10 junho 2007

Todas as manhãs

Vieram dizer-me que tinhas morrido. Devem ter-se assustado com o meu olhar, não era dor nem lágrimas, era apenas o espanto da frase a varrer-me por dentro, morreste, devem ter-se assustado porque me deixaram aqui sozinho outra vez, vejo-os lá ao fundo a conversarem quase em silêncio, como viverá ele agora que ela morreu depois de quarenta e sete quase quarenta e oito anos juntos, via-os ao fundo e agora são uma mancha cada vez mais indistinta, quarenta e sete quase quarenta e oito anos e agora como será, a minha mão agarra de novo a enxada que não sei porquê está turva, não são lágrimas deve ser o espanto a encher-me os olhos. Morreste e eu pego na enxada e recomeço a cavar, até me conseguir desprender desta palavra e descobrir-te à janela de onde me sorrias todas as manhãs.

3 comentários:

dizia ela baixinho disse...

e todas as tardes. e todas as noites.

(adorei este texto).

D. Ester disse...

lidar com a perda, o grande mistério da vida. seja em que forma for.

sete e pico disse...

aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii.
Está lindo o raça deste texto. è bonito escrever sobre a morte assim, sobre esta evidência que nos pesa, que se nos agarra, que está aqui mesmo ao lado.