02 março 2008

Posta para a depressão

Enquanto penso na caótica situação político-social a que chegámos, trespasso a janela com os olhos e observo uma cena deliciosa de tão portuga que é: alguém tinha estacionado o carro em plena entrada de um parque de estacionamento público, gerando o caos. Assim. Estacionou e foi-se embora. Ainda há dois dias Lisboa acordava de galochas e já se prenunciam novos alertas. Continuamos a cuspir para o chão. O que tem tudo isto a ver? Para lá da aparência, tudo.
Cada um dono do seu pequeno feudo, que pode resumir-se ao seu próprio nariz ou ao Opel Corsa vermelho escarlate, o português demitiu-se do interesse colectivo. O carro, estaciona-se onde couber e a entrada de um parque é demasiado apetecível; ainda por cima, estando outra mais abaixo que se convencionou como saída. Disparate! À falta de passadeiras para peões, uma vez que já estão todas ocupadas, há que rentabilizar recursos. Para o fim, ficam os passeios. No outro dia, enquanto caminhava em direcção`ao restaurante de bairro que me pouparia a confecção de mais um jantar, fui tentando encontrar uma nesga por onde uma cadeira de rodas pudesse transpor a estrada. Nada. Interpelação feita a uma senhora que ocupava o último buraco possível "Ó querida, são nove e meia! Ninguém com cadeira de rodas anda na rua a estas horas!". Óbvia, a resposta.
As inundações da passada semana vieram, também elas, expor a calamidade de ser português. Ruas sujas, sarjetas imundas, algerozes entupidos, planeamentos urbanos eivados de verdadeiros crimes que hão-de ter sido muito lucrativos para alguém.
E Sócrates falou ao país. Perante a desolação generalizada, ninguém o ouviu. Também já ninguém quer ouvi-lo. Também já ninguém se indigna com nada. Que cacem impostos aos pequenos enquanto bancos e seguradoras anunciam lucros monumentais ano após ano. Que o comendador Berardo afirme que ter este Pinto Ribeiro como ministro da cultura é como ter um médico amigo a passar-lhe receitas à borla. Que edifícios públicos sejam vendidos a milionários para neles se instalarem grandes negociatas e tudo com um simples "visto" ministerial (sim, porque Telmo não escreveu "autorizo"). Que sob a capa de uma pseudo-democracia, se demita uma sociedade de prestar ensino especializado, seja ele o musical ou o destinado a crianças com necessidades especiais. Que a hipocrisia se tenha tornado a arma mais segura, porque um hipócrita que se preze é sempre convincente. Que uma em cada cinco crianças portuguesas esteja em risco de pobreza; é até um dado bom se comparado com o Senegal, a Índia, o Quénia e até mesmo com Espanha. Por que razão havemos de nos comparar com a Finlândia, como teimosamente alguém fazia há 3 anos atrás? Eles nem sequer têm sol e têm de dormir cedo!
Continuamos a cuspir para o chão?! Pois que assim seja. A rua não é de ninguém e que cada um faça dela o que quiser.
P.S.: Escrita há mais de uma semana, alguns dados perderam actualidade. Mas porque outros se mantêm actuais, apeteceu-me publicar a posta à mesma.

4 comentários:

-pirata-vermelho- disse...

Este protesto não tem idade.

É importante que se reaja assim; apesar de este estado, visto isoladamente, ter deixado de ser economicamente viável, nele habitam dez milhões de depositários de uma quota parte de civilização com séculos e séculos e deverão, por isso, talvez, ser tidos por bastantes dignitários.
Apesar de não 'nos' restar qualquer esperança de resultado de uma -que não vai ocorrer- revolta activa.

dorean paxorales disse...

Sobre isto, há um blogue que vale a pena visitar:

http://carmoeatrindade.blogspot.com/

Anónimo disse...

É por estas e por outras que vou sair de Portugal. Se um dia tiver filhos, não quero que nasçam neste país, onde os jovens não têm perspectivas de futuro. :(

-pirata-vermelho- disse...

Anónimo, se pode e tem alma para isso, faz bem! "Portugal não é um país, é um ´sítio mal frequentado"
(José Cardoso Pires, in 'Alexandra Alpha')