24 abril 2008

algures a meio de Fevereiro de 2000


Apartadó, do avião vêm-se os quilómetros e quilómetros de bananeiras, extensões enorme do monopólio da republica de Urabá. E assim que se sai o calor húmido pega-se à pele. Parece que fui transportada para uma África latina, onde o negro parece predominar, cada bar tem uma aparelhagem sempre mais alta que o do lado e a rua é um prolongamento das casas, pois é muito frequente as pessoas trazerem as suas cadeiras e estarem sentadas na rua. E é tanto assim, que com a minha inconveniente falta de vista, outro dia entrei por uma casa particular dentro, pensando que era uma loja perguntando pelo preço das cadeiras, que eram lindíssimas. Felizmente a senhora não ficou ofendida!! Mesmo os restaurantes e bares não são rodeados por paredes mas sim por flores e por árvores, o que torna tudo muito bonito. Faz imenso calor e andamos sempre de manga curta, seja de dia ou de noite (olha a inveja...), mas foi um pouco estranho habituar-me a trabalhar neste clima que associo a férias e ao verão.

O trabalho começou e a sério. Já fui visitar comunidades de desplazados que se organizaram com o nome de Comunidades de Paz. Têm regras próprias, uma estrutura de grupo bem definida e querem ser vistas como neutrais frente ao conflito armado, ou melhor dizendo, à margem do conflito. Não querem ser conotadas com nenhum dos actores armados, inclusive o exército, pois ao estarem, ainda que muito indirectamente, ligadas a algum deles tornam-se automaticamente alvo dos outros. É uma forma muito interessante de sobrevivência nestes tempos de guerra, mas que frequentemente encontra obstáculos de todas as partes, pois por um lado estão um pouco abandonadas pelas forcas militares e pelas instituições do Estado e por outro, são pressionadas pelas guerrilhas ou pelos paramilitares que as acusam de ajudarem a um ou a outro lado.

Uma das coisas que mais me está a fascinar aqui, para além de toda esta natureza imensa, presente em todas as partes e serena apesar de tudo, é a força e a vontade com que as pessoas trabalham no meio deste estado de guerra constante. A vontade que têm as organizações e as pessoas em geral para fazer sair as suas coisas boas e encontrarem uma alternativa para a violência que as persegue é muito reconfortante e é também uma motivação para o trabalho humanitário, o de poder ajudar a população civil que vive no meio de todo este conflito. Todas as pessoas que tenho conhecido tem experiências terríveis, vividas mais ou menos proximamente, e mesmo assim todo o seu trabalho é dirigido aos outros e para o bem de um país e das suas pessoas, de um país que nunca se sabe quando vai poder viver em paz.

Às vezes pergunto-me quais os perigos reais de estar aqui, não em termos de segurança, mas das transformações que certamente me acontecerão. Até agora, em toda a minha vida nunca vi um morto real, nunca vi violência a não ser na televisão e mesmo aí tapo sempre os olhos. Acho que é a primeira vez que me confronto realmente com pessoas reais, de carne e osso como eu, que de repente perderam tudo, casa, dinheiro, trabalho, família, amigos, a terra onde viviam, tudo o que nos dá estabilidade na vida e que nunca pensamos que se pode perder. E mesmo assim, seguem, recomeçam, continuam, propõem alternativas e ainda conseguem ver coisas positivas.

A propósito, quando estava numa visita a uma das comunidades de paz que falei, resolvi perguntar se havia alguma coisa positiva que pudessem tirar desta nova situação, apesar de todas as coisas horríveis que viveram (não consigo que o meu optimismo me largue!) e as respostas foram muito interessantes. Disseram que agora tinham aprendido a viver em comunidade e que se sentiam muito mais fortes nesta nova forma de viver; têm tarefas especificas para cada um , formaram comissões, de mulheres , de jovens, de diálogo e negociação, pensam em projectos de vida comuns e não vivem cada um para a sua vida como antes, mas sim com um sentimento de pertença e de identidade de comunidade. E outro dos balanços positivos foi o de estarem mais próximos do Estado, estarem mais informados, conhecerem melhor os seus direitos e como reclamá-los, o que antes não acontecia. É bonito não é? Eu sei que isto é muito esquerda naif, mas é lindo.

Mas não sei o que pensar dos colombianos por um lado são de uma simpatia como nunca vi em nenhum outro pais, calmos, prestáveis, à vontade, disponíveis, por outro, matam-se uns aos outros e tem a violência já muito instalada no seu dia a dia, é um quebra cabeças complicado. Não sei, talvez não exista o colombiano, mas muitos diferentes...

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