04 abril 2008

Em branco

Em branco está este papel, em branco está a minha alma à espera dos teus olhos. Passaste por mim, olhaste-me de um lado, olhaste-me do outro, de frente e por dentro. Passei por ti e atravessei os teus olhos, detive-me nas tuas sobrancelhas, observei atentamente os teus lábios, imaginei o que diriam. O sinal mudou, de um lado e do outro da passadeira ficámos parados, separados pelos carros que avançavam como uma manada de búfalos em debandada na selva da cidade. Lentamente, sem deixar de olhar-nos, afastámo-nos, seguimos os nossos caminhos em branco. Nunca mais te encontrei. Quem serás?

1 comentário:

Anónimo disse...

Sahi do comboio,
Disse adeus ao companheiro de viagem,
Tinhamos estado dezoito horas juntos.
A conversa agradavel,
A fraternidade da viagem,
Tive pena de sahir do comboio, de o deixar.
Amigo casual cujo nome nunca soube.
Meus olhos, senti-os, marejaram-se de lagrimas...
Toda despedida é uma morte...
Sim, toda despedida é uma morte.
Nós, o comboio a que chamamos a vida
Somos todos casuaes uns para os outros,
E temos todos pena quando por fim desembarcamos.

Tudo que é humano me commove, porque sou homem.
Tudo me commove, porque tenho,
Não uma semelhança com ideias ou doctrinas,
Mas a vasta fraternidade com a humanidade verdadeira.

A criada que sahiu com pena
A chorar de saudade
Da casa onde a não tratavam muito bem...

Tudo isso é no meu coração a morte e a tristeza do mundo.
Tudo isso vive, porque morre, dentro do meu coração.

E o meu coração é um pouco maior que o universo inteiro.

Álvaro de Campos