02 maio 2008

novembro 2000 (parte 2)

Mas enfim, mudemos de assunto. Passemos a tomada de decisões neste país de realismo mágico. O ACNUR e uma ONG que trabalha connosco, OL, tem um convénio com a Registradoria Nacional para registrarem e documentarem as pessoas desplazadas. Aqui a falta de documentos de identificação, o nosso bilhete de identidade, é um dos principais problemas entre os desplazados, pois pelo isolamento geográfico dos sítios onde vivem não têm a cultura do papel que lhes diz que pertencem a um Estado que não existe, ou porque durante o desplazamento ninguém se lembra de levar a identificação pessoal. Bem, o que é certo, é que não ter papéis equivale a ser guerrilheiro e, consequentemente, a ser suspeito, além de impedir o acesso a bens e serviços do Estado. Continuando, estava marcada para esta semana uma campanha de documentação e registro por toda a zona do rio Atrato e das Comunidades de Paz. O que é certo é que eu ontem resolvi ir com o Adolfo, o meu motorista e amigo, a uma “bruxa” daqui que lê o café. E sem que eu lhe dissesse nada, a senhora pergunta-me se não trabalha comigo uma mulher assim e assim que tem uma viagem marcada para breve. Digo-lhe que sim e ela pede-me para lhe dizer que adie a viagem porque vê demasiados perigos no caminho (o demasiado quer dizer mais do que aquilo que já é normal). Claro que saí dali e fui logo a correr contar à minha amiga que ia viajar. Ela fala com o chefe dela e este, depois de pensar um pouco, pede-lhe o nome completo e a data de nascimento. E depois de consultada uma outra assesora, esta com experiência em búzios, confirmou-se tudo, a viagem está demasiado perigosa, é melhor adiar. E sem pensar duas vezes, depois de tantas evidências científicas, claro está que resolvemos adiar a campanha de documentação e registro. É certo que a situação por aqui anda mais tensa e que havia sempre coisas que iam adiando a viagem, ora eram os formatos de registro que não chegavam, ou os rolos de fotografia que vinham trocados, mas a gota de água foi mesmo os relatórios das nossas consultoras espíritas. Mesmo com todas as gargalhadas que já demos à conta das consultoras, ninguém tem dúvidas. É melhor não arriscar... E de facto, a senhora Beatriz do tinto (que é como aqui chamam ao café) disse-me coisas que eu fiquei de boca aberta. E para que eu não pensasse que ela estava a mentir, fazia-me olhar pela lupa para as borras do café. “Tá ver, ali está o homem de mal génio que apareceu no seu caminho, tá a vê-lo?” E disse-me que tinha muy buena suerte, e que não me ia acontecer nada. Enfim, cenas malucas mas que não são para desconsiderar.
E assim se vai levando o dia a dia em que sempre vão acontecendo coisas para dar colorido à vida. Ainda outro dia caiu uma árvore em cima do nosso carro. O pobre Adolfo, que nessa semana já tinha avariado a fotocopiadora por a ter ligado a uma corrente de 220V em vez de 110, ia a passar na estrada quando lhe cai uma árvore enorme em cima do carro, que pôs o tecto completamente em U. Ainda bem que não lhe passou nada, mas suspeito que foi a partir daí que ele ficou a conhecer a senhora Beatriz do tinto, que agora já tem pelo menos mais 5 clientes assíduas.
E termino como o presidente Andrés Pastrana no final das suas declarações ao país:
Que dios vos bendiga y que dios me bendiga!

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