12 janeiro 2009

A vida por um broche

Ainda há meia dúzia de dias, durante mais uma silenciosa ceia entrecortada pelo ruído da mastigação, ele lhe tinha perguntado "Nunca mais usaste a pregadeira que te ofereci há anos, aquela cheia de brilhantes azuis. Lembras-te?"

Se se lembra! Ofereceu-lha no exacto momento em que Juliana tinha já tomado a resolução de fazer malas e paritr. Chegou a casa e, sem mais, passou-lhe uma mão por detrás do pescoço, a outra agarrando-lhe firme a cintura. Deu-lhe um beijo, e outro, sussurrou-lhe juras de amor e palavras doces. E ela... presa por um broche pejado de pedrinhas azuis e de brilhantes translúcidos.

Há muito que repousa, o broche, na gaveta da mesa de cabeceira, há tantos anos quantos os que desacreditou na possibilidade de ser verdadeiramente feliz. De então para cá vieram os filhos, em número par, as obrigações, os encargos com os créditos, os gritos "motivados pelo stress e pelo cansaço" ou por qualquer palavra fora de sítio dita por ela ou pelos miúdos, as conversas reiteradas em que o epicentro era sempre um eu que não o dela, o corpo colado no sofá, o jantar servido uns dias a horas outros a deshoras mas sempre de acordo com as horas que eram as dele. O sexo sem prazer e o prazer de ver sofrer. As festas pouco festivas porque ele era pouco festivaleiro...

"Lembras-te? Por que não o usas? Vai-te bem com os olhos e quase nunca o pões." Não calha, respondeu ela, habituada que estava a meias palavras, frases curtas.

De então para cá apenas lhe calharam as prendas que ela própria escolhia por ocasião do Natal ou do aniversário. Nunca mais foi surpreendida, nem nunca mais esperou sê-lo.

E agora ali estava ele, caído, corpito mirrado, depois de mais uma das cenas de gritaria a que a havia habituado.
Foi o coração, assegurava o clínico, Não aguentou.

Foi então buscá-lo à gaveta onde o havia enterrado. Juliana olhou-se ao espelho. As rugas já não enganavam o tempo. Também já não queria enganar ninguém. Naquele dia os brilhantes iam, de certeza, com os seus olhos e com o azul petróleo do seu casaco. E Juliana saía para a rua disposta a apanhar o primeiro transporte que a levasse para longe dali.

6 comentários:

o chofer a dançar com a criada disse...

pobre juliana...

na prise és bestial disse...

vão-se os anéis, ficam os dedos.

sete e pico disse...

ou vão-se os dedos, fica o broche.

oxalá a juliana consiga ser mais feliz.

nove e tal disse...

ou vão-se os anéis e fica o broche.

a juliana, é com certeza, mais feliz.

gerou-se a confusão natural disse...

ou vai-se o broche e ficam os anéis

foi dançar a bossa nova disse...

gosto de casacos azul petróleo.