21 fevereiro 2009

Outros olhares

A Isabela do Mundo Perfeito postou hoje o texto que se segue sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, assim com aquele geitinho que ela tem (nunca sei se é jeitinho ou geitinho..).

A família tradicional acabou

imagem daqui

A guerra contra as uniões oficiais de pessoas homossexuais parte do princípio de que estas não são pessoas normais. Os homossexuais são todos uns larilas que só pensam em sexo, engates em lugares públicos, e se passeiam de calças de licra e pochete. É uma questão paralela à do racismo. Há pessoas que não suportam negros porque consideram que são todos ladrões e criminosos. Tomar a parte pelo todo é um recurso de estilo que me faz muita impressão fora da literatura, e não penso que seja coisa própria de uma civilização num estádio tão avançado, o que me leva a questionar tal estádio.

Um heterossexual branco pode andar ao engate nas casas-de-banho masculinas da área de serviço de Fátima que já não será um larilas, um pega-de-empurrão; por outro lado, o mesmo individuo pode assaltar criancinhas todos os dias à saída das escolas, o que não conota a raça branca com a criminalidade. Porque a criminalidade tem obrigatoriamente de ser negra.

A estupidez vence todos os esforços civilizados para a construção de um ser humano justo relativamente ao próximo.

Vem esta minha conversa a propósito da proposta para uma futura legalização da união civil de casais homossexuais. Para mim, civil é pouco. Os homossexuais deverão ter o direito, como qualquer outro ser humano, a sacralizar a sua união. Mas avancemos. Um dos principais obstáculos apresentado às uniões homossexuais é a proximidade a que estes ficam de exigir o passo seguinte: o direito à procriação medicamente assistida ou à adopção. E aí, eis que se levanta um coro de vozes. Está bem, eles que se juntem, e façam uns com uns outros as coisas contra naturam que costumam fazer, mas que jamais possam ter à guarda criancinhas, porque os homossexuais só podem desejar ter filhos para os seviciarem sexualmente ou, no mínimo, para os tornarem larilas como eles. Os miúdos não podem conviver com aquele modelo aberrante de família!

Ora, ia eu há bocadinho a caminho da farmácia para comprar um Adalgur, e à minha frente passeava-se um pai e respectiva filha. O pai dizia à menina, levas uma cabaça que só paras em Alcobaça, e dava uma carolada à miúda, e repetia isto o caminho todo. Poderia ser uma brincadeira, mas para quem a presenciava era um acto gratuito e algo violento. Se o homem em questão fosse homossexual, seria a prova provada de que os homossexuais não sabem nem podem educar crianças, mas desde que a situação esteja salvaguardada pela normalidade da família tradicional, todos as brincadeiras estúpidas são possíveis.

Tenho cá a impressão que a família tradicional tem mostrado ser assaz brutal relativamente às suas crianças. Brutal na violência, no desleixo, na permissividade. A família tradicional tem causado mais traumas à humanidade que as duas guerras mundiais juntas, contudo continuamos a louvá-la e a não ver existência fora do seu seio frequentemente podre.Posso afirmar, objectivamente, que a capacidade para se ser um bom pai ou mãe não pode ser aferida pela escolha sexual de cada um. E posso afirmá-lo porque, objectivamente (até me custa escrever isto, de tão óbvio!), os homossexuais possuem as mesmas virtudes e defeitos que os heterossexuais, portanto, não creio que dêem pais melhores nem piores. Uns hão-de acertar e outros hão-de falhar, como quaisquer pais bem intencionados.

Por outro lado, posso também afirmar, objectivamente, que os homossexuais têm sido todos criados e educados por famílias heterossexuais, encabeçadas por grandes machões, cujo exemplo parece não ter frutificado. Portanto, posso ainda afirmar que os modelos imitados pelas crianças não são necessariamente os que encontram na família.

A própria ideia de família tradicional é um modelo falhado. Há muito tempo que parte significativa das crianças vive em agregados monoparentais. Basta fazer um inquérito de braço no ar à porta das escolas; para facilitar a contagem convém perguntar, quem é que vive com o pai e a mãe. A família tradicional, grande incubadora de seres humanos, acabou. Não me parece que seja pior para as crianças. Vivem lindamente com um dos progenitores, visitando, ou não, o outro.

O mundo mudou ligeiramente, e isto é um facto inegável. A ideia de família alargou-se. Hoje, será mais correcto chamar-se família a um grupo que mantém laços de afecto entre si, independentemente do sangue que corre nas veias de cada um. Eu e o meu filho não partilharemos os mesmos genes. Se um dia vier a ter um companheiro, hipótese que não está completamente excluída, eu, ele e o meu filho não manteremos quaisquer laços genéticos, nem eu e o meu filho os manteremos com os filhos que ele já tenha. Seremos três ou mais indivíduos que escolheram juntar-se e viver amigavelmente um compromisso de afecto. Não existe qualquer diferença entre uma família tal como a que descrevo e a que é constituída por casais homossexuais com crianças adoptadas, por exemplo.

Por outro lado, a procriação é tão completamente independente da noção de família ou de família tradicional que não resisto a dar a minha machadada preferida na instituição: ofereço-me para ensinar qualquer mulher em idade fértil, com poucos euros, a inseminar-se artificialmente em casa, com sémen de um colega, de um amigo, do vizinho do lado ou do sem-abrigo que dorme à porta do seu prédio.

A paternidade biólogica será sempre mais difícil para os homens, ou pelo menos mais cara, mas possível; precisam de uma boa barriga de aluguer, o que pode colocar problemas de ordem emocional, por parte das mulheres, sobretudo nos países latinos. Pessoalmente, não possuo a necessária indiferença, relativamente ao que trago dentro da barriga, para constituir uma potencial mãe de aluguer. Nos países de tradição anglo-saxónica, as referidas mães conseguem manter-se mais frias em relação ao filho que incubam, o que gera menos traumas pós-parto e menos dificuldades no momento de entregar a criança ao pai.

Finalmente, espero, com alguma ansiedade, o dia em que verei, na capa de uma revista, a foto de um homossexual português com o seu rebento gerado via barriga de aluguer. Ou adoptado legalmente. Se tudo já mudou, é necessário tornar visível a mudança.

1 comentário:

dizia ela baixinho disse...

onde é que assino?

(grande isabela!)