A cabeça estala-me.
Tento adormecer pela vigésima vez nesta manhã tardia de outono.
Por fim, de lado, adormeço com as mãos entre as coxas e as pernas encolhidas.
Imagino-te a entrar devagarinho na cama e a encaixares-te em mim, encaixamos sempre tão bem é tão quente o teu corpo no meu.
Adormeço com o meu respirar baixinho para que ninguém desconfie que estamos juntos, adormeço e o meu pensamento vai para longe, para perto de ti.
Sonho. Sonho que estás a morrer, que um cancro anormal te dilacera a próstata os intestinos o estômago, sei lá.
Também não interessa o sítio que ele escolheu para te começar a matar.
Sonho que vou de 15 em 15 dias e que fico sempre alguns dias. Sonho que te roubei a chave de casa porque tu não me queres ali.
Não porque não me queiras não porque não gostes da minha presença, pelo contrário, porque me queres demais, porque tens orgulho demais e achas que o que vejo não mereço.
Eu cago em ti. Decidi salvar-te. E quando decido uma coisa é assim que sou, como uma rocha que não liga às marés. Até nos sonhos.
Diligentemente limpo a casa, abro todas as janelas, encho o frigorífico, cozinho-te pequenos banquetes ainda que saiba que tu não ligas nenhuma a comida, bebo contigo, enfio-te no carro á força e levo-te a ver o mar.
Encho a tua casa de luz, encho a tua existência de significado, encho a tua vida com a minha.
Faço-te rir até ficares muito cansado e teres de dormir a seguir, e, enquanto dormes no silêncio da tarde eu fumo na varanda, fumo e bebo e choro por ti sem tu nunca te dares conta.
Que raio faço aqui nesta casa que não conheço, porque cuido deste corpo que não é o meu são perguntas que nunca me faço. Existem coisas que não carecem de sentido.
Fumo bebo e choro e isso são as únicas emoções que me permito a ter na tua presença que não sejam em relação a ti.
Entretanto acordo..............uma estranha sensação de vazio anda comigo á dias.
É estranho mas tenho a sensação que te salvei.
Pelo menos a parte que me era permitida salvar.