21 outubro 2006

Hoje o galo cocoricou



Lembro-me de ver a minha avó Lucinda sempre com uma agulha de crochet nas mãos, bordou até que a artrite lhe disse que era altura de deixar. A prenda de boas vindas ao mundo para cada um dos netos e netas foi um lindo e completo enxoval com colchas, toalhas de mesa, lençóis, sacos de pão, guardanapos, naperons, tudo bordado por ela. Contava-nos que uma vez estava ela aflita a bordar com certo frenesim numa sala de espera de um consultório médico e um senhor pergunta-lhe:
- Está a bordar uma toalha?
- É para o enxoval da minha neta.
- Vai casar em breve?
- Não, está prestes a nascer.

Sempre gostei de ir a casa da minha avó, ela gostava de flores, em especial amores-perfeitos e de combinar cor de laranja roxo e verde nas almofadas e nos seus vestidos. Tinha a lágrima fácil e também o riso lhe saía com ligeireza. Lembro-me de uma vez que deslizou num tapete, deu com o rabo no chão e ficou a chorar de riso durante meia hora. A minha avó gostava de animais, de gatos, de coelhos, de galos e galinhas, do cão da sua vizinha (tinha sempre um biscoito para ele guardado no bolso do avental). As galinhas e os coelhos eram criados para se transformarem em banquetes deliciosos. Era ela quem os matava, arranjava e cozinhava, mas como quando o fazia ficava sempre abalada e a chorar, só os podíamos comer no dia seguinte. Todas as semanas tinha uma taça de cristal cheia com sortidos, uns biscoitos com forma de Ss e 8s que ela fazia. Tinha também uma maneira especial de fritar o ovo estrelado para que ficasse com uma pelezinha por cima de um cor de rosa como não vi em mais parte nenhuma e de espalhar a manteiga nas torradas de papo seco, que foram as melhores torradas de toda a minha vida.

Já passaram muitos anos desde a sua morte, mas ainda às vezes volto a casa da minha avó, adormeço lá, e ouço o galo Tedyboy a despertar-me quando chega a madrugada.

3 comentários:

dizia ela baixinho disse...

que belas memórias dessa linda avó!

eu tb tive uma avó, só q ela não era a minha avó biológica, mas sim a avó dos meus vizinhos do lado.

esta senhora de 70 e tal anos tomava conta dos 4 netos rapazes e todas as tardes eu e outras 4 irmãs entrávamos pelo quintal e casa da Vó adentro e com a maior das naturalidades, depois de devidamente 'brincados', bebíamos o habitual chá gelado e devorávamos as bolachas marias. Na mesa da Vó devíamos ser - em média - uns 9 miúdos ali sentados, todas as tardes. A Vó estava sempre de boa cara, a Vó foi a avó que eu sempre quis ter. E tive.

Grande Vó a minha Vó emprestada! Obrigada, múltipla, por me teres lembrado dela.
:)

Anónimo disse...

Hoje, 21 de Outubro - Parabéns Avó

Anónimo disse...

as avós biológicas e adoptadas são um marco fundamental. O amor generoso e disponível deixa sempre lastro.

Obrigado por esta viagem ao passado - o teu fez-me lembrar o meu...