30 abril 2008

março 2001 (parte 1)

O Ministro da Defesa colombiano, perante o pedido da população de Barrancabermeja para que o Governo exerça o seu dever de protecção aos cidadãos e ajude a cidade a combater o paramilitarismo, reagiu prontamente e com zelo, mandando entregar 200 caixões à cidade para ajudar os mais pobres. Certamente inspirou-se no slogan de uma funerária de Apartadó, que tinha escrito em letras garrafais num cartaz “Funerária San Nicolas Trabalhamos com amor”. De facto, o amor é um requisito imprescindível para o bom desempenho de uma funerária por estas bandas, quanto mais não seja o amor a um negócio rentável em que a matéria prima abunda. Mas também a capacidade de discrição é um requisito fundamental, para além de ser útil à sobrevivência...
Um amigo meu daqui conta que o funeral mais triste a que assistiu, foi o de um homem que tinha sido morto já se sabe por quem, e em que apenas ia a viuva, ele e psicólogo da fundação compartir, que é uma ong que apoia as viuvas e órfãos vítimas da violência; 3 gatos pingados acompanhando um caixão pois ninguém mais se atrevia a pôr o pé fora da porta.
Em Apartadó todos os dias há imensas mortes silenciosas e rapidamente abafadas nos bairros mais pobres da cidade. Apenas se ouvem os tiros durante a noite pois as lágrimas das pessoas são rapidamente secas pelas ameaças dos assassinos, (organizados legalmente numa empresa de segurança chamada Convivir e formada pelo que é hoje presidente da Colômbia, Álvaro Uribe).
As Convivir actuam dentro dos bairros mantendo a lei (que tipo de lei é outra questão) e amoral, perdão, a moral. Alguns exemplos, o filho do nosso motorista teve de fazer um retiro forçado para Medellin, pois estava ao lado de um amigo quando o mataram por ter utilizado linguagem imprópria (asneiras) e porque viu as caras que todos viram e conhecem. Por isso, é recomendável umas vacaciones até que a coisa acalme. Este é um outro tipo de desplazamento, são quase invisíveis pois as pessoas não se registram como desplazados por medo a represálias Técnicamente chama-se gota a gota e são as mulheres viuvas quem tem a fatia maior da torta deste tipo de desplazamentos.
As Convivir também fazem reuniões com a população nos bairros pobres. Contam a senhora que nos limpa a casa, Ubaldina, uma viuva vítima da violência, e as nossas secretárias, Marley e Dennis, orfãs da violência, que eles fazem a lista dos comportamentos aconselháveis para o bem da ordem pública. Alguns exemplos: as mulheres não podem andar com roupas demasiado decotadas, têm de cuidar bem dos seus filhos, a infidelidade não é bem vista, assim como o uso de palavras grosseiras. Os roubos também não são permitidos e aqui aplica-se a técnica árabe do cortar a mão ao ladrão, e em casos mais graves corta-se a vida. Também os indigentes e os meninos e meninas de rua são um problema social e estes senhores consideram que o mal deve ser eliminado pela raiz, por isso é frequente aparecerem meninos de rua mortos debaixo da ponte de Apartadó.
A tudo isto, as Convivir dão-lhe o nome técnico de limpeza social.

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