A noite entrou por nós adentro numa esplanada sobre a cidade, acompanhada de imperiais e caipirinhas. Estava-se bem entre amigos, procurámos um sítio para jantar que nos parecesse agradável para a continuação do serão.
Encontrámos o que nos pareceu um restaurante simpático e acolhedor, com a dona-cozinheira-empregada de mesa à porta, a garantir-nos a qualidade da comida. Sentado ao nosso lado um branco deslavado com boina à banda atirava-se à sua cachupa com a voracidade de um puma esfaimado. Atrás de nós, dois franceses gozavam da very typical tasca em tranquilidade. Nós continuávamos nas imperiais.
Quando a comida chegou o desbotado de boina esquerdalha levanta-se e pega numa viola remendada à força de fita cola, e começa a brindar-nos com umas mornas desafinadas. No fim da música, como nós ignorávamos o homicídio qualificado e premeditado de que estávamos a ser testemunhas, o marido da cozinheira gerente-empregado de mesa-mestre de cerimónias, desata a aplaudir como um frenético e tivémos que lhe seguir o acto. Como de resto em todas as músicas, qual delas a mais interessante. Pedimos rapidamente a conta e fugimos dali, mas antes fomos presenteados com um cesto do pão forrado a papel de mesa, onde se exigia a contribuição para a música. Pensando que se pagássemos ele se calava obedecemos. Não funcionou.
Já na rua discutiamos onde ir. Dançamos, bebemos, cinema, a indecisão era total. De repente o bingo surgiu-nos como uma validíssima hipótese, algumas quase davam saltinhos de alegria, outros entristeciam-se com a sugestão. Malgrado estes últimos, fomos à procura de uma sorte melhor ali para os lados da avenida da república.
Entrámos, procurámos mesa, sentámo-nos. Tirámos o som dos telefones, pedimos um cartão para cada e esperámos o início da contagem das bolas. Treze, um três. Vinte e um, dois um. Cinquenta e sete, cinco sete. Linha, ouvimos. Estava correcta, mais alguma linha na sala? Seguimos para bingo.Vinte e dois, dois dois; sessenta e sete, seis sete; setenta e quatro, sete quatro. Oitenta e quatro, oito quatro. Começo a ouvir uma das múltiplas a repetir cinquenta e dois, cinquenta e dois, cinquenta e dois, mas continuo atenta ao meu cartão. Ela está nervosa, o ar podia-se cortar com uma faca. De repente oiço cinquenta e dois, cinco dois. A múltipla urla BINGO, eu e outra das múltiplas damos um grito histérico, os jogadores habituais olham-nos com desprezo. Recebemos um troféu monstruosamente fálico enquanto recolhem o seu cartão para verificar a veracidade da afirmação, quase que aposto que toda a gente da sala reza para que nos tenhamos enganado, mas não. Ao primeiro cartão fizémos bingo. A noite prometia.
Fizémos 6 rondas de cartões para cada um, tantas quantos éramos, mas nem uma linha mais para amostra. Como não queriamos perder a onda de sorte que estávamos convictos ter atingido, decidimos pedir um cartão para a mesa toda. 6 pessoas, número seis, debruçadas sobre a mesa redonda a olhar para o mesmo bocado de papel, nervosas de cada vez que saia um dos nossos. Mas havia sempre alguém a gritar pelo prémio antes de nós.
Tentámos várias táticas, de alguma forma teríamos de ganhar não apenas um novo bingo mas também o acumulado: o cartão a rodar de mão em mão, o cartão para uma mão de cada vez, os números anotados com riscos horizontais, oblíquos, cruzes ou bolas. Nada, a sorte tinha-nos abandonado, tinham razão os antigos ao cantarem laudes aos principiantes. Provámos que no bingo não há lugar para mourinhos.
Deixámos o recinto, sem acumulado mas com um prémio. O primeiro. O dos pardais. O bingo é nosso.
2 comentários:
não ganhámos nada mais, mas divertimo-nos à grande, essa é que essa, E é impossivel esquecer as as gargalhadas nervosas quando um certo jpn sem login resolvia reter o unico cartão que tinhamos para os seis.
sorte a vossa não ter ido nessa noite. certamente teriam sido 12 cartões, perdulária que sou e que aqui me confesso...
gostei deste momento q agora decidiste partilhar. e com pena de não lá ter estado.
um beijo a todos
Enviar um comentário