“— Como é que vocês se chamam? — perguntou o Simon, da soleira da porta, na esperança de que o convidássemos a juntar-se a nós.
— Ainda não nos decidimos por nenhum nome — respondeu o Jim. — Tens alguma sugestão?
Na minha mente, dispararam campainhas de alarme. “Oh, não”, pensei, encaminhamo-nos outra vez para o debate: a eterna discussão sobre “o que havemos de chamar à nossa banda?”. É uma daquelas conversas arriscadas e armadilhadas em que nunca, mas mesmo nunca, nos devemos envolver. Porque, uma vez que nos aventurámos nela, não temos saída possível. As palavras fatais “O que havemos de chamar à nossa banda?”, quando pronunciadas por esta ordem, na verdade constituem um feitiço incrível, capaz de dar sumiço a uma tarde inteira.
— Oh, vá lá — insisti eu —, vamos lá a gravar a cassete. Mal começamos a falar sobre nomes de bandas, já não conseguimos fazer seja o que for.
Houve um sinal de assentimento geral e um acatamento responsável da minha sugestão, até que o Jim, que estava a escrever a etiqueta para a DTA, se intrometeu: — Está bem, mas então o que é que pomos entretanto na etiqueta?
— Bem , eu ainda gosto bastante dos Exaustores.
— Os Exaustores? Não, soa demasiado punk. Como os Stranglers ou os Vibrators.
— Ah, ah, ah — ri-me eu. — Nem pensar. Não vamos voltar a passar por isto. Põe só os nossos apelidos, até ver. Adams and Oates.
— Parece Hall and Oates — observou o Paul, que deambulara até ali a fingir que não se sentia fascinado pelo processo de gravação do nosso primeiro single. — As pessoas vão pensar, “Oh, uau! O Oates separou-se do Hall e arranjou um novo parceiro”, e então vão perceber que se trata de um Oates diferente e atirar a cassete para o lixo.
— Está bem, então os nossos nomes próprios: Michael and Jimmy.
— Assim parece que são dois dos Osmonds.
— Parem, parem já. Estamos a começar aquela conversa outra vez.
Todos concordaram, e eu liguei o equipamento e a guitarra do Jim à corrente. Fez-se um silêncio momentâneo enquanto o equipamento estava a aquecer e, como uma reflexão tardia, acrescentei: — Põe só banda sem nome até ver. — No preciso momento em que acabei de dizer isto, percebi que tinha sido um erro. Fechei os olhos numa expectativa exausta.
— Banda Sem Nome. Agrada-me bastante — opinou o Jim. Houve um murmúrio de concordância em redor do quarto, e eu tentei não dizer nada. Mas foi-me impossível.
— Não. O que eu quero dizer com “banda sem nome” é que a nossa banda ainda não tem nome, não uma cassete dum novo grupo chamado Banda Sem Nome.
— Banda Sem Nome. Soa bem, não acham?
— Acho. Fica no ouvido, não é?
— Tinha de cortar o mal pela raiz. — Lamento muito, mas de certeza não nos vamos chamar Banda Sem Nome. É o pior nome que alguma vez já ouvi.
O Simon tinha um ainda pior.
— E que tal Banda de Apoio?
Ouviu-se um grunhido emitido por mim e pelo Jim que, na qualidade de músicos experimentados, já sabíamos que todas as bandas do mundo tinham, num ou noutro momento, considerado que era incrivelmente excêntrico chamar-se Banda de Apoio.
O entusiasmo do Simon mantinha-se irresoluto. — Porque, estão a ver, sempre que virmos um cartaz para um concerto, já lá têm o vosso nome. Podiam chegar ao pé dos organizadores e dizer: “Somos a Banda de Apoio”. Estão a ver, já têm o nome no cartaz!
— Pois, e quando forem famosos, os cartazes vão dizer Banda de Apoio mais banda de apoio — interveio o Paul —, e vão ter de tocar a dobrar. — Desatou a rir-se.
Enquanto este debate era travado, eu e o Jim meneávamos a cabeça como dois sábios de provecta idade.
— Pois, e se arranjarmos um clube de fãs qualquer? — intrometeu-se o Jim. — Eles vêem “Banda de Apoio” no cartaz e vão assistir ao nosso espectáculo, e é então que descobrem que nós não apenas parecermos ter mudado todas as músicas, mas também que todos os antigos membros da banda se foram embora. Ou isso, ou vêem o nosso nome no cartaz e presumem que não se trata dos Banda de Apoio, mas de outra banda de apoio qualquer. Não deve haver nome pior para uma banda em toda a história da música rock.
— À excepção de Cabeça de Nabiça — sugeri eu.
— Ah, claro. À excepção de Cabeça de Nabiça.
Penso que foi nesse momento que eu me apercebi de que já estávamos embrenhados na conversa sem fuga possível. Fora incapaz de a evitar. Tal como uma das fadas-madrinhas na Bela Adormecida, tinha gritado e advertido em vão enquanto eles caminhavam em estado de transe até à agulha.
— Dar nomes às bandas é fácil — disse o Jim, apesar de todas as provas em contrário. — Lê aí qualquer coisa do jornal.
— Os comissários da União Europeia reiteram exigências de investigação do GATT.
— Hum, entra logo no ouvido.
— Escolhe uma frase.
— O Feudo dos Motociclistas Nórdicos.
— A mim, agrada-me.
— Parece o nome dum bando medonho de heavy-metal. Como Viking Blitzkrieg ou Titan’s Anvil.
— Os Beatles — declarou o Simon jovialmente.
— O quê? — exclamámos os restantes cheios de incredulidade.
— Então, vocês disseram para ler coisas do jornal. Está aqui um artigo sobre os Beatles.
— Porque é que não se chamam Aardvark? Assim, terão a primeira entrada no Book of Rock do New Musical Express — sugeriu o professor de Inglês.
— Ou A1 — ripostou Simon —, só para jogar pelo seguro.
— A1? As pessoas vão passar a vida a ligar para cá a pedirem táxis.
— E que tal Teste Final?
— Oh meu Deus, isso não — protestei eu. — Faz-me lembrar aquela banda da treta, os Teste da Verdade, que nós costumávamos secundar em Godalming. Ainda têm com eles o maldito do meu suporte de microfone.
Em seguida, a conversa passou, como de costume, à próxima fase: a sequência de fogo rápido e contínuo, em que eram apresentados e rejeitados em tempo recorde centenas de nomes.
— O Aroma do Vermelho.
— Não.
— Guarda Republicana de Elite.
— Não.
— Maior que Jesus.
— Não.
— Charlie não Surfa.
— Não.
— Vem Dançar.
— O Amigo Hímen e as Penetrações.
— Não, Simon.
— Mortos à Chegada.
— Não.
— Quem é Billy Shears?
— Não.
— Caídos aos bocados.
— Não.
— Perigo: Pode Conter Malucos.
— Não.
— Deixem os Peixes Nadar.
— Não.
— Os Detritos Gémeos.
— Não.
— Passarão.
— Não.
— O Homem Cuja Cabeça Dilatou.
— Não.
— Os Bastardos Belgas Balofos.
— Não.
— O Som da Música.
— Não.
— Geminados.
— Não.
— Olha a Ravina.
— Não.
— Os Restos.
— Não.
— Os Ácaros dos Tapetes.
— Não.
— Presos Acorrentados.
— Não.
— Aiatola e os xiitas.
— Não.
— Carrinhos de Bebé Armadilhados.
— Não.
— Vinte e Quatro Minutos Desde Tulse Hill.
— Não.
— Au!
— Não.
— Não, quero dizer, Au! Acabei de espetar uma farpa desta cadeira.
Passado um bocado, o cérebro fica entorpecido por andar continuamente à procura de uma combinação original de duas ou três palavras, e, devido à fadiga mental, acabamos por só ser capazes de produzir sons ininteligíveis. — Os blu-blu-blá-blás.
— E que tal uma coisa do género monárquico?
— Já foram todos usados. Já existiram os Queen, os King, o Prince, as Princess. Só nos resta a Duquesa de Kent. Não podemos dar à nossa banda o nome duma miúda chique, que só se pode gabar de ser famosa porque arranja bilhetes de graça para Wimbledon.
— Já sei — exclamou o Simon entusiasmado, criando-nos expectativas injustificadas. — E que tal Hein?
— Hein?
— Não, não é Hein? Não é Hein com um ponto de interrogação. É Hein! Com um ponto de exclamação. Estão a ver, como os Wham! Tipo para chamar a atenção.
Na verdade, ninguém se deu ao trabalho de rejeitar esta ideia, era uma sugestão demasiado medíocre para merecer qualquer comentário. Em vez disso, ignorámo-la até ao esquecimento, e o Simon ficou bastante magoado quando percebeu que todos continuáramos a apresentar outras sugestões sem sequer nos darmos à maçada de reconhecer a dele. Durante cerca duma hora, foi lançado um número infindável de sugestões, como discos de argila a um alvo, e em seguida despedaçados em estilhaços por um de nós. Rejeitámos Os Mísseis, Vai Prá Cadeia, Rocktober e, como seria de esperar, Santa Joana e A Conspiração do Ataque de Caspa. Até que, com o tom grave e sério de quem sabe que finalmente encontrou a resposta certa, o Jim disse: — Lust for Life.
— Lust for Life — reiterei eu em profunda contemplação.
— É uma faixa do Iggy Pop — lembrou o Paul.
— E um filme sobre Van Gogh.
— Eu sei.
O Paul apenas colocara pomposamente estas objecções para receber a decepção de ficar a saber que, afinal, não eram objecções. Repetimos o nome mais algumas vezes e decidimos que ficava Lust for Life. Levara-nos duas horas e meia, mas finalmente podíamos trabalhar um bocado. Liguei o microfone e adoptei a persona de apresentador do Hollywood Bowl.
— Minhas senhoras e meus senhores, esta noite apresentamos o primeiro concerto da digressão norte-americana, já esgotada... estão em primeiro em todas as tabelas de venda do mundo... vindos expressamente de Balham, Inglaterra, eis os Lust for Life.
O Jim e o Simon aplaudiram e assobiaram, e em seguida o Simon levantou o isqueiro aceso no ar. O Paul adoptou uma atitude de altivez indiferente, limitando-se a ficar por ali a ler a Time Out.
— Alguém tem vontade de ir a um concerto amanhã à noite? — perguntou ele de forma algo enigmática.— Ainda não nos decidimos por nenhum nome — respondeu o Jim. — Tens alguma sugestão?
Na minha mente, dispararam campainhas de alarme. “Oh, não”, pensei, encaminhamo-nos outra vez para o debate: a eterna discussão sobre “o que havemos de chamar à nossa banda?”. É uma daquelas conversas arriscadas e armadilhadas em que nunca, mas mesmo nunca, nos devemos envolver. Porque, uma vez que nos aventurámos nela, não temos saída possível. As palavras fatais “O que havemos de chamar à nossa banda?”, quando pronunciadas por esta ordem, na verdade constituem um feitiço incrível, capaz de dar sumiço a uma tarde inteira.
— Oh, vá lá — insisti eu —, vamos lá a gravar a cassete. Mal começamos a falar sobre nomes de bandas, já não conseguimos fazer seja o que for.
Houve um sinal de assentimento geral e um acatamento responsável da minha sugestão, até que o Jim, que estava a escrever a etiqueta para a DTA, se intrometeu: — Está bem, mas então o que é que pomos entretanto na etiqueta?
— Bem , eu ainda gosto bastante dos Exaustores.
— Os Exaustores? Não, soa demasiado punk. Como os Stranglers ou os Vibrators.
— Ah, ah, ah — ri-me eu. — Nem pensar. Não vamos voltar a passar por isto. Põe só os nossos apelidos, até ver. Adams and Oates.
— Parece Hall and Oates — observou o Paul, que deambulara até ali a fingir que não se sentia fascinado pelo processo de gravação do nosso primeiro single. — As pessoas vão pensar, “Oh, uau! O Oates separou-se do Hall e arranjou um novo parceiro”, e então vão perceber que se trata de um Oates diferente e atirar a cassete para o lixo.
— Está bem, então os nossos nomes próprios: Michael and Jimmy.
— Assim parece que são dois dos Osmonds.
— Parem, parem já. Estamos a começar aquela conversa outra vez.
Todos concordaram, e eu liguei o equipamento e a guitarra do Jim à corrente. Fez-se um silêncio momentâneo enquanto o equipamento estava a aquecer e, como uma reflexão tardia, acrescentei: — Põe só banda sem nome até ver. — No preciso momento em que acabei de dizer isto, percebi que tinha sido um erro. Fechei os olhos numa expectativa exausta.
— Banda Sem Nome. Agrada-me bastante — opinou o Jim. Houve um murmúrio de concordância em redor do quarto, e eu tentei não dizer nada. Mas foi-me impossível.
— Não. O que eu quero dizer com “banda sem nome” é que a nossa banda ainda não tem nome, não uma cassete dum novo grupo chamado Banda Sem Nome.
— Banda Sem Nome. Soa bem, não acham?
— Acho. Fica no ouvido, não é?
— Tinha de cortar o mal pela raiz. — Lamento muito, mas de certeza não nos vamos chamar Banda Sem Nome. É o pior nome que alguma vez já ouvi.
O Simon tinha um ainda pior.
— E que tal Banda de Apoio?
Ouviu-se um grunhido emitido por mim e pelo Jim que, na qualidade de músicos experimentados, já sabíamos que todas as bandas do mundo tinham, num ou noutro momento, considerado que era incrivelmente excêntrico chamar-se Banda de Apoio.
O entusiasmo do Simon mantinha-se irresoluto. — Porque, estão a ver, sempre que virmos um cartaz para um concerto, já lá têm o vosso nome. Podiam chegar ao pé dos organizadores e dizer: “Somos a Banda de Apoio”. Estão a ver, já têm o nome no cartaz!
— Pois, e quando forem famosos, os cartazes vão dizer Banda de Apoio mais banda de apoio — interveio o Paul —, e vão ter de tocar a dobrar. — Desatou a rir-se.
Enquanto este debate era travado, eu e o Jim meneávamos a cabeça como dois sábios de provecta idade.
— Pois, e se arranjarmos um clube de fãs qualquer? — intrometeu-se o Jim. — Eles vêem “Banda de Apoio” no cartaz e vão assistir ao nosso espectáculo, e é então que descobrem que nós não apenas parecermos ter mudado todas as músicas, mas também que todos os antigos membros da banda se foram embora. Ou isso, ou vêem o nosso nome no cartaz e presumem que não se trata dos Banda de Apoio, mas de outra banda de apoio qualquer. Não deve haver nome pior para uma banda em toda a história da música rock.
— À excepção de Cabeça de Nabiça — sugeri eu.
— Ah, claro. À excepção de Cabeça de Nabiça.
Penso que foi nesse momento que eu me apercebi de que já estávamos embrenhados na conversa sem fuga possível. Fora incapaz de a evitar. Tal como uma das fadas-madrinhas na Bela Adormecida, tinha gritado e advertido em vão enquanto eles caminhavam em estado de transe até à agulha.
— Dar nomes às bandas é fácil — disse o Jim, apesar de todas as provas em contrário. — Lê aí qualquer coisa do jornal.
— Os comissários da União Europeia reiteram exigências de investigação do GATT.
— Hum, entra logo no ouvido.
— Escolhe uma frase.
— O Feudo dos Motociclistas Nórdicos.
— A mim, agrada-me.
— Parece o nome dum bando medonho de heavy-metal. Como Viking Blitzkrieg ou Titan’s Anvil.
— Os Beatles — declarou o Simon jovialmente.
— O quê? — exclamámos os restantes cheios de incredulidade.
— Então, vocês disseram para ler coisas do jornal. Está aqui um artigo sobre os Beatles.
— Porque é que não se chamam Aardvark? Assim, terão a primeira entrada no Book of Rock do New Musical Express — sugeriu o professor de Inglês.
— Ou A1 — ripostou Simon —, só para jogar pelo seguro.
— A1? As pessoas vão passar a vida a ligar para cá a pedirem táxis.
— E que tal Teste Final?
— Oh meu Deus, isso não — protestei eu. — Faz-me lembrar aquela banda da treta, os Teste da Verdade, que nós costumávamos secundar em Godalming. Ainda têm com eles o maldito do meu suporte de microfone.
Em seguida, a conversa passou, como de costume, à próxima fase: a sequência de fogo rápido e contínuo, em que eram apresentados e rejeitados em tempo recorde centenas de nomes.
— O Aroma do Vermelho.
— Não.
— Guarda Republicana de Elite.
— Não.
— Maior que Jesus.
— Não.
— Charlie não Surfa.
— Não.
— Vem Dançar.
— O Amigo Hímen e as Penetrações.
— Não, Simon.
— Mortos à Chegada.
— Não.
— Quem é Billy Shears?
— Não.
— Caídos aos bocados.
— Não.
— Perigo: Pode Conter Malucos.
— Não.
— Deixem os Peixes Nadar.
— Não.
— Os Detritos Gémeos.
— Não.
— Passarão.
— Não.
— O Homem Cuja Cabeça Dilatou.
— Não.
— Os Bastardos Belgas Balofos.
— Não.
— O Som da Música.
— Não.
— Geminados.
— Não.
— Olha a Ravina.
— Não.
— Os Restos.
— Não.
— Os Ácaros dos Tapetes.
— Não.
— Presos Acorrentados.
— Não.
— Aiatola e os xiitas.
— Não.
— Carrinhos de Bebé Armadilhados.
— Não.
— Vinte e Quatro Minutos Desde Tulse Hill.
— Não.
— Au!
— Não.
— Não, quero dizer, Au! Acabei de espetar uma farpa desta cadeira.
Passado um bocado, o cérebro fica entorpecido por andar continuamente à procura de uma combinação original de duas ou três palavras, e, devido à fadiga mental, acabamos por só ser capazes de produzir sons ininteligíveis. — Os blu-blu-blá-blás.
— E que tal uma coisa do género monárquico?
— Já foram todos usados. Já existiram os Queen, os King, o Prince, as Princess. Só nos resta a Duquesa de Kent. Não podemos dar à nossa banda o nome duma miúda chique, que só se pode gabar de ser famosa porque arranja bilhetes de graça para Wimbledon.
— Já sei — exclamou o Simon entusiasmado, criando-nos expectativas injustificadas. — E que tal Hein?
— Hein?
— Não, não é Hein? Não é Hein com um ponto de interrogação. É Hein! Com um ponto de exclamação. Estão a ver, como os Wham! Tipo para chamar a atenção.
Na verdade, ninguém se deu ao trabalho de rejeitar esta ideia, era uma sugestão demasiado medíocre para merecer qualquer comentário. Em vez disso, ignorámo-la até ao esquecimento, e o Simon ficou bastante magoado quando percebeu que todos continuáramos a apresentar outras sugestões sem sequer nos darmos à maçada de reconhecer a dele. Durante cerca duma hora, foi lançado um número infindável de sugestões, como discos de argila a um alvo, e em seguida despedaçados em estilhaços por um de nós. Rejeitámos Os Mísseis, Vai Prá Cadeia, Rocktober e, como seria de esperar, Santa Joana e A Conspiração do Ataque de Caspa. Até que, com o tom grave e sério de quem sabe que finalmente encontrou a resposta certa, o Jim disse: — Lust for Life.
— Lust for Life — reiterei eu em profunda contemplação.
— É uma faixa do Iggy Pop — lembrou o Paul.
— E um filme sobre Van Gogh.
— Eu sei.
O Paul apenas colocara pomposamente estas objecções para receber a decepção de ficar a saber que, afinal, não eram objecções. Repetimos o nome mais algumas vezes e decidimos que ficava Lust for Life. Levara-nos duas horas e meia, mas finalmente podíamos trabalhar um bocado. Liguei o microfone e adoptei a persona de apresentador do Hollywood Bowl.
— Minhas senhoras e meus senhores, esta noite apresentamos o primeiro concerto da digressão norte-americana, já esgotada... estão em primeiro em todas as tabelas de venda do mundo... vindos expressamente de Balham, Inglaterra, eis os Lust for Life.
O Jim e o Simon aplaudiram e assobiaram, e em seguida o Simon levantou o isqueiro aceso no ar. O Paul adoptou uma atitude de altivez indiferente, limitando-se a ficar por ali a ler a Time Out.
— Porquê, quem é que vai tocar?
— Estava a pensar em ir ao Half Moon, em Putney. — Abanou o anúncio em frente dos nossos narizes. — Vai tocar uma banda nova chamada Lust for Life.
Fez-se silêncio.
— Maldita corja de plagiadores! — rugiu o Jim. — Gamaram-nos o raio do nome.”
in “O melhor que um homem pode ter”,
John O’Farrell
Editorial Presença
6 comentários:
Confessem lá, estão a querer perder leitores, não estão? E a vencer pelo cansaço os sobrantes?
Texto brilhante!
anónimo, o texto é bom e a oito deve ter gostado muito dele para ter o todo trabalho de o passar para aqui para que nós o pudessemos ler.
foi dançar a bossa nova,
Não duvido que a oito goste muito do texto e reconheço o trabalho que deve ter tido na sua transcrição e, também, como a amizade nos leva a fazer coisas que em circunstâncias normais não faríamos.
Também não duvido que essa transcrição fará sentido num lugar que não num blog.
Mas quem sou eu para condicionar o vosso critério editorial...
eu própria não o diria melhor.
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