12 novembro 2007

Tudo àgua

Aconteceu-me duas vezes, se calhar até mais, mas dei-me conta à segunda vez. Outro dia, um amigo dizia-me: às vezes não sei porque vivo, seria tudo tão mais fácil se estivesse morto, outro dia imaginei que tinha um cancro e morria de um dia para o outro sem ter tempo de despedir-me. De uma, comecei a dizer-lhe todas as coisas boas da vida, a julgá-lo pela sua falta de coragem para viver, etc. Um dia depois, outro amigo, com uma voz claramente triste, contava-me do seu medo da morte, aos seus 40 anos, a tanta instabilidade laboral, a não ter um amor, de não conseguir vibrar com nada; nesse dia o mundo todo parecia-lhe desinteressante. De novo, desatei a falar sobre a maravilha dos 40 anos, de tudo o que se aprende com a idade, das maravilhas da vida, etc, etc.

Das duas vezes, acertei ao lado. O que eles queriam não era optimismo ou palavras animadoras. O que eles queriam era simplesmente estar tristes, poder estar tristes sem ser julgados, falar simplesmente das amarguras que nos passam na alma e que parece que têm tão pouco espaço nas nossas vidas.
Prometi a mim mesma deixar de ter medo à tristeza.

8 comentários:

dizia ela baixinho disse...

o direito à tristeza.
ora bem.

Anónimo disse...

Cara Múltipla,

Essa sua conclusão é valiosa. Há quem gaste fortunas, em tempo e em cash, sentado em magníficos divãs para anos depois chegar a essa mesma conclusão. Por isso a minha controversa teoria é que quem se senta no divã é quem pode, mas sobretudo quem não tem nesta vida outros divãs onde se sente (também de sentir). As salas de espera estão cheias de solitários. Muito mais do que de deprimidos ou tresloucado...
No plano nacional de saúde de 2020 constará uma rubrica para "cuidados paliativos com solitários".

8 e coisa 9 e tal disse...

A tristeza é um direito de todos, não só dos solitários, embora concorde que se devia ter um enfoque especial de atenção aos solitários.

No entanto, para mim reivindico o direito à solidão, por vezes um bem tão escasso...

d. inês sequiosa disse...

há quem fuja da tristeza como pode: zangando-se com o mundo, agarrando-se a sorrisos que se colam à cara e aos gestos num esforço de naufrago, enchendo os dias de pequenos e grandes acontecimentos que afastem os olhos da angústia fininha de cresce lá dentro.
E há quem só consiga viver estando triste, num bizarro malabarismo de dores e mágoas.
Entre uns e outros, há todos aqueles (e aquelas também, pois está claro, amiga sete e picos) que são levados uma e outra vez a viverem os inevitáveis momentos de paragem e de tristeza. Quando estou nesses momentos, sou como o teu amigo: não quero ouvir as inúmeras vantagens de estar vivo e ter a vida que tenho e a idade que tenho e o mundo que tenho. Quero apenas estar ali.

joão belo disse...

triste sim, mas não por estar triste.

embora tenha sido uma escolha múltipla, bem me parece que acretaste na mouche!

:)

D. Ester disse...

ah como me enervam as consolações. por isso às vezes respondo com um sorriso de amarelo pintado que está tudo bem, para não ser lembrada da sorte que tenho, da vida estupenda que me calhou na rifa, do quanto sou amada, de que vai correr tudo bem, não tenho que me preocupar, e dos passarinhos, oh pobres passarinhos, como é belo o seu cantar.

foi dançar a bossa nova disse...

e os cágados, hein?!? o tanto que eles animam o dia a qualquer um (ou uma. irra que detesto isto da linguagem inclusiva)!!

zamot disse...

Grande nó! estou baralhado...