Queridos amigos, aqui vão mais alguns pequenos nadas dos quais é feita esta vida de aqui, mas desta vez um bocadinho a despachar pois o meu tempo anda curto pois amanhã parto para Apartadó, no departamento de Antioquia e é lá que vou ficar este ano, vindo apenas uma semana por mês a Bogotá, à civilização… Já não vou para Putomayo, de repente mudou-se tudo, a equipa teve que se restructurar e eu fiquei em Apartadó, onde tenho também selva tropical, temperaturas entre 28 e 30 graus (pobrecita de mim) e mosquitos e malária a dar com um pau. Não me escapo de apanhar malária, mesmo com todo o cuidado que tiver.
E por aqui as coisas ainda estão a correr muito devagarinho, os colegas de trabalho são simpáticos, mas a coisa não passa disso, ainda não me consegui entrosar bem, talvez por ser mais tímida do que a maioria, aqui tem tudo muito jeito para o social e eu nem por isso e acho que eles não simpatizam muito comigo, sem nunca serem antipáticos. Não sei, talvez seja impressão minha, por ainda não estar muito adaptada. Mas isto é apenas um feeling, pois no dia a dia a coisa dá-se e muito bem. Acho que isto deve ser da minha cabeça, é uma mudança de vida social muito grande, mas até confesso que já não me está a custar muito, há alturas em que parece que já vivo aqui há muito tempo.
Ontem fui a um cinema girissimo, o Cinema Paraiso, ver um filme dinamarquês que já passou aí, “la celebración”. Mas a graça do cinema é que tinha umas poltronas muito confortáveis, com umas mesinhas à frente e serviço de bar dentro do cinema e antes do filme passavam documentários sobre grupos musicais. Nesse dia não tive muita sorte pois o documentário era do Boceli, mas de qualquer maneira foi divertido estar no cinema como se estivesse num bar, com serviço à mesa e tudo. A meio do filme houve um apagón de luzes durante dois minutos como protesto contra os atentados da guerrilha, que deixaram Medellin com a energia racionada até hoje. Por aqui os ataques e confrontos entre guerrilhas, exército e paramilitares não param, cada vez aumentam mais os desplazados, mas é sempre possível diminuir o sofrimento das pessoas. Dentro em pouco já poderei contar-vos mais sobre isto pois a experiência de terreno vai ser muito importante. Por enquanto ainda estou um bocado aos papéis, como diz o povo.
Outro dia fui a uma mesa de trabalho sobre niños desplazados, uma espécie de pequeno congresso. É verdade que já me tinham avisado que os colombianos falam muito bem, mas o que não me tinham avisado é que não têm problema nenhum em ouvir-se durante muito tempo. Eu estava completamente banza, estupefacta, aturdida. No espaço dado para perguntas, em que é suposto fazerem-se pequenos comentários e colocarem-se questões ou dúvidas, cada pessoa que intervinha era como se fosse uma nova exposição, pois ficavam pelo menos 20, 30 minutos a falarem e eu sem perceber onde é que queriam chegar. Capacidade de síntese = 0. Verborreias com traços fortes de delírio.! Quando tentei resumir um bocadinho os pontos chave do que tinha sido dito, mas em poucas palavras, ficou tudo com uma cara condescendente, género ”coitada, é estrangeira”. Isto foi de facto o meu primeiro choque com o que eu estava acostumada aí em Portugal, onde a síntese é um requisito fundamental para a exposição oral. No modo colombiano, a capacidade oratória parece ser uma característica quase genética, o não ir direito ao assunto também, talvez porque aqui a cultura oral tem uma importância e uma influência muito grande e talvez também porque as coisas não podem ser ditas directamente. Não sei, são apenas hipóteses, talvez com o tempo consiga reflectir mais sobre este assunto.
Mas o ponto alto da festa foi que depois houve uma pequena apresentação de crianças desplazadas onde, para além de cantarem canções compostas por elas ou tradicionais, apresentaram também uma série de denúncias e de propostas pensadas por elas. E vocês acreditam que o raio dos putos, com 10, 12 anos de idade falavam com uma desenvoltura tão grande, que tomara eu? Para além de parecerem ligados à corrente e ao dicionário, de terem um manejo do discurso invejável, sabiam muito mais de direitos humanos do que eu! Enfim, há muito que aprender aqui…
Mas o ponto alto da festa foi que depois houve uma pequena apresentação de crianças desplazadas onde, para além de cantarem canções compostas por elas ou tradicionais, apresentaram também uma série de denúncias e de propostas pensadas por elas. E vocês acreditam que o raio dos putos, com 10, 12 anos de idade falavam com uma desenvoltura tão grande, que tomara eu? Para além de parecerem ligados à corrente e ao dicionário, de terem um manejo do discurso invejável, sabiam muito mais de direitos humanos do que eu! Enfim, há muito que aprender aqui…
Agora começou a chover, tem chovido quase todas as tardes e com umas trovoadas de meter medo ao susto de tão fortes. (...)
Sem comentários:
Enviar um comentário