06 maio 2008

1 de Janeiro de 2002 (parte 1)

Hoje fui com meu amor a Necocli tomar o primeiro banho do ano. Tomámos dois longos banhos no mar, é a sensação mais deliciosa da vida, tomar banhos de mar e ainda para mais em praias bonitas. Esta praia tem palmeiras ao largo de toda a praia que é uma extensão muito comprida de areia mas que tem apenas 40 metros de largura. Ao longo da praia há algumas casas não muitas juntas, apenas o suficiente para haver privacidade para cada uma, a maioria são sítios onde servem bebidas e comidas, caseiros, ou seja gente que faz a sua vida normal em casa mas que tem um frigorifico grande para poder vender bebidas. Um das casas é do Mandibuleiros del sol, un casal de hippies, com dois filhos pequenos, um deles chama-se Urabá del sol (lindo nome!). É um casal de argentinos artesãos, que vieram viver para aqui porque trabalham com cabaças de abóbora e ouviram falar de Urabá, que na língua nativa indígena significa terra da calabaza (abóbora). E por aqui ficaram, vendem o seu artesanato e tentam conseguir financiamento e executar projectos de educação ambiental, ou de promoção de convivência pacifica e redes de paz nas escolas de Necocli, que é uma das bases dos paramilitares em Urabá, pelo menos é o que toda a gente comenta e tem como certo, vivido e comprovado. Mesmo à saída encontra-se a supermegahiper herdade de um narcotraficante, Pablo Ochoa, que foi extraditado para os EUA, mas que deixou a quinta com alguns administradores e com a família que lhe vão orientando o negocio; são terras a perder de vista, com muito gado e com uma casa construída em madeira e completamente circular, exuberante, no meio de uma colina alta, com vista panorâmica. Necocli não pode crescer mais porque está limitada por essa quinta por um lado e pelo mar por outro.

No primeiro dia do ano toda a gente sai a passear aqui. Como as famílias são grandes, mete-se toda a gente num camiãozito ou camiãozote quando são os passeios de bairro, e o rádio alto a tocar vallenatos. É impressionante ver tanta gente junta, aqui existe um espirito comunitário na forma de viver , apesar de todo o individualismo utilizado como sobrevivência à causa da guerra interna. Muitas vezes encontramos familias onde há um pelo menos um irmão que na guerrilha, outro que é paramilitar e outro está no exército. E a mãe faz comida para os três, mas sempre a dizer que é melhor que se afastem porque é um perigo para todos. E é verdade, quantos mortos já contados porque diz que disse que andou metido com esses senhores. Aqui a gente comum diz muitas vezes os senhores da guerrilha ou os senhores dos paramilitares quando se referem aos grupos armados. Ao principio isto pareceu-me estranho porque o termo senhores, ao mesmo tempo que é distante, é também uma forma de respeito. Já quando se ouve os senhores do exército nas suas declarações aos jornalistas, vê-se que preferem diferenciar as coisas, o seu a seu dono. Para a guerrilha escolhem termos como bandidos, bandoleiros, e desde o 11 de setembro, passaram a chamá-los terroristas, e para os paramilitares simplesmente Autodefensas Unidas de Colômbia.

É impressionante como aqui toda a a gente conhece pessoas de um lado e do outro da guerra, ou dos mil e um lados que tem esta guerra, e não há praticamente nenhuma pessoa que não tenha na sua história de vida um episódio como vítima da violência, directamente ou/e através de um familiar. Até a mim me vai chegando a violência e todas as suas marcas, os medos, a tristeza que não encontra palavras para a morte de uma pessoa admirada ou próxima, um porque se enforcou, outro por que foi morto pela guerrilha, outro porque teve simplesmente que desaparecer.

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