31 março 2009

Acho que vou virar terrorista


...munida de autocolantes amarelos. Para que quem tem um grande umbigo (e não, forçosamente, um ventre proeminente) seja obrigado a pensar um bocadinho que seja nos outros.
Acho que vou gostar...

silêncios

Ouço-os de novo ao meu vizinho da casa do lado e à sua nova namorada, a loira pintada magra e alta com ar de hospedeira. Outro dia veio cá a anterior, a morena dos olhos tristes e chorosos sem profissão definida, com um kispo enorme e grande cinzento como talvez ela própria, talvez tivesse vindo buscar algumas das coisas com que habitou esta relação. Cruzámo-nos brevemente no elevador, ainda bem que não subimos juntas, não saberia o que dizer-lhe, ou melhor, não saberia como dizer-lhe que fique mas é contente por deixá-lo, ele não era homem que a merecesse, e que devia tirar aquele casaco e pôr-se bonita como antes, aproveitar a vida sem discussões e que lhe desejo alegria e serenidade para esta nova etapa da sua vida. Como não saberia como dizer-lhe isto, subi sem nada dizer e deixei o pensamento no ar à espera que ela o possa querer pensar. Sentada ao computador ouço os dois novos namorados na cozinha aqui ao lado a cozinhar o seu jantar e os seus silêncios.

Aqui fica

uma dica para quem ainda não tiver destino nas férias da páscoa. Relaxante e divertido. Haja paciência.

28 março 2009

análise de um retrato

eles e elas sempre se vangloriaram da cor dos seus olhos, que era igual à dele, da altura, da tez, do temperamento. acrescentavam ainda que o arco temporal que os/as separava lhes tinha dado o privilégio de mais anos de convivência.

tudo muito bem.

mas agora agarro neste retrato onde estamos os dois e percebo que - de todos e todas - sou a mais parecida: se cor dos olhos não é a mesma, é antes a forma dos olhos que descaem numa vírgula de tristeza, os lábios finos a acompanharem a mesma curva dos olhos, e depois o queixo, as mãos, a postura, a forma de andar. a compleição em geral: ombros e quadril largos.
dele, herdei tudo isto.

mas - desenganem-se - nem eu nem eles nem elas fomos/somos tão bonitos quanto ele alguma vez foi. ele era lindo e parecia um actor de cinema dos anos 30 do século passado.

e isso é prova provada neste retrato que tenho diante mim e que se materializa nas saudades que de tanto em tanto me apunhalam. hoje foi um desses dias.

faz-me falta, Pai.

27 março 2009

Eu confesso,

derreto-me completamente da cabeça aos pés com aquela mulher, professora, colega, amiga, aquela mulher que para além de ser toda ela linda, trasbordante de alegria em toda a sua contenção, inteligente e divertida, tem o pescoço mais lindo que eu já vi. imagino poder cheirar, roçar, cada m i l í m e t r o daquele l o n g o e f i n o pescoço onde assenta aquela boca que se ri meio contidamente, onde os olhos desbordam de luz rodeados pelas rugas meticulosamente desenhadas nas suas cinco décadas de passo por esta vida. Se não fosse tão grande o mar que nos separa, vencia o susto de ela poder dizer que sim, e propunha-lhe que fossemos amantes de cabeça, pescoço e coração.

Insana

Chegar a casa e encontra-lo. De início, uma mera coincidência. Um acerto de horas de chegada coincidentes, um olá alheio ao qual se juntava um sorriso despreocupado. Com o tempo a chegada foi alterando o seu ritual, começou por tornar-se mais demorada. Os 'olás' estenderam-se em conversas circunstanciais, acusatórias de uma vontade reprimida em ficar. Ficar mais um pouco ali, no meio do corredor, na cozinha ou na entrada. Não interessavam as palavras ditas, interessava estar ali, a olha-lo. Depois, as palavras vestiram-se mais prolongadas, mais sentidas. Tomou lugar a partilha e despiram-se os sentimentos. Um a um, devagar, com tempo, até que nada restava a dizer. Até que um simples olhar bastava para dizer tudo o que respirava por baixo da nossa pele. A mágoa por alguém que me magoava tornou-se também a sua mágoa, a alegria dos momentos de um e de outro tornou-se indistinguível, o interesse pelas novidades ocasionais na vida de ambos tornou-se uma só.
Até chegarmos aquele momento. Aquele momento em que, eu e ele, deitados na cama, abraçados um ao outro, ignorávamos as mãos que iam desenhando desejos na nossa pele. O momento em que distraídos, deixávamos fugir as nossas carências. E deliberados, reprimíamos o erro iminente do abraço que ia crescendo cada vez mais imperioso. Um abraço que se ia tecendo na ânsia de um encontro de lábios, de um choque súbito de pele desnuda, de dedos ofegantes por descobrir todas as texturas da pele, de uma vontade de entrar dentro um do outro, vorazmente até não haver mais nada. Até ser só eu e ele, num compasso ritmado pelo fulgor mecânico do sexo e dos nossos corações finalmente despidos. Mas naquele momento, eu e ele, deitados na cama, abraçados um ao outro, ignorávamos continuamente este impulso de posse. O vulto do erro crescia no monólogo que ia decorrendo na minha cabeça. A cedência perante a carência que corroía o meu corpo, fazia-me querer ir mais longe, fazia-me querer mais. Todavia, a fuga dos meus olhos no encontro com os seus era uma clara delatora. O que eu queria naquele momento era atenção, era sexo, era uma breve sensação de pertença. E isso era errado, porque naquele momento, eu e ele, deitados na cama, abraçados um ao outro, não éramos mais estranhos, não éramos um simples engate de uma qualquer noite. Éramos eu e ele, companheiros de casa, companheiros de graça, de desgraça, de amizade, de amor e de bem querer.
Por isso, desfiz o abraço, dei-lhe um beijo na testa e disse até amanhã.
Voltei para o meu quarto, deitei-me, pousei a cabeça na almofada e encolhi-me. Encolhi-me até parecer uma concha, abraçada sobre mim mesma em posição fetal. Como se fosse ainda criança e o mundo e as pessoas do mundo não fossem um mistério tão difícil de compreender. E enquanto me adormecia, repetia os porquês que me impediam de me entregar nos seus braços. E na verdade, sabia-os tão bem. Surgiram-me tão claros, tão lúcidos na clarividência do amor que ainda sinto por ti. Do amor que ainda se esconde em todas as partes do meu corpo, que ainda te aguarda, humilhado, amedrontado, reprimido. Este amor que tenho por ti que insiste em permanecer, que assombra, que me impede de ceder perante a carência. Sei-o tão bem, é o amor que te tenho que me impede. Porque não interessa a quem ofereço a minha carência, não interessa a cara, o toque, o olhar, o beijo, o sexo que cresce dentro de mim. É como se fossem todos tu. Sempre tu. Em tudo. Mais esse teu silêncio.
Incomoda-me o teu silêncio, esse silêncio de quem já não olha, não fala, não ouve e não sente. Incomoda-me sobretudo, esse teu amor. O amor que me juraste verdadeiro e que agora é nada.

24 março 2009

Degustação

A lia era a boazona da escola. Usava calças justas e tinha um rabo em forma de milagre. Os rapazes pareciam insectos à sua volta. As raparigas procuravam-lhe os defeitos. Nunca soube muito dela, para além da forma do rabo e do sorriso com que olhava a plebe de adolescentes imperfeitos que éramos nós. Encontrei-a há dias na rua. Naquela tarde, a lia era a mulher mais bonita de todo o chiado. Na manhã de hoje, posso dizer que provei o que nenhum rapaz da escola conseguiu. E é mais doce do que algum dia imaginei.

23 março 2009

queria chegar aqui

e encher este quadrado branco (que quem lê vê a preto) de coisas interessantíssimas. Comentários da actualidade, aquela coisa que existe ali fora enquanto o trabalho os amores as preocupações as compras as máquinas de roupa as contas nos enchem os dias. Meia dúzia de frases bem esgalhadas, palavras certeiras, humor, ideias inteligentes, opiniões em barda. Mas olho para este quadrado branco (que quem lê vê a preto, as letras brancas a pairarem na escuridão do fundo) e os comentários, as frases, as ideias, as palavras, o humor, fogem de mim. A inteligência não sei onde pára, não a vejo desde o dia em que saquei treze valores num teste sobre um livro que não li. Sobra-me em quadrado branco (que para quem lê é um pano negro com palavras a branco e laranja) o que me falta em verve. Não sei o que pensar do papa, do lucílio batista, do sócrates, do casamento entre pessoas do mesmo sexo, da crítica de arte ou da câmara escura. Por isso, largo o quadrado branco que entretanto se irá transformar num lençol negro, e vou bater à porta da minha vizinha do lado que, coitada, foi abandonada pelo marido e chora a mágoa de roupão azul e sorriso postiço. Com sorte, vou encontrar as palavras que me fogem aqui.

Noites de Buarque à vela

Ele há sempre destas para nos encantar, é o que vale.

Tvi. Um festival qualquer de música popularucha. A jornalista entrevista um dos cantores.

Jornalista: E o que vai cantar agora?
Cantor pimba: Agora vou cantar uma canção que vai tocar muito os corações dos portugueses.
Jornalista: E como se chama a canção?
Cantor pimba: A canção chama-se O Leproso.

21 março 2009

(para) as minhas (múltiplas) meninas (do meu coração)



(obrigada André)

E no RL 16h15m

Real Life. Amoreiras shopping. Um desesperado, de faca em riste, ameaçava seguranças e quem passava. Ainda que o porte de arma branca seja ilegal no RL, resolvi não lhe dizer absolutamente nada e dei corda aos pedais. É que eu queria mesmo continuar a escrever aqui... Safa!

Poesia que nunca saberei escrever

Sobre o Poema

Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
— a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.
— Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
— E o poema faz-se contra o tempo e a carne.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *
Herberto Helder

19 março 2009

Vidas de cor

A azul não toca no marido há meses. Prefere tocar no roxo que a faz sentir viva outra vez.

O verde tem o acordo perfeito. Tornou-se marido e fez filhos mas não desistiu das noites épicas de copos e mulheres. Ela recebe-o a sorrir à mesa do pequeno-almoço.

A amarela vive na certeza de que vai ser abandonada outra vez. Não tem tempo para reparar como ele transborda de ternura quando a vê acordar.

O laranja diz que esqueceu tudo o que ficou para trás. Mas todos os dias refaz o muro de silêncio com que a lembra que nada poderá ser como foi.

O vermelho descobriu que a mulher de há quinze anos escrevia cartas cheias de promessas a outro homem. Engoliu em seco o amor que lhe tinha e pô-la fora de casa.

Outras viagens - SL - 02.57h

Second Life. Sim da Praça de Lisboa. Estava um avatar a ameaçar toda a gente com uma metralhadora. É ilegal o porte de armas no sim de Lisboa. Recomendei-lhe uma vacina contra a raiva e prozac. O gajo deu-me um tiro. Se aquilo não fosse o mundo virtual, agora não podia estar aqui a escrever no mundo real. A bem dizer, se aquilo não fosse o mundo virtual, eu tinha ficado era calada.

18 março 2009

piiii....é 1 da tarde em todos os continentes


Hoje à uma da tarde liguei o rádio. Apanhei o noticiário. Mesmo sem dar muito conta o conteúdo das notícias, percebi logo que o mundo não ia nada bem. A locutora desfiava notícias umas de trás das outras aceleradíssima, com voz muito séria, de fundo ouvia-se um batida rítmica e uma música género "tubarão", Té néu néu néu néummm... Ouvi repetidamente as palavras crise, dow jones, hipotecas, percentagens altíssimos ditos em tons de alerta que só podiam significar maus indicadores para a minha vida e a da toda gente. E o Té néu néu néu néumm repetidamente. Achei curioso a menção recorrente ao tema da energia nuclear em espanha, apresentavam o seu aumento como uma das mais urgentes, visionárias e prioritárias decisões que se impõem para salvar espanha, e quem sabe o mundo, desta crise. Fechei o rádio e abri as janelas para deixar sair o piar dos abutres que andam à roda, à coca, à moda.

Saudades...


Tirado do arquivo da Life no google.

Papagrupes

imagem de fonte desconhecida, recebida por mail

Às vezes

Às vezes sinto uma angústia.....
Sinto-a no peito, assim perto da garganta.
Não gosto, não quero senti-la. Mas ela às vezes aparece, assim, sem avisar.
E quando eu acho que tudo vai bem que agora é que é...ela volta.


Às vezes sinto uma angústia .....


Alguém sabe um “remédio” para isto?

17 março 2009

os bichos

Conhecemo-nos há tantos anos que lhes perdi a conta. Já fomos pequenos, já fomos adolescentes, já tivémos tudo à nossa frente e agora estamos aqui nesta terra de ninguém dos trinta. Éramos uns quantos e agora somos mais. Nós e as pessoas que trouxémos, namorados e maridos e mulheres e as crianças que foram aparecendo. Uns ganharam barriga, outros ganharam dinheiro, outros não ganharam nada.
Quase podemos acreditar que nada mudou, que foram apenas uns anos que entraram pela porta das traseiras sem que ninguém desse por eles. Mas é muito mais do que isso. Olho à volta e descubro que somos bichos, não rapazes e raparigas, não homens e mulheres, mas bichos à procura de sabe-se lá o quê. Bichos que embrulham a fome em empregos e carreiras, bichos que disfarçam o amor com silêncios compenetrados, bichos que fintam o medo um ar muito sério eu sou valente eu sou capaz, bichos que se desfazem ao primeiro sopro de verdade.

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Nova Iorque, 6:14 pm, Dia de São Patrício. A outrora chique e selecta 5a Avenida veste-se de verde para acolher a parada que exalta o Santo Irlandês mais comemorado dentro e fora da pequena parte da ilha. Pessoas de todas as idades, raças, estratos sociais e profissões enchem as ruas vestidas de verde, com colares de contas, cabeleiras, jóias, cachecóis e autocolantes alusivos ao tema, invariavelmente representando um trevo de quatro folhas, verde.
Balões, bandeiras e tapetes com as cores verde e branco - e alguns apontamentos de laranja - adornam os hotéis, restaurantes e, sobretudo os bares irlandeses, onde o consumo de cerveja atinge os valores máximos do ano.
É óbvio que tanta folia requer contenção, em especial visto se tratar do país onde tudo é permitido - desde que dentro das normas pré-estabelecidas e acordadas pelo poder vigente - e, como tal, New York's finest - leia-se, a polícia - saiu para as ruas, causando transtorno aos transeuntes que queriam visitar esta ou outra loja mas que não podiam porque havia sido determinado que na rua só se andava de Norte para Sul, ou de Sul para Norte, em filas de dois ou três, conforme os casos.
Curioso também são os nomes que os bravos heróis do pós 9/11 ostentam nos seus crachás: Sol, Vazquéz, Giardinelli, Farino, Meléndez, O´Shaughnessy, O´Hara, O´Riordan. Apelidos americanos, nem um.
À entrada de uma igreja, inúmeros elementos fardados de gala, cohabitam com outros mais ou menos coloridos e trajados com túnicas coloridas, de padrões africanos - they're shooting a movie', oiço. E vejo holofotes e meninos de boné de pala e mikes a correr de um lado para o outro. Uns metros adiante, cerca de 60 pessoas fazem fila. Descubro que procuram a refeição do dia, que será distribuida gratuitamente dentro de minutos.
Mesmo ao lado da 5a Avenida. Chique, cara e fashionista.
É assim, Nova Iorque.

???

Se eu fosse um animal, que animal seria?

geme..geme...GEEEEME

Os meus vizinhos do lado separaram-se, e se calhar ainda bem, passavam a vida a discutir e ouvi-a muitas vezes a chorar ou a discutir com ele. Parece que a casa deve ser dele, pois agora ouço uma voz diferente de mulher na cozinha da casa do lado. Outro dia namoraram na cozinha à hora do almoço. Ouvi os gemidos dela, altos, exuberantes, excitados, contentes. A ele não o ouvi, mas sabia que estava lá, ouvia-lhe um outro sussurro mas não um gemido. Porque raio será que aos homens de uma maneira geral lhes custa tanto gemer alto e a bom som, com prazer, ignorando quem os possa ouvir? E como é bom gemer e ouvir gemer de prazer...

Come Fly Away

Em trânsito novamente. Desta vez para o outro lado do mundo. É engraçado como se consegue adivinhar as razões de viagem das caras que encontramos nos aeroportos.

Os casalinhos sorridentes de mãos dadas, andando lentamente através dos corredores, apaixonados e prontos a iniciar (mais) uma qualquer lua-de-mel numa ilha tropical algures plantada. Os emigrantes, carregados de sacos, saquinhos e sacolas, que retornam ao seu exílio, falando alto em português, com mais ou menos sotaque, como que a dizer, 'eu também faço parte'. Os turistas estrangeiros, branquinhos e loirinhos, regressando de férias lusas, com t-shirts, meias pelo tornozelo e óculos esquisitos, carregando malinhas sofisticadas e práticas, os imigrantes, encurvados e de ar triste, com bilhetes comprados a prestações durante meses a fios para visitarem a família que ficou na terra que deixaram. Os executivos, com ar superior e blasé, 'sim, viajo muitas vezes, e depois?'. O tuga esperto, que conta piadinhas aos seguranças do raio-x e fala de futebol e de 'gajas' alto e bom som, para que todos vejam que ele tem 'posses' para viajar. As hospedeiras, esvoaçando por entre os comuns dos mortais, passando à frente de todos com as suas fardinhas e sapatinhos e casaquinhos e chapelinhos iguais.

E o Zé Pedro dos Xutos e o outro rapazinho que toca guitarra ou baixo ou outro qualquer instrumento na banda, que fizeram check-in no mesmo vôo que eu.

São assim os trânsitos. São assim as viagens.

Estou assim...


Um tronco seco no deserto
um deserto de palavras
um deserto de ideias
um deserto de emoções

Notas de uma Primavera antecipada

"Depois de meses e meses de chuva cerrada, a Primavera, com uma persistência vegetal, secreta, conseguira vencer o manto húmido que pesava sobre a cidade. Nas últimas semanas o ar estava ligeiro, aliviado, e era a Primavera, finalmente a Primavera, tal como ela costumava chegar a Lisboa depois de muitas hesitações e de muito trabalho para vencer as nuvens da costa.
As pessoas mal dão por isso. Um belo dia sentem a necessidade de olhar o céu, vêem azul, um azul fino, alegre, e dizem: "Já sei." Depois descobrem as pombas do Rossio e as colinas pousadas diante do rio, cobertas de uma luz macia, feminina; descobrem uma nova forma no andar das mulheres e um novo perfume - nelas e na cidade. E todos regressam mais tarde aos autocarros e a casa. É isso a Primavera: um novo sentido no olhar, uma nova velocidade. "Já se.", dizem as pessoas."
José Cardoso Pires, in Lavagante

16 março 2009

Caderneta do bairro

A senhora loura gorda e muito pintada que almoça sozinha. O gigante que colecciona imperiais e garante que por cima dele só os aviões. A cabeleireira deprimida que chora entre brushes e tintas no salão. O desgosto de amor do dono do café e os planos infalíveis para recuperar a mulher perdida. O marido da cozinheira que colecciona selos e compra moedas antigas. A corista que envelheceu mas se lembra ainda das noites no parque mayer. O alcoólico a quem mataram o gato e que deixou de beber para não esquecer a ofensa. O casal que se separou e pôs a casa à venda. O ladrão que pintou o tecto da mercearia e afinal até é bom rapaz. A senhora do quiosque que sabe de cor os casamentos e divórcios das revistas. O cão que ladra todo o dia na varanda. O florista que toca numa banda de trash metal.

15 março 2009

A música anima a alma

Hoje ouço-a cantar, à minha vizinha paredes meias com o meu escritório, com quem cruzo de quando em quando palavras rápidas sobre o frio e o calor e a chuva. Tem o rádio ligado e o volume no máximo, sabe a letra toda da canção, é uma canção sobre uma mulher que se separa do marido com raiva e despeito, pop flamenco. Canta como quem espanta um fantasma, canta decidida, canta enquanto mexe nas panelas e prepara o almoço. É bom saber que ela hoje está contente.

13 março 2009

Lutos ao lado

A minha vizinha do lado está a chorar, ouço-a daqui do meu escritório, paredes meias com a sua cozinha. Desta vez parece que não é por causa do marido; sentada na secretária consigo percebê-lo ali, ao lado dela, de vez em quando ouço-lhe um sussurro, talvez lhe esteja a fazer festinhas, parece estar a consolá-la. Não, desta vez talvez não seja por causa dele, não chora de raiva como das outras vezes, não a ouço discutir, só chorar, chorar.
Sai-lhe muito lá do fundo. Será que lhe morreu alguém muito querido? Será que lhe morreu a vida que ela tinha imaginado?

Fico quietinha,
o mais silenciosa possível
recordo e me entristecem
os seus e os meus lutos,

feitos,

desfeitos

e por fazer.

Adeus

Ontem fui-me despedir de uma amiga.
Só respirava...
Foi muito estranho despedir-me de uma pessoa ainda com alguma réstia de vida e ter a certeza que era um adeus.

Hoje de manhã morreu.

Deixou dois filhos um de quatro e outro de treze. A vida às vezes é cruel, e muitas das vezes para quem fica.

Nestes momentos pensamos sempre que nos preocupamos com coisas demasiado triviais, demasiado frívolas. Contudo dei-me conta ao estar com ela, ao lembrar-me do que ela foi toda a vida, que a vida está feita dessas mesmas coisas, de sonhos, expectativas, andar para a frente, sempre para a frente.

Mesmo na doença não vi esta mulher parar de sonhar, de planear de ter um quotidiano.

Ontem mal estava cá e hoje já não está. O momento que separa a vida da morte é demasiado curto para aquilo que nós somos...se calhar ainda bem.

Adeus mulher. Eras uma força da natureza mas a doença foi mais forte que tu.

Adeus...

Será verdade?


A paixão comanda a vida


A não perder esta entrevista de quem não tem um ofício, tem uma maneira de viver.

12 março 2009

Esqueço-me

Esqueço-me tantas vezes de tantas coisas, que sinto que me perco no mundo.
E perco-me com coisas que na realidade não são necessárias nem tão importantes assim.
Às vezes olho para mim e esqueço-me de ser quem sou.
Que estranho!!
Sinto que me esqueço de olhar para mim
para o mundo
para as pessoas.
Esqueço-me de estar apaixonada,
de rir
de ler
de amar
de passear
de olhar o rio
de cheirar as nuvens
de ouvir chover.
Esqueço-me de pensar, de pensar em coisas importantes como o tempo
o momento
as crianças
as relações
o infinito.
Esqueço-me de ouvir as conversas das outras pessoas e imaginar as suas vidas.
Esqueço-me de me preocupar se vejo alguém triste, e de ficar contente se vejo alguém a ser cúmplice.
Esqueço-me de sorrir e às vezes de respirar.
Esqueço-me de ler em voz alta e de correr atrás dos pombos.
Esqueço-me de dizer palavrões e de rir como se tivesse 16 anos outra vez.
Esqueço-me de dizer às minhas gatas que gosto delas e deitar a língua de fora aos miúdos da rua.

É incrível como de repente nos esquecemos de tanta coisa! E esquecemos-nos de ser nós próprios para ser outra coisa que não faz sentido nenhum, como a antena que corta a paisagem da janela do meu quarto ou como quando nos queremos apaixonar por alguém do qual não gostamos do cheiro.

É preciso ter cuidado com estas coisas.......... é como comprar uns sapatos um número abaixo do nosso só porque são lindos.

MAS NA REALIDADE NÃO NOS SERVEM

Não posso fazer isso com a vida. Não posso fazer isso comigo.

Desculpo os que querem que eu seja uma coisa que não sou.

E sobretudo
desculpo-me a mim própria
por todas as vezes que deixei isso acontecer.

11 março 2009

TPM

Há quem diga que é um mito urbano. Que as mulheres são sempre chatas, picuinhas, choronas. Não é verdade. Mas há de facto uma altura do mês em que as mulheres têm uma razão para ser assim. E é tudo por culpa da TPM (tensão pré-menstrual). Ou SPM (Sociedade Portuguesa de Matemática. Ah, não, espera, é Síndrome Pré-Menstrual). Uma chatice pegada, é o que é.

Rostu inu turansurêchonu

Japão, 22:58h, e os néons em forma de rabiscos gritam num céu escuro e limpo em cores de verde, azul, encarnado e amarelo. Na rua, homens e mulheres movem-se apressadamente para apanhar o último comboio para casa, pequenos, franzinos e com expressões de grande seriedade, como os fatos cinzentos e gravatas sem cor que ostentam.

A estatura japonesa levou algumas companhias aéreas, operando de e para o Japão, a adicionar 3 assentos por fila na classe económica, aumentando assim a oferta de lugares sem necessariamente comprometer o conforto do passageiro.

Outro fuso horário, outros costumes. Aqui, nada é fácil, nada é garantido. Viver é um privilégio alcançado à custa de muito trabalho, dedicação. E honra. Honra que garante a praticamente não existente criminalidade, honra que dignifica e valoriza o indivíduo, independentemente da posição sócio-económica que ocupa, honra que traz força para vencer na adversidade. Numa terra onde há terramotos, maremotos, vulcões, montanhas inóspitas e vales agrestes, apenas 10% do espaço é habitável e a existência não é um dado adquirido, mas uma conquista individual.

Talvez por isso o reverso da medalha aparente uma grande estranheza ao ocidental. Desde os Pachinko - salas forradas a néon rosa-shock intermitente com máquinas de jogo semelhantes a um pinball com grandes desenhos dos primos e sobrinhos dos Son-Gokus e Sailor Moons deste mundo, às livrarias com filas interminaveis de pocket Manga, dos mais diversos e variados temas - histórias sobre amizade, episódios de guerreiros intergalácticos invictos e soft-porn - abrindo da esquerda para a direita e cuidadosamente embrulhados em plástico selado para evitar a propagação de possíveis doenças, tudo parece saído de um qualquer desenho animado e destinado a trazer um pouco de alegria e excentricidade.

O tema da saúde pública é, aliás, um assunto de grande preocupação na sociedade japonesa, em que as pessoas se auto-colocam máscaras descartáveis na cara, não para mitigarem possíveis efeitos resultantes da poluição, mas para evitarem contagiar outros com os seus germes.

Igualmente preocupante é o cuidado com a higiene, sendo as retretes equipadas com tampos aquecidos com duches (shower), duche para senhoras (bidet) e secador de partes privadas (dryer), todos eles com fluxos e temperaturas reguláveis. Alguns possuem ainda a opção de regulação do volume do autoclismo (loud/quiet). Curioso é que tais sofisticados equipamentos cohabitam lado a lado e em cubículos de igual número com retretes 'à turca´, o que se torna menos agradável quando se pensa que, ao se entrar nas casas de banho das empresas, é necessário descalçar os sapatos de rua e colocar os chinelos comuns- rosa para as senhoras e azul para os senhores - de utilização das instalações.

Narita kuko é ité okudasai, por favor.

10 março 2009

porque hoje é um dia

como todos os outros. As ruas com gente que as atravessa, um cão preto que passeia a dona, três mães que levam os filhos à escola, a água com que me lavo e a roupa que visto, o calor do sol na minha cara e a quase primavera que adivinho, o trabalho que se empilha numa pirâmide improvável, o almoço burocrático, o dia que acaba com os seus minúsculos rituais de todos os dias. Porque este é um dia como todos os outros, um dia que começa e acaba comigo ainda aqui, um dia como todos os outros em que me cruzo com pessoas falo bebo como arrumo trabalho caminho, um dia sem absolutamente nada de especial, que será esquecido na mancha indistinta de dias iguais. Até que no meio de minutos e horas iguais, descubro que os minutos e horas iguais são um milagre discreto de que me esqueço vezes demais. Um amigo destroçado com o horror de um dia interrompido, alguém da minha idade que cai para o lado no meio de um dia que era igual a todos os outros, a casa, o jantar, os filhos, um dia esquecível pela repetição dos gestos, um dia igual a todos os outros até ao momento em que o corpo cai inerte e me te nos lembra de que tudo isto é uma aventura demasiado breve.

09 março 2009

S. Lucas 6,36-38

«Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados. Dai e ser-vos-á dado: uma boa medida, cheia, recalcada, transbordante será lançada no vosso regaço. A medida que usardes com os outros será usada convosco.»

epítetos

08 março 2009

Porque hoje é Dia da Mulher


Celebremos a nossa feminilidade, celebremos a conquista de direitos e não esqueçamos a opressão a que muitas mulheres são sujeitas em sociedades demasiado totalitárias para que possam ainda ser aceites nos dias de hoje.

07 março 2009

Colecção Primavera 2009


direitos reservados

salvemos o planeta

imagem aqui

Lá se confirma aquela lei de murphy da mariposa flying inthe china e o terramoto que se dá cá para estes lados. Isto anda tudo ligado e os mais pequenos actos da nossa vida quotidiana influenciam enormemente as vidas das outras pessoas. Li numa newsletter que xs habitantes dos estados unidos precisam urgentemente de mudar os seus hábitos higiénicos, em particular a tendência para limpar o rabo com papel higiénico supersuave. Uma vez que para fabricar este tipo de papel se preferem as madeiras de florestas virgens, podemos imaginar o impacto do acto de limpar o cú dxs mal chamados americanxs (porque a américa é um continente e não um país) nos recursos naturais de uma série de países africanos, da américa latina, etc. Portanto, para ajudar ao trabalho da greenpeace que elaborou um guia para ajudar a gerar hábitos higiénicos mais saudáveis para o ambiente**, proponho que desde este cantinho do planeta pressionemos as empresas de construção civil que tenham bidés que não estejam a uso a contribuir para a conservação das florestas virgens do nosso planeta e a enviá-los todos para os EUA. Assim lá poderão utilizar papel higiénico feito com materiais reciclados para a primeira camada e depois vai com águinha e sabão natural e o ambiente agradece.
**vale a pena lê-la, cortá-la e dobrá-la para a próxima ida às compras.

Descoberta do dia

És um merdas.

O cúmulo da pirataria na internet

é ainda ontem, ter pirateado da internet o programa "60 minutes" sobre pirataria na internet.

Lembro-me da nuvem

que vi da janela do meu quarto no dia em que mudei pela primeira vez de casa. Estava à janela a chorar, não queria sair dali, tinha catorze anos e era primavera. Aquela nuvem nunca desapareceu na minha cabeça. Lembro-me de a ver branca e redonda no céu muito azul, ou então era o meu choro que a tornava mais redonda e branca, ou talvez o abraço que recebi de uma amiga que me dizia não chores a próxima casa é muito maior vais ter um quarto só para ti. A nuvem continuava lá, redonda e branca, indiferente à promessa de espaço, um quarto só para mim, fraco consolo no último dia da minha primeira vida.

06 março 2009

Carnastoltes

ou o equivalente a um Gigantone, com muita purpurina para ficar lindo, lindo... O chão da casa, a mesa, os sofás e nós de uma maneira geral também ficámos lindos lindos...

O leitor

15.30 da tarde. Um dos espaços reservados a fumadores no centro comercial colombo. Ele deambulava absorto na leitura de um livro, lia em voz alta, distraído de tudo, beata do cigarro, já a queimar, presa aos dedos amarelados. Dirigiu-se a um dos cinzeiros, livrou-se da beata e de imediato, dissecou as cinzas em busca de outras, que amealhava e contava religiosamente. Foi quando a capa do livro que trazia na mão se tornou visível. "Saúde e longevidade", podia ler-se no título.

05 março 2009

Catabuuum!

(....)
- Memórias perfeitas, memórias perfeitas.... Talvez uma, numa noite linda numa aldeia da costa alentejana, numa casa minúscula onde deixámos os amigos a dormir e saímos para o pátio. O medo de sermos apanhados e a enorme paixão que tínhamos tornaram-na numa queca memorável.

- E eu lembro-me uma vez no cinema Ávila, sessão de um filme japonês do qual mal me lembro, umas oito pessoas no cinema para além do partenaire e moi même. Que eu desse por isso, não fomos apanhados. Ainda há mais cházinho?

- Eu estava aqui muito quietinha, mas puxam por nós e já não há nada a fazer... Lembro-me de uma vez com um namorado muito antigo, no tempo em que os animais ainda falavam: o balcão da cozinha da casa dos pais dele, enquanto toda a família se entretinha num almoço no jardim, mesmo ali ao lado. Ai mai gódinho...

- Uma das vezes que recordo com mais prazer foi numa madrugada de um mês de primavera com um dos meus grandes amores a namorar na janela da minha casa (que dava para a rua e para um jardim público), aberta de par em par, e o som da chuva a cair na estrada e nas plantas. Não faço a mínima ideia se alguém nos viu, eu pelo menos garanto que não vi ninguém. Também eu tomava mais uma chávena de chá...

- Bem, eu tinha uma amiga cuja fantasia mais louca era fazê-lo no meio do relvado do estádio do Sporting. Ainda gostava de lhe perguntar se foi bom...

- Ó meninas, como o chá já acabou... E se abríssemos uma garrafinha de Periquita? E para a Dona Gertrudes venham dois pastelinhos de bacalhau e um powerade com uma palhinha. E a propósito de fantasias, ó Dona Capitolina, conte-nos lá o que se passa com o senhor Américo da mercearia..

Splaaaaash!

Continuam elas entre dentada e golada, desfiando memórias como quem desfia um novelo sem fim:

- A praia tem os seus encantos, mas só se for de enseada e em escarpa, porque os longos areais têm a desvantagem de estarem muito iluminados. A areia tem os seus inconvenientes, por isso recomenda-se o uso de uma toalha.

- Isso, na praia também é fixe mas só se não está frio e se tem uma toalha grande. Mas lembro-me de uma vez atrás de uns arbustos, ao pé de uma discoteca na praia do Burgau, essa vez não sei porquê foi mágica, com um holandês com umas meias de lã lindas e do qual não consigo recordar o nome, nem a cara nem nada. Deve ser do alzheimer...

- E eu lembro-me de uma noite de verão com chuva de estrelas anunciada (era Agosto, pois era). Colchões na varanda à espera da dita chuva, nono andar de um prédio de nove andares. Não vi estrela nenhuma, só a porra do amor, do sexo, do desejo e o rio ao fundo, um braço grande de rio a fazer uma curva. Era a primeira vez, ainda por cima... O resto está no 'esquecimento', o sítio ideal para as memórias-perfeitas. Humm, memória-perfeita, conceito a desenvolver... Alguém tem mais memórias perfeitas?

sexo?


Bruumm

À roda de um chá verde e de um bolo de maçã, vieram à baila experiências sexuais em sítios públicos. Começaram com o clássico do automóvel. Lança a Dona Gertrudes: pois eu vou revelar-vos parte de mim um pouco escabrosa mas posso garantir-vos que há uns 15 anos atrás o parque de estacionamento ao lado da sede da nossa democracia era um lugar seguro. Agora... já sabem, tenho uma família funcional, que é como quem diz: aqui fode-se aos sábados, quem está está, quem não está estivesse! Responde a Dona Preciosa: eu recomendo o carro mas em andamento e durante a noite….seguida da Dona Hermengarda, essa também me lembrei, mas não é para qualquer um. Já experimentei e tinha visões das manchetes nos jornais no dia seguinte, da minha morte com a entrada da embraiagem pela nuca... Não se conteve a Dona Capitolina: carro em andamento, presente - apesar de nunca ter pensado nas manchetes dos jornais. E a vantagem é que quando a viagem acaba a festa continua... Arrefinfa-lhe a Dona Lurdes: dentro do carro à beira mar e beira rio é muito bom, mas estou com a Dona Hemengarda , cuidado com o travão de mão. A Dona Arlete põe mais um cromo para a troca: eu nos carros lembro-me de uma vez ao pé do farol do Cabo Espichel, foi muito fixe, mas com tanta agitação partimos o espelho retrovisor do carro e o meu excelso teve de vir até Lisboa com o braço estendido a segurar o espelho. E remata a Dona Perpétua: os comboios também são fixes, uma vez no sud-express lisboa-paris, que saía de Lisboa ao fim da tarde, conheci um homem bem parecido, africano, já não me lembro de que nacionalidade, fortalhudo, e enrolámo-nos fogosamente, até que numa das paragens chegou mais gente e já ficámos com pouco que dizer um ao outro. E na praia, já alguém experimentou?

A turma dos repetentes

Ontem tive a oportunidade de rever um filme que só vi na tela do cinema, talvez há uns quinze anos atrás (já????), Les sous-doué ou, a turma dos repetentes, título escolhido para Portugal. Talvez uma comédia menor na paris dos anos 80. Valeu pela recordação das gargalhadas da altura quando ainda não sentia tanto esta urgência de análise. Sobrevivi a esta prova mas em muitas ocasiões deste tipo, em que o passado vem de encontro a nós, o pânico é normal instalar-se. Não quero ver, não quero ver o filme, ouvir aquela música que só fazia sentido quando pensava em ti e tu já nem existes dentro deste cenário onde eu actuo, não quero reencontrar a melhor amiga que tinha na altura 14 anos e que quase dizia as frases ao mesmo tempo que eu de tão parecidas que éramos, não quero revisitar a casa e sentir-me agora um gigante naquele quarto que até dava para correr, lembro-me tão bem, não quero repetir a dose daquela pratada de arroz de marisco no mesmo restaurante em que jantámos em sesimbra, cheios de amor, cheios de todas as palavras atropeladas umas nas outras, imersas em encanto. E se já não me rio com aqueles actores e até me esqueço de quem estava sentado ao meu lado a rir ao mesmo tempo que eu? E se aquela música especial, afinal é tão estúpida e medíocre de meter pena e tu te desvaneces como uma nota fantasma? E se agora odeio a minha "melhor amiga" porque ela olha para mim com os olhos de quem já não sabe o que penso, com a certeza de eu já não sei decifrá-la, com as palavras de uma pessoa que eu desprezaria em dois minutos se a estivesse a conhecer nesse momento? E se casa já não cheira a vocês? E se no restaurante, eu olho para ti e vejo que já não me amas?

03 março 2009

As minhas mãos


As minhas mãos nas mãos da minha filha, quando caminhamos nas ruas, nos aeroportos, à saída da escola, a caminho do parque e das compras, as mãos da minha filha nas minhas mãos que acariciam, abraçam, que às vezes se zangam, que fazem a comida. As mãos da minha filha, pequeninas mas já firmes, lentamente vão aprendendo a crescer e a viver, cheias de esperanças e possibilidades.
As minhas mãos nas mãos da minha mãe. Cortei-lhe as unhas, limei-as, mas não me deixou pintá-las, fiz-lhe carinhosamente massagens nas suas mãos ainda belas que se despedem da vida, cada dia um bocadinho mais.
As minhas mãos nas mãos do meu amor, no sexo, na cara nas costas, nas suas coxas ossudas.
As minhas mãos uma na outra, pondo creme todos os dias para atenuar a secura das mãos que esfregam, lavam, arrumam, escrevem, acariciam, arrancam unhas e fumam cigarros, para atenuar o passar do tempo que às vezes confunde passado com futuro.
As minhas mãos todos os dias amassam as letras que deslindam a pergunta: que faço eu para ser feliz?

Amor como em Casa

Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no amor como em casa.


Manuel António Pina, in "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde"

02 março 2009

quem me dera que os dias não acabassem

Quem me dera que os dias não acabassem sem o lenço amarelo lá ao fundo, se calhar não é lenço amarelo mas uma toalha vermelha ao vento, quem me dera que os dias não acabassem sem um bolo de maçã a desfazer-se na minha boca, se calhar não é um bolo de maçã mas um chá verde muito quente, quem me dera que os dias não acabassem sem o teu peito encostado a mim, mas eles acabam e começam sem nada disso, nem lenços nem bandeiras nem bolos nem chás nem o teu peito onde eu me possa crucificar.