida nos vidros dos carros e dos óculos escuros.

sete e pico disse...

as crianças e os pais que vão para a escola às 9 da manhã e que voltam para casa às 5 da tarde. Os cada vez mais pais desempregados que se juntam no café para conversar antes de irem para a sua procura de emprego. Os turistas que passeiam de máquina fotgráfica pelas rotas do meodernismo catalão. O brasileiro do café da esquina sempre com o seu ar sério que trabalha até às 2 da manhã. A mulheres de lenço na cabeça e olhar triste e acabado que pedem esmola sentadas na rua. A vizinha catalana que vive aqui há mais de 60 anos e diz que as doenças são culpas dos emigrantes árabes e latinos. O vizinho velhote que vai ao mercado todos os dias de manhã com o seu passo vagaroso. todos os anónimos que passam pela rua uma única vez e não voltam. os paquistaneses da mercearia do lado que está aberta todos os dias da semana. o jovem chinês da loja do chinês que fala catalão perfeitamente e que não sabe como é a china. A argentina da loja da Humana que cada dia recebe mais visitantes e que canta com voz bonita: cuando se pierdeeee un amigo, hay un dolor en el pecho.. e que me faz sentir saudades dos meus amigos que não vejo há muito tempo.

sete e pico disse...

errata: onde se lê emigrantes, leia-se imigrantes

dizia ela baixinho disse...

os africanos em tempo de ócio a beberem as indefectíveis cervejas pela garrafa, o cubano com o cão pequeno pela trela que me conta a canção do bandido e que mora numa tenda improvisada numa praia de paço-de-arcos, a avó que insulta de puta para baixo a neta de 4 anos (é-hoje-que-vou-fazer-queixa-à-polícia), a minha home-mate advogada que fuma cigarros desconsolados sentada na varanda depois de 14 horas de trabalho, o paquistanês sorumbático da mercearia mais cara da vizinhança, os paquistaneses das cabines de telefone improvisadas com um sistema skype, a alcoólica que insulta o marido ausente e parece grávida mas afinal está prenha de cerveja e de angústia, o engraxador que até puxa o lustro a ténis nike, os punks abancados na soleira das portas com um grupo de cães brancos, o vendedor de aguarelas que na realidade é ilustrador, o traficante de haxixe analfabeto que me trata por tu e que se julga meu amigo e a quem levo revistas, a loura platinada cinquentona do hard-rock café, as freaks da loja de missangas e com férias marcadas na zambujeira e no boom festival, a minha amiga j. e a sua gargalhada inesquecível em tardes de verão e de esplanada.
eu há mais de 4 anos noutro quarteirão da cidade.
eu à tua espera naqueles bancos de calcário de frente para uma oliveira.
eu e a liberdade depois disso.

dorean paxorales disse...

boa posta, gostei também dos comentários. e que cromos vosselências seriam umas para as outras?
gostava de ler.

Auryn disse...

O meu vizinho de baixo, que dizem não ter 'ficado bom' desde o acidente e a quem o apelido Tarzan cai que nem uma luva. A sua mulher, que canta em bailes e que muda mais vezes de cor de cabelo, do que eu rego as minhas plantas. E aquela funcionária da lojinha de lingerie, que se recolhe com medo do meu cão, mesmo quando vamos do outro lado da rua e que não deixa as clientes experimentarem os soutiens. A dona dessa loja, que com os pijamas a 5 euros, conduz um carro igual ao do Mourinho. Aquele rapaz de leste que parece brasileiro que comprou o café ao lado do banco, que não conhece as semelhanças entre misto e queijoefiambre e que pôs o estabelecimento à venda. A eterna obra 'com projecto aprovado' que nunca mais é vendida, na qual juro já ter visto um lince ibérico a entrar sorrateiro.

Auryn disse...

E eu, sempre à pressa, demasiado magra, com os sacos do lixo acumulado para depositar no ecoponto, a cumprimentar os cães da minha rua. Gostava de conhecer melhor aquela vizinha que anda de bicicleta ao fim do dia mas receio que me ache demasiado louca...

;-)