23 fevereiro 2008

Isto não é um cachimbo

Ela tinha dito que ia conseguir. Tinha dito que ia deixar para trás o que deveria desaparecer, os ossos que chocalhavam com os seus passos sem que ninguém se apercebesse, só ela os ouvia e fingia não ouvir, sempre aquele som a cada gesto, de cada vez que se levantava ainda com sono, de cada vez que andava pela casa sem saber como se livrar deles e incapaz de os ignorar.
Abriu a janela, mediu a distância que a separava do chão lá em baixo, as folhas e a chuva misturadas numa mancha que invadia o cimento e a erva, e tornava tudo uma papa indistinta. Calculou o tempo que demoraria a chegar lá e imaginou o som que faria quando tocasse no solo.
Pegou nos ossos. Sentiu o frio e a forma de cada um deles, encaixou-os numa mala antiga e fumou o último cigarro. Aproximou-se da janela e foi atacada por um medo que não sabia ter. Como seria depois?
Agarrou a mala e deixou-a cair. Esperou e ouviu um som surdo, afinal tão diferente daquele que tinha imaginado. Agora era só ela mesma.

3 comentários:

dorean paxorales disse...

Vianense.

dizia ela baixinho disse...

pois não.

é uma metáfora. e das boas.

António Pires disse...

Magritte?...

E que mais???...

(não tem nada a ver mas, finalmente!, vou pôr o 8 e Coisa nos meus links lá no R&A)