21 agosto 2007

Gineceu

Chegaram no sábado à casa de madeira no meio de pinhal, todas gostavam umas das outras embora se conhecessem de formas diferentes. Já se tinham encontrado algumas ou bastantes vezes ao longo da vida em diversas situações e de cada vez redescobriam-se, olhavam-se, contavam-se, pensavam-se. Trouxeram para dentro da casa as suas vidas, deixaram mágoas e realçaram alegrias em cada pincelada dos vernizes coloridos, apagaram lembranças dolorosas com a acetona, com todo o cuidado para não manchar a mesa da dona da casa, e corrigiram imperfeições do carácter removendo cuidadosamente a pintura que se espalhou aos dedos. Dançaram freneticamente from Buraka to the world, saboreando ecláires de chocolate falaram da múltiplas potencialidades das masturbação feminina, trocaram receitas, felizes com as novas surpresas que poderiam vir daí. Fizeram uma corrida a pés juntos até ao carro empurrando o vento e a puta da vida, lançaram as cartas do Tarot esperando ver nelas alguma coisa que as ajude a perceber melhor a vida que é tão dura e elas que são tão molinhas, mergulharam na autoterapiagrupalpessoalecósmica introspectiva. Soltaram o riso, a gargalhada, os sorrisos, e com eles decoraram a casa transformando as paredes de madeira envernizada em cenários luminosos e coloridos. E foi assim que também contaram as suas vidas e as suas tristezas, deram rédea solta ao choro, deixaram-no ir a galope sem destino, deram forma com as palavras ao que pesava disforme no coração e confirmaram os seus desejos, sonhos e possibilidades.
Na primeira segunda feira de manhã cedo do resto das suas vidas despediram-se. Como guerrilheiras pacifistas, partiram em direcção à revolução das suas vidas quotidianas, e depois de acalmar o riso, inspiraram profundamente desde os seus plexos solares, sentiram-se, ajustando o centro do seu ser ao centro das mudanças que aí vinham, vêm, chegaram.

13 comentários:

Anónimo disse...

ou como dois dias me salvaram de um naufrágio. ainda bem que existem as amigas e o tempo para estar com elas.

Anónimo disse...

a Anita Catársica agradece:
-a amizade
-a sorte de ter pessoas ASSIM ( e isto não é necesáriamente positivo)na sua vida
-o ter voltado de cabeça vazia (possivelmente para voltar a enche-la de mer......)
-a paciência
-as duas crises de ansiedade pois são sempre uma experiência
-o crime
-o suspence
-o sobressalto constante
-o abraço que não foi preciso dar porque teve lá sempre
-as lágrimas
-as gargalhadas
-ao sobrenatural por me tornar numa
pessoa um pouco mais paranóica
-ao arroz integral
-ao gin tónico
-a cada uma de vós incluindo as ausentes, por me deixarem ser o que sou, e por me deixarem ver o que são
-à natureza e à mãe da .......
-o ter nascido mulher

pede desculpa:
-por as lágrimas causadas mas foi do coração
-por a minha intêncidade
-por alguma infantilidade mas eu sou a sueca do grupo por isso tenho desculpa
-por a esquisofernia subtilmente acentuada nas mais várias questões, desde o trabalho ao amor
-por a acetona, mas eu sei o que é uma mãe em furia

com muito amor
aquele abraço

Anónimo disse...

e vivam os gineceus e as amiguinhas queridas que nos permitem pausas na vida tão boas como a do fim de semana. Um grande grande abraço

zamot disse...

Bonito..

Anónimo disse...

Es tan familiar esa atmósfera que transpira en tus palabras que por momentos estuve en la casa de madera, mirando el tarot, riendo y llorando, cocinando y soñando con vosotras.
Luis Alzate

Anónimo disse...

:)
viva o gineceu!

Anónimo disse...

concordo com o que já foi dito acima: é tão afetuoso sem ser ingênuo, e bem escrito, que me senti dentro dessa casa, com essas pessoas que não conheço, embora familiares. só de ler, me senti como essas "guerrilheiras pacifistas que partiram em direção à revolução de suas vidas quotidianas".

Anónimo disse...

"E foi assim que também contaram as suas vidas e as suas tristezas, deram rédea solta ao choro, deixaram-no ir a galope sem destino, deram forma com as palavras ao que pesava disforme no coração e confirmaram os seus desejos, sonhos e possibilidades."

E que sorte vocês têm.
Choro a galope e sem destino é coisa que não consigo partilhar. Nem comigo. Imagino que deva ser bom. Talvez possa treinar isso um dia destes.
"Procura-se: companhia para partilhar choro a galope e sem destino. Oferece-se: 1 Euro a lágrima, ou na impossibilidade de se contabilizar à unidade, 50 EUR por 10m. Em cash"

8 e coisa 9 e tal disse...

negócio feito, manyfaces e ainda lhe fazemos um desconto de 40%, poir ser um habitué. Apesar de não ser gaja podemos considerar a hipótese de convidá-lo para o próximo gineceu e aí vai ver que com a autoterapiapessoalgrupalcómicaintrospectiva, sai de lá como novo. Um abraço.

Anónimo disse...

"Apesar de não ser gaja podemos considerar a hipótese de convidá-lo para o próximo gineceu e aí vai ver que com a autoterapiapessoalgrupalcómicaintrospectiva, sai de lá como novo."

Bem, isso para mim seria uma experiência mais radical do que subir ao Kilimanjaro... Temo ser demasiado cobardolas para me meter numa empreitada dessas.... E é pena...

D. Ester disse...

(aviso: este comentário pode conter imagens ou linguagem potencialmente chocantes, dado que a autora está em noite de mau feitio. pelo facto pedimos desculpas)

manyfaces, amigo, faça-se à vida ou já sabe, a vida faz-se a si. E olhe que ela não é esquisita, papa tudo sem pruridos e não há sombrero que o esconda.

Quero mas não consigo, gostava mas tenho medo, não estou bem mas não me consigo mudar. Está-me cá a parecer que precisa de uma manobra de heimlich na personalidade. A ver se um dia o lemos satisfeito, mas assim mesmo radiante, com uma coisa que fez e lhe deu um imenso prazer. parece que mesmo que as coisas lhe caiam do céu aos trambolhões poe-se logo debaixo do guarda chuva.

Anónimo disse...

Olá D. Ester,

O Manyfaces (também) é o coitadinho depressivo que todos os dias lhe vê cair o céu na cabeça. Também... mas não só. Se fosse personagem unidimensional publicaria em nome próprio e provavelmente de acordo com a sua face mais visível. Essa face mainstream de executivo responsável e "seguidor das melhores práticas" não dá grande literatura.... Por esse lado não me sairia grande coisa, para além de uns powerpoints, por mais que me esforçasse. Foram as outras faces (que eu prefiro tratar por facetas) que criaram a criatura que assina como Manyfaces. Uma das facetas é lamecho-depressiva? Sem dúvida. É genuina mesmo quando exagera. É uma face marcada pelo "poema em linha reta" do Álvaro de Campos.

Uma coisa lhe garanto D. Ester: quando e se me aparecesse na mailbox um convite para uma autoterapiapessoalgrupalcómicaintrospectiva, eu lá estaria batido, com as facetas todas numa sacola para o que desse e viesse. You can bet on it...

8 e coisa 9 e tal disse...

e quem fala assim não é gago, gosto de lhe ver também outra faceta a sair ao de cima! conversaremos então aquando do próximo gineceu, que em principio é só para o ano. Até lá recomendo muitos filmes lamechas e ensaios de choro com amigos e amigas.