12 junho 2009

Este mundo são dois

Sala de live sex e de orgias no submundo. Muitas pessoas à vista. Uma dezena delas em frente a um palco onde desfila gente colorida e exuberante que dança na fila de postes de strip, observa em silêncio, manda piropos menos elegantes, oferece gorgetas à/ao bailarino favorito. A sala é enorme e azul, no chão, no tecto, nas paredes e além do palco grande tem outros mais pequenos e circulares espalhados por ali, onde pessoas que não sejam funcionárias da casa podem também tentar a sua sorte a dançar. Para além desses, existem também duas ou três pequenas arenas, rodeadas de almofadões. No meio delas, pessoas nuas também dançam para um ou outro assistente e numa delas, duas pessoas fazem sexo ao vivo para quem quiser ver. Observo uma sala contígua cuja entrada é tapada por cortinados vermelhos grossos e entro. A sala é também enorme e, desta vez, a cor predominante é o preto. Aqui há muita gente nua em actividade sexual a solo ou em grupo e algumas manifestações de bdsm, com pessoas enjauladas e uso de chicote e correntes. Volto à sala principal, onde uma grande maioria deambula a tentar a sua sorte no engate para uma one night stand. Respondo um não imediato às propostas mais directas e depois entretenho-me a falar com um tipo novato que quase dá a volta ao mundo linguístico para acabar a perguntar o mesmo que os outros tinham feito em dois segundos. Volto a dizer que não, não deixando de apreciar o esforço e de repente o meu olhar é desviado para um dos pequenos palcos circulares ao fundo da sala onde um homem está a dançar. Nas colunas está a passar Prince, que por si só chama ao erotismo, mas este homem move-se bem. Veste umas calças de ganga e uma t-shirt simples, cinzenta. O cabelo negro toca-lhe os ombros. Tem os braços levantados e as duas mãos atrás da nuca. As ancas mexem levemente, ondulantes e, de cada vez, a t-shirt sobe e deixa-me ver o umbigo e aquele ponto da barriga que toca o cinto das calças. E assim, de repente, da forma mais estranha possível, o mundo virtual parece desaparecer e eu vejo-me a querer, a desejar, a sentir o corpo a pedir, a deixar a minha boneca aproximar-se de forma perigosa, de forma inegável, aterrorizada por ele ter uma voz por trás do boneco, não querendo de todo conhecer outro corpo que esteja por trás daquele boneco, o que eu desejo é aquela forma virtual, desejo aquele homem virtual, aquele boneco, avatar, eu boneca, avatar, eu em frente do computador, eu, a minha boneca que não sou eu sendo eu, dentro da minha realidade inviolável, cedo às tentações da sensualidade mais improvável de todas. E fujo dali assustada com esta evidência, ao fim de dois anos de permanência em jogo sem nunca me ter sentido invadida desta forma. Fujo dali para repensar a imensidão da fragilidade humana.

1 comentário:

na prise és bestial disse...

I can resist everything except temptation, escreveu o Oscar Wilde. Mesmo pixelada, a tentação pelos vistos existe.
(a senhora do guichê é reinadia e manda dizer stretch)