03 outubro 2008

Memórias

O meu amigo Serginho era uma pessoa maravilhosa e enorme.

Enormes eram as suas paixões, as suas convicções, a amizade que singularmente cultivava, o seu coração. Enorme era a sua alegria como enorme era a sua tristeza.

E era imparável. Falava horas a fio e gesticulava como o fazem as crianças quando contam o que o Pai Natal lhes pôs no sapatinho. Para o Serginho era sempre Natal.
Naquele 3 de outubro acordei com a sensação de que o mundo, tal como o conhecia, tinha acabado. O Serginho tinha, de facto, pregado uma enorme partida a todos naquela madrugada fria.
Nunca mais lhe ouvi a voz do outro lado do fio que nos ía mantendo ligados mas ainda o ouço falar (alto, muito alto!) quando percorro algumas calçadas de Lisboa por onde passeámos juntos, ainda o ouço na mesa do café pedir o "sumás d'ananol" com que cortava a ressaca da noite, ainda consigo recuperar a gargalhada arrebatadora e inocente. E nas praias de Tavira, impossível será não escutar o trinado da sua flauta.
Neste 3 de outubro, quero mandar-lhe o Recado que ele próprio escreveu:

Quero mandar-te um recado
Na forma desta canção
Um recado engraçado
Direitinho ao coração.

Começando por dizer
Tudo o que te quero bem
Tenho a saudade a doer
E dói-me o peito também

O vento corre à vontade
Da lua cheia ao poente
Eu corro pela cidade
Louco de amor e doente

Venho por carta rogar-te
Dá-me um pouco de atenção
Deixa-me ao menos amar-te
Enquanto dura a canção

Sorri-me ao menos de frente
Sempre que por mim passares
Esse sorriso tão quente
De outras terras de outros mares

E que me alivia a espera
Pela volta do correio
Enquanto for primavera
E eu viver neste anseio.

Há pessoas assim, que têm a capacidade de viver quase para sempre.

2 comentários:

nove e tal disse...

O Serginho...

Um MESTRE!

adorava o Serginho.

tenho saudades do Serginho.

já passou este tempo todo?

d. inês sequiosa disse...

Não sei quanto tempo passou, não passeei com o Serginho nas praias de tavira, mas lembro-me bem das gargalhadas dos olhos e do basicopraticamente com que lhe dava para começar as frases quando se queria meter com as pessoas que gostam de complicar tudo.