23 fevereiro 2007

Fazei isto em memória de mim


Há duas garantias quando se vai ver um filme de Clint Eastwood: a realização irreprensível e o uso de dois pacotes de lenços de papel durante a segunda parte.

Fui ver As bandeiras dos nossos pais e só me lembrava das palavras de Kurtz, the horror... the horror.
Este filme não é sobre os americanos, nem sobre Iwo Jima, nem sobre a II Guerra Mundial. Aqueles homens são iguais a todos os outros que passaram por qualquer guerra, em qualquer país, de qualquer um dos lados. Não é a luta por ideais, nem pela pátria, nem pelos filhos. É por si e pelo próximo. Cada vez que morre um deles morrem eles também. Dali não sai ninguém inteiro.
Entre 61 e 74 foram 149.000 homens portugueses para as três frentes de guerra (Angola, Moçambique e Guiné), muitos dos quais milicianos. 8.290 não voltaram para casa. As estimativas apontam para 30.000 deficientes e 140.000 com stress pós-traumático. Foi a guerra dos nossos pais.
Pelos que lá ficaram, pelos que voltaram, por nós que nunca passámos por isso e nunca saberemos o que isso significa, um filme a não perder.

5 comentários:

Anónimo disse...

feitas as contas, quem voltou, voltou com stress pós-traumático.

149.000 menos 8.290 dá aprox. 140.000

8 e coisa 9 e tal disse...

Precisamente anónimo, precisamente...

8 e coisa 9 e tal disse...

o meu pai foi um dos milhares de milicianos obrigados a ir à guerra. só alguém que vive de olhos fechados não vê as feridas profundas em todos os que por lá passaram. Há uns que disfarçam melhor que outros, mas é precisamente isso: um disfarce, uma tentativa de branqueamento de um passado que se desejava nunca tivesse existido.

A guerra não é só o horror e o disparate das mortes e destruições inuteis; é a destruição de gerações. Dos homens que viram o que não queriam, que fizeram o que os indigna, que se reconstruiram na tentativa da obnubiliação. E das mulheres que os perderam, ou que os reaveram mas que têm de lidar com fantasmas que não chegam a entender.

Há que respeitar e cuidar dos feridos, era isso que queria dizer. Vejam o filme para melhor perceberem.

Anónimo disse...

Todos os anos vou à reunião anual da companhia do meu Pai. A companhia de caçadores 750 (CC750), Angola, 65-67.
Comecei a ir com os meus Pais ainda miudo e depois fui deixando de ir. Até que o meu pai morreu e no funeral dele lá estava a CC750 em peso. No cemitério lá estavam todos. Eu sentia que estava preparado para tudo, mas ninguém pode estar preparado para aquele toque de silêncio, com toda a gente alinhada em frente ao túmulo, o corneteiro a tentar encontrar as notas, a conter as lágrimas.
Esta gente acompanha os seus até ao fim, numa irmandade comovente.
Todos os anos vou à reunião anual da companhia do meu Pai. E tenho a certeza que ele fica muito feliz com isso.

8 e coisa 9 e tal disse...

deve ficar manyfaces.

pirata, eu acho que se vai lá a ver filmes, a ler livros e a ouvir de quem lá passou; a ultima hipótese é menos comum, já que compreensivelmente os intervenientes evitam fazê-lo. Eu sou uma fonte mais que terciária... mas fico contente por ter conseguido passar a mensagem que queria. Afinal, nem sempre sou assim tão criptica.