21 novembro 2007

ponto cruz

Tenho tanto para contar que não sei por onde começar. Talvez comece por uma ponta solta, há quem diga que quando elas existem não se pode fazer nada da vida, mas eu não acredito nisso, a minha avó há já muitos anos me ensinou que as pontas soltas se resolvem, pega-se numa agulha daquelas grossas e é um vê se te avias, vai tudo à frente. Vai daí eu olhei para a ponta solta, ele achava que a tinha escondido bem mas coitado, não sabe a mulher que eu sou, treinada para vê-las à distância. O sorriso mais largo, as perguntas interessadas sobre o reumático da minha mãe e o que se passa na repartição durante o dia, logo ele que quando chega a casa se fecha num silêncio cheio de noticiários e de jornais, vejo-o à mesa do jantar e já é muito, duas ou três frases sobre a comida e as contas e o jantar do fim-de-semana com os casais amigos (todas as semanas a mesma coisa, ao sábado à noite juntamo-nos uns quantos, as mulheres falam de coisas delas e os homens riem-se muito na outra ponta de mesa, é assim há tantos anos que já lhes perdi a conta), e desde há umas semanas o interesse súbito em coisas que não o interessam nada, o reumático da minha mãe e a promoção que nunca mais me chega, o sorriso na cara, as perguntas que quase se atropelam e o não o deixam ficar calado. Ele deve achar coitado que não se nota nada, mas a mim não me engana, mirei a ponta solta de um lado e de outro, medi-a, peguei na agulha grossa e fiz como a minha avó me ensinou: convidei a vizinha do 7º esquerdo para tomar chá. Faz já dois dias que regressámos ao silêncio de noticiários e de jornais, o sorriso e as perguntas desapareceram, e a vizinha largou aquele perfume que empestava o elevador.

7 comentários:

Anónimo disse...

Ora, aí está uma coisa que um homem não faria. Convidar o vizinho do 7º esquerdo para "tomar chá". Não porque não gostemos de chá. Apenas porque o nosso percurso evolutivo não nos permite resolver as coisas dessa maneira. O nosso arranjo genético favorece outras abordagens menos sofisticadas, ainda que bastante eficazes. O método de abordagem do problema passaria por convidar o vizinho não para lhe dar chá mas antes para lhe dar com um pé de cabra nos cornos. Sei que parece violento mas tem mais a ver connosco. É mais genuino... Ainda que eu, que me considero um homem de genes bastante amansados, optasse por uma solução diferente: convidaria o vizinho para um chá e quando ele se estivesse a ir embora... dava-lhe com um pé de cabra nos cornos. Esta abordagem mais civilizada é parecida com a usada pela minha saudosa cadela face a visitantes desconhecidos: o inimigo pode entrar em casa mas de lá já não sai, pelo menos inteiro...

2 idiotas super hiper ri fixes disse...

Não percebi... a vizinha anda com o teu marido?

Anónimo disse...

jmp disse:

técnica apuradíssima da autora do post. Parabéns pelo requinte. Está comprovado cientificamente que resulta. Apenas um senão: nunca repetir em demasia o chá porque pode ter o efeito inverso. se não se cometer esse erro é sucesso garantido.
;-)

Anónimo disse...

Ah pois. E depois dizem que as mulheres são parvas... Isto são técnicas milenares...

dizia ela baixinho disse...

tb tenho algumas pontas para rematar. felizmente só tenho um sotão por cima da minha cabeça.

sete e pico disse...

está-me a parecer que hoje ainda vou ao baúl buscar as agulhas grossas e vai ser um ver se avias,ai havias havias, mas não hasdess, digo eu aqui com os meus botões, amiga oito e coisa do meu coração.

foi dançar a bossa nova disse...

hoje vou à retrosaria!