Não conseguia perceber onde tinha ganho aquela acidez que dissolvia tudo aos seus olhos. Lembrava-se de ter sido outra pessoa, mas também isso se perdia no nevoeiro do caminho. Vagas ideias de sorrisos, de uma alegria invencível, da certeza (ou seria esperança?) de que tudo correria pelo melhor. Mas essa pessoa que fora em tempos era agora pouco mais do que a areia transportada pela corrente do rio, fragmentos que o olho nu não conseguia ver. Olhava-se no espelho e encontrava a mentira que todos à sua volta engoliam: estava na mesma, os olhos, as mãos, a calma dos gestos. Por baixo da pele, corria-lhe nas veias o passado e os seus habitantes. Se alguém pousasse a cabeça no seu peito, descobriria o que há muito sabia: vivia ali um coração forrado a silêncio.
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