Marcelo D' Bróculos, nunca tinha estado ali. Uma brisa empestada do sabor ácido de algum citrino apodrecido resgatava as suas narinas impedindo-o de se concentrar no que apostava, só podia ser o mais divino e doce cheiro que alguma vez sentiria, transportado num corpo feminino com tal candura e magia, que Marcelo, como um reflexo incontrolado, quase estendeu a mão para agarrá-lo, ao passar por si. E a alma dentro daquele corpo tinha um nome. D. Ana Alva, chegava à cidade, sem fortuna, despojada de tudo e da família que a guerra do outro lado do mar lhe tinha roubado sem mesericórdia.
Marcelo D' Bróculos, nunca tinha estado ali, naquele lado das chegadas ao porto de Lisboa mas sabia muito bem o que ali estava a fazer.
O seu casamento com Ana Alva tinha sido previamente acordado, ainda ela era senhora de uma imensidade de bens, favoráveis à muito instável situação financeira da sua própria família, e quebrado o contrato após o seu imprevisto estado de ruína, facto a que Marcelo tinha decidido fechar os olhos, depois de confrontado de antemão com uma fotografia da sua prometida. Por isso, escreveu-lhe e rogou-lhe que viesse na mesma, contra todos os pedidos encarecidos do pai e da mãe e até ameaças de vir a ser o único dos irmãos Bróculos a não ser contemplado em testamento.
Mas Marcelo estava nesta fase, já perdidamente apaixonado, tendo como único senão, o facto de que D. Ana Alva não o conhecia a ele, nem sequer por fotografia, um luxo de escolha somente reservado à ala masculina casadoira. E ali estava ele, naquele impasse, consumido pela ideia de que no momento em que ela desse a volta ao fundo do pontão do cais para voltar vagarosamente a passar por ele, ele teria de a interpelar, apresentar-se e que ela poderia querer fugir para sempre desaparecendo para sempre da sua vida com o seu cheiro a amêndoas doces.
Mas foi em vão que Marcelo se martirizou. D. Ana Alva deu a volta ao pontão, voltou vagarosamente até chegar ao pé dele mas em vez de passar, baixou-se até ao chão para agarrar o que Marcelo depois pode ver, ser a fotografia dela que inadvertidamente lhe tinha caído do bolso.
Olhou-a intensamente recebendo a fotografia de volta e quando ela lhe exibiu um sorriso tão doce como era doce o seu cheiro, ele soube inequivocamente que Ana se viria a chamar Ana Alva D' Bróculos.
2 comentários:
Qual será o cheiro combinado de amêndoas doces com bróculos (ou melhor, d'bróculos)? Algo exótico, não? Quase estranho...
gostei... bonita historia
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