Folhear de novo este livro do Mestre Cozinheiro, que ensinava as mulheres “que entravam na vida pelo laço sublime do casamento”, como se até aí não tivessem tido vida, fez-me lembrar como estas mensagens era importantes para as mulheres da geração das minhas avós, da minha mãe e até ainda para as da minha geração. Estas mensagens passavam de mães a filhas, de avós a netas, da mesma forma que se herda o ouro da família, quando o havia. Lembro-me de achar quando era miúda, e até mesmo depois adolescente, que sendo eu rapariga, era bonito e importante saber cozinhar e aprender a “governar uma casa”. Valorizava, e ainda valorizo, o espaço aconchegante da casa, a decoração, receber os amigos e amigas, cozinhar repastos, a intimidade possível na Domus. Mas lembro-me também da ambivalência que sentia em relação a isso, pois se por um lado fui aprendendo e desenvolvendo um verdadeiro gosto pela casa e pela cozinha, por outro comecei a rejeitar tudo o que estava relacionado ao que durante séculos se associou à mulher. Queria ser outra mulher, às vezes até queria era ser homem, pois tinha muito mais graça e eles podiam fazer muito mais coisas que as mulheres. Ia ensaiando coisas que antes eram consideradas só para homens, como o sair à noite sozinha, sair à aventura, ir acampar com os amigos, gostar de matemática e de manuais de instruções, etc. Depois fui descobrindo que podia fazer muitas coisas que queria sem deixar de ser mulher, umas vezes pensando essas fronteiras que nos eram impostas entre o masculino e o feminino, outras esquecendo-as por completo e ensaiando só o ser pessoa. Às vezes aborreciam-me as minhas amigas mulheres quando passavam a vida a falar do amor e dos amores e então só queria estar com os meus amigos homens, onde era possível discutir filosofia e política. Outras vezes aborreciam-me os amigos homens pois eram muito esquemáticos e racionais nas conversas e divertia-me mais com as amigas mulheres que eram muito mais hábeis a ler os comportamentos humanos, a adivinhar o que estava latente por trás dos ditos, a analisar o quotidiano.
Com o tempo, as diferenças entre os amigos e as amigas foram-se diluindo e com estes encontros e ambivalências, fui-me ensaiando e construindo através de tradições mantidas, quebradas, reajustadas, negadas, eliminadas e inventadas, e agora defino-me neste meu corpo carregado de um sexo que reconheço pela sua evidência genital como sendo de mulher, assumo-me como bissexual apesar de que toda a vida só namorei com homens, e emocionalmente, a minha única certeza é que não sou mais do que pessoa, cada vez mais pessoa.
Com o tempo, as diferenças entre os amigos e as amigas foram-se diluindo e com estes encontros e ambivalências, fui-me ensaiando e construindo através de tradições mantidas, quebradas, reajustadas, negadas, eliminadas e inventadas, e agora defino-me neste meu corpo carregado de um sexo que reconheço pela sua evidência genital como sendo de mulher, assumo-me como bissexual apesar de que toda a vida só namorei com homens, e emocionalmente, a minha única certeza é que não sou mais do que pessoa, cada vez mais pessoa.
1 comentário:
estou a ver que os ares do norte são inspiradores. Venham mais!!
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