06 dezembro 2011

Quantas notas cabem numa vida?

Já lá vão cinco meses, hoje mesmo, que foste nessa tua viagem e eu a precisar de te falar na 2ª pessoa para te dar um puxão de orelhas e para podermos rir os dois.
Com que então, sempre foste um aluno exemplar... Mas viste, eu sei que viste, a caixa repleta de cartas trocadas entre ti e os teus pais e que eu descobri e "violei" com a minha irmã há dias. Cartas dos tempos em que foste entregue aos teus "amigos" padres em regime de internato, na que há-de ter sido uma tentativa desesperada dos teus pais para que tivesses juízo. E nelas, não há dúvida, bem se vê o cábula que eras. Oh pai, não me digas que não, não me lixes! Em 1958, conta redonda, fácil, já levavas 20 anos, estavas no 7º ano da época (no 7º ano!) e os alertas do director para o comprometimento do teu ano lectivo acompanhavam os teus textos quase sempre vazios e elípticos. Tu próprio dizes num deles que tiveste negativa a Filosofia "mas não faz mal, porque vocês sabem que sou bom a Filosofia". Hã hã...Ou ainda "mas as notas não interessam, o que interessa é passar, não é?"
Pois é. Se calhar até tens mesmo toda a razão. Para que raio interessam as notas nesta vida se o que importa mesmo é vivê-la e as notas são nada? Percebo que quem fez da vida o que tu fizeste, com algumas notas negativas mas com elevados valores, não se disponha a revelar à descendência esses pés de barro sem significado. Porque foi no caminho que percorreste que te conhecemos, que aprendemos as tuas mágoas, que te tornaste na pessoa valiosa que amámos. Nela ficaram as marcas de um casamento cheio de amor mas atormentado e encurtado pela ressaca de uma Guerra Colonial na 1ª pessoa, um outro em que reinou o desamor mas que durou uma vida de fuga e fingimento. E a guerra, ainda a guerra, sempre a guerra, que te enfiou o focinho nos copos de whisky como a avestruz o enfia na areia, que te impedia o sono nas noites em que os foguetes estouravam nas festas de Colares, de Almoçageme, do Mucifal, de Nafarros... Suspeito que mesmo sem foguetes e sem festa, era ela que estourava dentro de ti e que te impedia o sono nas outras noites também. Foi dela que vieste cheio de tiros colados à pele mas foi dela também que te fizeste sobrevivente numa vida em que as notas são nada, uma merda!

2 comentários:

Anónimo disse...

Desculpe meter-me neste seu espaço tão íntimo, mas julgo reconhecer na foto um colega e grande amigo que habitava com galhardia o Penedo e que este ano se apartou de nós.
Se assim for, aproveito para aqui lhe prestar uma homenagem pela graça que emanava com a sua truculenta rebeldia.
MJE

8 e coisa 9 e tal disse...

Obrigada, Maria João. É esse mesmo quem reconhece na foto. E o Penedo ficou muito mais triste, sem dúvida.