28 abril 2008

setembro de 2000 (parte 2)

6ª feira
Hoje fui para o escritório de manhã e depois fiz ronha pela tarde. O escritório anda um caos, desde carpinteiros a instaladores de alarmas, à secretária que faltou porque os paramilitares lhe mataram um tio, temos de tudo. E ainda para mais a chover torrencialmente e sem carro. No way. Aproveitei e fiquei a ler uma série de documentos que necessito estudar e a preparar os relatórios. Adoro fazer gazeta, se é que se pode chamar gazeta ficar a ler coisas de trabalho em casa em vez de no trabalho. Outro dia a minha colega e eu saímos às 5.45 e ela estava tão contente por sair cedo, como se tivesse saído às 3 da tarde e não 15 minutos antes do que deveria ser a nossa hora de saída. É curioso que nos trabalhos ninguém se lembra de verificar se as pessoas estão a sair mais tarde do que deveriam, mas se alguém chega tarde, isso é logo apontado. E cada um de nós fica nervoso se chega tarde de manhã mas se sai mais cedo fica com sentimento de culpa e se sai tarde, quase que é normal, é porque é um trabalhador responsável e comprometido com o seu trabalho. São estranhos estes códigos inconscientes do trabalho.
Na televisão, as últimas noticias comentam a possibilidade que o Governo (se) coloca de financiar a guerrilha, caso esta se comprometa a cessar fogo e a parar com os sequestros, que são cada vez mais a psicose nacional, e com razão, acrescente-se. Há duas semanas atrás raptaram um restaurante inteiro, onde nem escapou a avózinha de 74 anos, que comemorava o seu aniversário com toda a família. Ou há moralidade ou comem todos. E a guerrilha diz que respeita os civis mas que tem que financiar as suas actividades. É a alegria da bicharada. Também já chegaram a raptar uma missa inteira, com padre incluído, ou seja, todas as pessoas que desgraçadamente resolveram ir purificar a alma precisamente nessa altura. Também outra discussão em voga é o financiamento dos paramilitares. O governo pede encarecidamente aos detentores do poder económico, empresários, bananeiros e ganadeiros (não me ocorre a tradução) que deixem de financiar os páras, ao que estes diplomaticamente respondem que quando o governo garantir a sua segurança e a dos seus negócios, eles prometem pensar no seu caso. Para dar o toque de mestre, os paramilitares vêm dizer para a televisão que não se financiam só através destes grupos económicos, mas que também têm as suas actividades próprias: fazem rifas, vendem tamales (equivalente aos pastéis de bacalhau aí), etc. É a cereja do surrealismo em cima do bolo da loucura.
E outra também fantástica que não posso deixar de contar: as FARC apresentaram o seu partido político, Movimento Bolivariano, e na apresentação pública “convidaram” toda a população das aldeias vizinhas a ir assistir, e claro que as gentes não tiveram coragem de recusar tão gentil convite. Lá se encheram uma série de camionetas e começa a festa. E como não pode deixar de ser, em todas as festas tem de haver uma parte cultural. E o povo quer o povo manda, aí vai uma obra de teatro, em que o tema central era mostrar como os bandidos dos paramilitares massacram a população civil indefesa.... Confessem que não é genial!? E viva a coltura e a sua expressão popular.
Sábado e domingo
Acordei às 7 da manhã para ir fazer meditação com um grupo de esotéricos. Aproveitei e comecei um tratamento de acupuntura para ver se me ajuda a deixar de fumar (sim, mãe, as agulhas estavam todas esterilizadas), à tarde fui à piscina e à noite fomos comemorar os anos da maria paz a uma loja/taberna que vende desde bicicletas a arroz, chupa-chupas e rum, e põe tangos e boleros. No domingo o dia já foi mais penoso, só piscina e muita água para ver se ajudava a passar a dor de cabeça que isto de rum não vai muito com o meu fígado. E aluguei filmes no clube de vídeo da zona que está sempre actualizadissimo porque copiam tudo da televisão americana.
2ª Feira
Aqui estou eu outra vez fresquíssima que nem uma alface e lá segue o trabalho que hoje basicamente foi só reuniões e contactos com organizações estatais, não governamentais e de desplazados, por causa de um novo desplazamiento de cerca de 2000 pessoas que têm 20 dias para sair das suas terras por ordem dos paramilitares. Será que tudo isto terá algum dia alguma solução não violenta? Não sei. E cada vez sei menos. Mas a esperança é a última que morre, e não acreditar seria morrer também e o instinto de sobrevivência fala mais forte. Uma das vantagens do nosso lado animal.
Fico por aqui porque se eu vou escrever a minha semana toda ficam vocês sobrecarregados de bytes. Muitos beijinhos

1 comentário:

na prise és bestial disse...

el pais se derrumba y nosotros de rumba