Não podem os leitores assíduos do Expresso ter ignorado, ao longo de vários números da "Única", uma enorme publicidade que ocupa duas das páginas iniciais. Assinada por distintas personalidades, destina-se à promoção de um dos bancos que deram buraco ou que nele cairam, neste caso o Banco Privado Português. Até Manuel Alegre foi usado para tal campanha mas também Proença de Carvalho ou Leonor Silveira, mostrando assim ser um banco abrangente e simpático a figuras que se movimentam em diferentes águas. Esperava que, perante a vergonha que se vive na banca, a publicidade tivesse sido suspensa mas, pasme-se, da cartola tiraram a mais proeminente figura; nada mais nada menos que o Pai Natal, ele próprio, assina durante o mês de dezembro a carta em que se dirige aos portugueses não para lhes pedir que depositem dinheiro no BPP (porque isso pareceria demasiado imoral) mas sim para lhes solicitar auxílio a diversas associações de solidariedade social, cujos contactos faculta. Não posso deixar de transcrever a frase "A diferença é que desta vez não servem para aumentar a sua fortuna, mas sim para fazer de si uma pessoa mais rica". Boa, Pai Natal, tenho a certeza que os afortunados que tinham depósitos no BPP estão já muito mais tranquilos com estas tuas palavras sábias.
Todos os anos traziam aquela altura do ano que tanta angústia lhe causava. Mais uma vez teria que enfrentar outro Natal e o entusiasmo alheio que este acarta nas outras pessoas. Como era difícil ter que rasgar um sorriso aos outros que se divertem com compras e enfeites pirosos. Como explicar-lhes que o seu Natal se fazia à volta de uma mesa que continha palavrões com primorosas descrições das actividades sexuais de todos os vizinhos do quarteirão. No seu Natal não se trocavam prendas e não se ansiava a chegada do Pai Natal. Esperava-se antes o primeiro estalo atlético de mão puxada até as costas, coreografado à imagem dos filmes que passavam na televisão ou o primeiro a abrir a sessão de discussões, adaptada a um concurso de amplitude vocal que faria rir como um idiota qualquer pessoa que afirme gostar do Natal. Eram assim as suas consoadas, sem nada de natalício mas com muito de agitação. Não havia como gostar do Natal pensava para si. Resolveu pois fazer um esforço e tentar encontrar qualquer coisa de tão encantadora naquela época como as outras pessoas a faziam querer acreditar. Reviu metodicamente todas as etapas das maratonas natalícias ultrapassadas até então e encontrou uma mesa onde não se trocavam presentes mas afectos em voz alta e bem gesticulados para que todos os entendessem sem falsas pretensões ou ironias. Afinal o seu Natal até tinha qualquer coisa de especial.
Da boca da minha mãe raras vezes ouvi sair qualquer tipo de palavrão.
Hoje, bem a propósito da quadra festiva que atravessamos, confessava-me lidar com dificuldade com as inúmeras solicitações do cônjuge para todas e quaisquer tarefas e segredava-me "Olha que às vezes até dou por mim a largar um "foda-se!"
Pois eu, que herdei dela o mesmo recato, já descobri há uns meses o poder curativo e descompressor do vocábulo, bem articulado, dito no momento certo.
Ainda há 12 anitos a pari e continua a parecer-me sempre a minha pequenina. Hoje apareceu, gilette em riste, e suplicou-me que lhe rapasse os pelos dos sovacos. Ai!, temo não estar preparada para o resto...
De vez em quando sou acometida um estranho desejo masoquista, daqueles que me levam a querer dissecar desgraças alheias, a espiar comadres que se zangam, a deleitar-me com os exercícios de vaidade e os arremessos de má educação. Nessa alturas, quando o corpo me pede sangue, quando cresce em mim a vontade de estarrecer com a infinita soberba e estupidez humana, sento-me aqui e vou aos cantos onde os amigos e inimigos se fazem e desfazem em postas. Todas as semanas, uma receita nova nos sítios do costume.
Bem vinda ao carrossel do oito e coisa, agarre-se bem e prepare-se para mais uma volta ao mundo em trezentos e sessenta e cinco dias. A partir deste momento, começa mais uma corrida mais uma viagem. À sua frente, tem 8760 horas por estrear.
Hoje o Parlamento Europeu rejeitou a proposta das 65 horas de trabalho semanais. 65 horas de trabalho, custa-me a crer que seja possível que esta proposta seja considerada viável pelas empresas, pelos governos europeus e por todos os que como eu não saímos à rua a dizer mas vocês tão tótós da mona ou o que se passa? 65 horas de trabalho, fazendo contas de cabeça que não tenho aqui a máquina à mão, dá mais de 12 horas de trabalho por dia. Se temos mais 8 para dormir são 20; muitxs de nós, levamos 2 horas de deslocação até ao trabalho, 1 para ir outra para voltar, são 22. Como o dia tem 24 horas, ficaríamos com duas horas para arrumar a casa, porque com aquilo que se ganha não podes pagar a ninguém, fazer o jantar, estar com a família, com xs amigxs, fazer desporto, namorar e manter a relação, conversar e brincar com os teus filhos, e participar na vida do país. Se já com as 40 horas a vida é tão difícil e a conciliação entre o trabalho e o resto da vida, que implica construir uma diariamente uma estratégia de vida que diariamente tem de ser reformulada, lutada, resgatada e inventada, quanto mais com 65 horas. Na época que mais defendemos liberdades e direitos, por pouco não foi aprovada uma lei que regularia a escravidão moderna, estabelecida com o comúm acordo de uma pessoa trabalhadora que tem que sustentar a sua vida económica num contexto de degradação laboral e uma entidade patronal que equipara pessoas a máquinas produtivas. A continuar assim, assusta-me imaginar qual será a jornada laboral que será discutida quando os nossxs filhxs começarem a trabalhar.
Momento familiar de educação musical com criança de oito anos. Band Aid e We are the world no youtube. Estava tudo a correr bem até que salta a Cindy Lauper.
Sou uma mulher pouco informada e não estou a par das actualidades políticas nacionais ou internacionais. Dentro da minha borbulhinha, vou ouvindo as pessoas falando, leio as noticias daqueles jornais gratuitos do metro e de quando em quando consigo ver um noticiário sem cair fulminada no sofá. Mas é impossível não ouvir falar da crise financeira mundial que anda na boca de toda a gente, ou não notar a insistência das notícias que mostram preocupação pela redução do consumo, ou as que todos os dias anunciam um novo banco que pede para ser salvo, ou os novos planos para salvar-nos da catástrofe mundial que se avizinha, ou as mais e mais pessoas desempregadas e as outras tantas com cada vez mais medo a perder o emprego. O sistema económico que durante anos especulou com o valor do dinheiro que produzimos, pede agora ao estado que o salve e o estado que antes lhe dava mais e mais reduções dos direitos laborais e sociais das pessoas que o alimentavam, solta agora grandes quantidade de dinheiro para salvá-lo da ruína. A nós, habitantes consumidorxs e produtorxs, dizem-nos que temos de consumir para salvar o mundo, prometem-nos que tudo vai ser como antes. Mas continuam a dizer-nos que temos de consumir para salvar o sistema que já está podre por toda a forma de produção e de consumo que construiu e que o vem devorando por dentro, que nos vem devorando por dentro. Todos os dias toneladas de comida são deitadas fora nas grandes cidades e todos os dias alguém morre de fome noutro lugar do planeta ou mesmo perto de nós. Todos os dias um peixe, uma tartaruga ou um golfinho morrem envenenados com um saco de plástico e todos os dias embrulhamos as nossas compras em resmas deles. O sistema económico está em ruptura porque durante muitos e muitos anos criou uma engrenagem doentia para os seres humanos e para o planeta onde vivemos, o sistema económico está podre porque nos seduziu com o verbo ter e nos fez esquecer de construir o verbo ser.
Não é consumindo mais que vamos salvar um sistema económico e uma ordem mundial que há muito tempo está moribunda, nem o planeta que habitamos, nem sequer a qualquer de nós. Ao contrário, é precisamente consumindo menos, dizendo que não queremos este sistema, conhecendo e fazendo reais os nossos direitos e xs dxs otrxs, equilibrando a distribuição das riquezas, respeitando e protegendo a natureza, admirando e aproveitando a diversidade social e cultural das pessoas com que nos encontramos, sendo mais felizes num dia de sol num banco de um jardim e não debaixo das luzes eléctricas de um centro comercial. Reinventando a solidariedade e a amizade e não perseguindo a competição sem ética.
Que se afunde de uma vez este sistema em que vivemos, e saibamos aproveitar as oportunidades de inventar-nos diferentes.
- Então o que acha da casa? - É boa, espaçosa - E o que acha do preço? - Parece-me relativamente alinhado com o que se pede, embora um pouco acima do seu valor justo. - Acha? Eu acho que está bem. Sabe, se não estivesse, não teria as visitas que tem. - Ah sim? - Sim, Tem tido muita gente a visitar, por isso o preço é bom. Caso contrário ninguém viria vê-la. E é o que se pede. - Ah. E tem visto muitos anúncios? - Bem... não muitos, mas se a casa tem procura é porque o preço e bom, senão ninguém viria. Há três semanas que é só visitas, só visitas. - E ofertas? - Pois, até agora as pessoas não têm feito ofertas. Mas não acha que a casa é boa?
Num Dezembro de há muitos, muitos anos, o meu pai levou-me ao Teatro Adoc a ver Os Operários do Natal, uma das idas ao teatro mais felizes da minha vida, e da qual guardo uma recordação muito querida num cantinho especial do meu coração e da minha memória. Para além de saber de cor quase todas as músicas, o que em mim é raro pois em geral só aprendo uma ou duas frases das músicas, acho que foi o inicio da consciência de que qualquer coisa que se faça, é sempre feita por alguém, alguém com uma vida própria, uma família a que pertence e um trabalho com umas condições próprias, que implica um esforço e uma dedicação. Nem nós viemos da cegonha nem nada do que temos em redor aparece por geração espontânea. Parece muito simples, mas por vezes parece que vivemos numa sociedade demasiado facilitista, em que não nos vemos uns aos outros, em que esquecemos, como cantavam os operários do natal, (que) O dinheiro pouco importa, o que importa é a verdade, e a prenda mais valiosa é a prenda da amizade. Quem faz das tristezas forças e das forças alegrias, constrói à força de amor, o natal todos os dias.
uma voltinha na blogocoisa e descobrem-se listas de presentes que se desejam. Eu, mulher frugal que não me deslumbro com jóias, sapatos e malas, que não conheço marcas, que ignoro os prazeres de uma tarde de compras, eu completa inútil no mundo do consumo, descubro que apenas uma coisa me faria feliz este natal. Um mordomo.
(e assim desapareciam as horas a limpar, a cozinhar, a lavar, as horas de supermercado com música de fundo e demasiadas cores e luzes, e assim desaparecia a minha vida de dona de casa que tanto detesto)
Encontrei-a no Sorumbático, mais precisamente aqui. É antiga, mais exactamente de 1651, da autoria de D. Francisco Manuel de Melo.
A propósito dos amores que por aqui vão passando e da personalidade e visão do mundo das minhas queridas múltiplas, não resisto a deixar aqui a dita carta de guia.
Algumas coisas divertiram-me por si, outras pela reacções que adivinho, outras ainda pela sua imutabilidade, como estas:
"Hũa das cousas que mais assegurar podem a futura felicidade dos casados, he a proporção do casamento. A desigualdade no sangue, nas idades, na fazenda, causa contradição; a contradição, discordia. E eis aqui os trabalhos por donde vem. Perdese a paz, e a vida he inferno."
(...)
"Dizia hum nosso grande cortesão, havia tres castas de casamentos no mundo: casamento de Deos, casamento do Diabo, casamento da Morte. De Deos, o do mancebo com a moça. Do Diabo, o da velha cõ o mancebo. Da Morte, o da moça com o velho."
Na escola dela estão a falar sobre os oficios e profissões dos pais e mães. Tento explicar-lhe o que faço o melhor que posso e depois arrisco: então e tu, o que queres ser quando fores grande? Responde segura, quero ser princesa, bailarina e barbie!
Acho que vou esperar mais uns aninhos antes de voltar a fazer a mesma pergunta.
São produzidos todos os anos em Portugal, 120 milhões de litros de óleos alimentares usados, quantidade suficiente para fabricar 170 milhões de litros de biodiesel. Este valor corresponde ao gasóleo produzido com 60 milhões de litros de petróleo, ou seja, o equivalente a cerca de 0,5% do total das importações anuais portuguesas deste combustível fóssil.
Se reciclarmos o óleo que utilizamos na cozinha, em vez de o mandarmos para o sistema de esgotos estamos a evitar a contaminação das águas residuais, que acontece quando o resíduo é despejado na rede pública de esgotos, e a deposição do óleo em aterro. Os óleos alimentares usados poderão assim ser transformados em biodiesel, fornecendo uma alternativa ecológica aos combustíveis fósseis, e contribuindo desta forma para reduzir as emissões de Gases de Efeito de Estufa (GEE). Ao contrário do que por vezes acontece com o biodiesel de produção agrícola, esta forma de produção não implica a desflorestação nem a afectação de terrenos, nem concorre com o mercado da alimentação.
Através deste projecto de reciclagem da AMI, basta juntar o óleo alimentar que usa na sua cozinha numa garrafa de plástico e entregar quando estiver cheia num dos restaurantes aderentes.
Os restaurantes estão identificados e a lista completa está disponível em http://www.ami.org.pt/, assim como mais informações sobre esta e outras campanhas ambientais, como a reciclagem de radiografias ou de consumíveis informáticos.
Já cá esteve postado há uns tempos, mas é sempre um prazer ouvir e ver Caetano e Chico cantando esta forma estranha que temos de querer e de estar nas relações amorosas.
O Quereres Caetano Veloso Composição: Caetano Veloso
Onde queres revólver, sou coqueiro E onde queres dinheiro, sou paixão Onde queres descanso, sou desejo E onde sou só desejo, queres não E onde não queres nada, nada falta E onde voas bem alto, eu sou o chão E onde pisas o chão, minha alma salta E ganha liberdade na amplidão
Onde queres família, sou maluco E onde queres romântico, burguês Onde queres Leblon, sou Pernambuco E onde queres eunuco, garanhão Onde queres o sim e o não, talvez E onde vês, eu não vislumbro razão Onde o queres o lobo, eu sou o irmão E onde queres cowboy, eu sou chinês
Ah! Bruta flor do querer Ah! Bruta flor, bruta flor
Onde queres o ato, eu sou o espírito E onde queres ternura, eu sou tesão Onde queres o livre, decassílabo E onde buscas o anjo, sou mulher Onde queres prazer, sou o que dói E onde queres tortura, mansidão Onde queres um lar, revolução E onde queres bandido, sou herói
Eu queria querer-te amar o amor Construir-nos dulcíssima prisão Encontrar a mais justa adequação Tudo métrica e rima e nunca dor Mas a vida é real e de viés E vê só que cilada o amor me armou Eu te quero (e não queres) como sou Não te quero (e não queres) como és
Ah! Bruta flor do querer Ah! Bruta flor, bruta flor
Onde queres comício, flipper-vídeo E onde queres romance, rock'n roll Onde queres a lua, eu sou o sol E onde a pura natura, o inseticídio Onde queres mistério, eu sou a luz E onde queres um canto, o mundo inteiro Onde queres quaresma, fevereiro E onde queres coqueiro, eu sou obus
O quereres e o estares sempre a fim Do que em mim é de mim tão desigual Faz-me querer-te bem, querer-te mal Bem a ti, mal ao quereres assim Infinitivamente pessoal E eu querendo querer-te sem ter fim E, querendo-te, aprender o total Do querer que há e do que não há em mi
Assim simplesmente decidi. Assim simplesmente arrumei uma muda de roupa e assinei um contrato de arrendamento. Assim simplesmente saí da nossa (tua) vida, da nossa (tua) casa, do nosso (teu) casamento. Demorei tempo demais a dar este passo. Afinal era simples. Assim simplesmente voltei a ser Eu. E tu vai para onde quiseres, que eu não quero saber. Assim, simplesmente, Adeus.