23 outubro 2006

Lar, doce lar

A criança berra desesperadamente, como se o mundo inteiro a estivesse a engolir. Corre de um pai para outro e cada um destes só pode fazer aquilo que lhe sai, acreditando ser o melhor, já seja mantendo-se firme nos limites ou afrouxando-os. A criança acordou mal disposta da sesta, está doente, está em casa há uma semana, quer mimos, quer colo quer o mundo centrado nela, agora, JÁÁÁ!

Os pais sentem que passam a vida centrados na criança, na casa, na vida doméstica. A criança continua a berrar, passando de uns motivos para outros, sucessivamente, todos e quaisquer motivos. A mãe tenta escrever no computador e não ceder às birras da criança, não lhe dando atenção enquanto ela estiver a gritar; o pai quer ver se a criança fica mais bem disposta e deixa de lavar a louça na cozinha e põe-se a fazer de macaco, salta para cima dos móveis. A criança adorou a ideia, salta também para cima do móvel, a mãe por um lado acha graça, por outro imagina a criança já caída na chão, com a boca a deitar sangue ou com um horrível galo na testa, a chorar desalmadamente . A mãe desespera da vida doméstica, apetece-lhe outra vez ser livre, livre, solteira, sem filhos, dançar como se não houvesse amanhã e uma criança que acorda enérgica ainda antes do galo.
A mãe suspira, volta à realidade, volta para o computador, clika de novo o oito e coisa antes de recomeçar o trabalho que inúmeras vezes já interrompeu.

5 comentários:

Anónimo disse...

"...não lhe dando atenção enquanto ela estiver a gritar..."

sendo o gritar obviamente o único modo de expressão e não acontecendo o efeito desejado torna-se essa criança desconfiada da capacidade da ajuda do outro e descrente em si mesma. o choro subsequente será não o de birra mas de frustação consigo mesma. a questão não está em "ceder" a birras, está em no modo de tratar o pedido de atenção.

não sei que idade tem a criança mas o ser humano tem um grande tempo de aprendizagem. nós não somos definitivamente animais que aprendem por si mesmo e ficamos autónomos ao fim de meses (nem sei porque é que estou para aqui a escrever banalidades e coisas óbvias que de certeza já toda a gente leu noutros sítios mais credenciados)

Anónimo disse...

Não tenho filhos, mas consigo entender esse equilibrio precário entre ser pessoa e ser progenitor. Por muito que se ame os filhos, é necessário o espaço da individualidade, que creio era um dos temas da posta.

Acho que me tornei adulta no momento em que percebi que os meus pais nunca iriam ser perfeitos, porque são apenas pessoas cheias de qualidades e defeitos. Tal como eu.

8 e coisa 9 e tal disse...

Pois é faz o que eu digo e não faças o que eu faço, eu sei, conheço a teoria e até tenho certificação académica que o comprove, mas aí vem o ditado a confirmar: em casa de ferreiro, espeto de pau. A criança só tem dois anos, está doente e eu vou ensaindo várias estratégias de acordo com a (im)paciência, a intuição e a reflexão, e de acordo também com as respostas que a própria criança vai dando. E cheguei à conclusão de que não há tarefa mais delicada, mais importante e mais dificil do que a de ser pai ou mãe. Além disso, é um acto de fé, pois como disseste, o ser humano tem um grande tempo de aprendizagem, e os resultados não são imediatos. E eu sou eu, com as minhas qualidades, defeitos e catadupas de sonhos inconcretizáveis e possíveis.

E de facto, apesar de saber que ainda que pudesse não voltaria atrás, às vezes não posso evitar sentir saudades do tempo em que era só eu e querer, como a minha multipla e o zé mário branco, ir-me embora sem ter que me ir embora..

Amanhã já me passa..

na prise és bestial disse...

Recomendo uma conta poupança-psicoterapia: qualquer coisa que uma mãe ou pai diga pode (e vai) ser usada contra eles. As estratégias são muitas, mas nenhuma previne os erros que encontramos nos nossos pais - e que os nossos filhos encontrarão em nós.

dizia ela baixinho disse...

querida seteepicos,

vai um baby-sitting?
;)
beijos